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As memórias de Paloma Amado e a difusão da obra de Jorge Amado

As lembranças e o trabalho da filha de Jorge no ano em que celebram os 110 anos de nascimento do escritor

Por Vinícius Marques

30/10/2022 - 6:00 h
Imagem ilustrativa da imagem As memórias de Paloma Amado e a difusão da obra de Jorge Amado
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Em 1951, na cidade de Praga, capital da República Checa, os escritores Jorge Amado e Zélia Gattai já estavam exilados do Brasil há mais de quatro anos. Nesse mesmo ano, a segunda filha do casal, Paloma Jorge Amado, nasceu. Eles já tinham um outro filho, João Jorge Amado, que na época tinha apenas quatro anos de idade, e os acompanhava no exílio.

Dez meses após o nascimento de Paloma, a família retornava ao Brasil. “Não aprendi a falar tcheco, ao contrário do meu irmão, João, que viveu lá por três anos e falava tcheco que era uma beleza", conta a psicóloga e também escritora, 71 anos.

Jorge com os filhos João e Paloma
Jorge com os filhos João e Paloma | Foto: Zélia Amado | Cedoc A TARDE

De volta ao Brasil, a família foi direto para o Rio de Janeiro, na época ainda capital do país, e por lá ficaram durante 12 anos. Paloma recorda que, nos anos 1950, o Rio de Janeiro era um lugar muito tranquilo para viver. Ela e o irmão estudavam a cinco quadras da casa da família, no bairro de Copacabana.

Paloma e o irmão sempre estudaram em escola pública, desde o Rio de Janeiro até o final do colegial na Bahia. Esse é um fato que a orgulha muito. Do período escolar na capital fluminense, ela lembra das idas à casa de Dorival Caymmi, que morava do lado da sua escola. Ela sempre estava lá quando Zélia demorava a ir buscá-la.

Em casa, as figuras ilustres também eram recorrentes. “Meus pais conheciam todo mundo, a minha casa era muito frequentada, e eles davam muita festa, muita recepção”, lembra. Em muitas ocasiões, Paloma estava no meio de pessoas como João Gilberto e Vinicius de Moraes, que ela conta ter tido a oportunidade de ver compor junto ao pai algumas canções.

Intelectual importante dentro do Partido Comunista, Jorge Amado recebia também todos que vinham para o Brasil e que eram do mundo socialista. Membros do Circo de Pequim e da Ópera de Pequim passaram pela residência dos Amado.

A escritora e filósofa Simone de Beauvoir foi outra personalidade que quando esteve no país, em 1960, acompanhada de Jean-Paul Sartre, frequentou a casa da família todos os dias durante sua estadia no Rio de Janeiro.

"Éramos pequenos. João não era tão pequeno assim. Eu não dava muito conta da situação, João já sabia que eram pessoas muito importantes. Para mim, eram pessoas ótimas com quem eu brincava e conversava. Não aprendi a falar tcheco, mas aprendi a falar francês. Lá em casa todo mundo falava francês. Eles moraram um tempo do exílio, primeiro, na França. Foi a primeira língua que meu irmão falou”, explica Paloma.

Uma das memórias da escritora da infância no Rio de Janeiro foi de quando encontrou pela primeira vez a pessoa que até hoje ela considera como a “mais importante” que conheceu: Mãe Senhora, ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Paloma conta que, na época, eles ainda estavam distantes do candomblé e esse encontro foi uma virada para ela.

Na ocasião, Jorge Amado explicou para os pequenos João e Paloma que quem estava chegando era uma pessoa muito importante, uma grande sacerdotisa do candomblé. “A pessoa mais importante dentro das religiões africanas”, disse o escritor para os filhos.

De acordo com Paloma, o irmão João, “que era um menino muito travesso”, ficou muito curioso e perguntou: "Mas ela é assim como quem?". E o pai respondeu: "Sabe quem é o Papa?", a quem o filho assentiu e o escritor arrematou: "Então, como tem o Papa para os católicos, para a gente do candomblé Mãe Senhora é como se fosse o Papa". Paloma e João ficaram impressionados.

Quando a ialorixá chegou, ela não estava vestida de mãe de santo, lembra Paloma. “Uma pessoa que era doçura, uma beleza, uma coisa que fascinava”, conta a filha de Jorge Amado. O que seu irmão fez, assim que ela chegou, pegou todo mundo de surpresa. “Ele chegou para ela e disse: ‘Vossa Santidade quer tomar um guaraná?’, e ela caiu na gargalhada por ter sido chamada de Vossa Santidade. Digamos que minha iniciação religiosa se deu com a ida de Mãe Senhora a nossa casa no Rio. É uma lembrança que eu tenho muito viva”, afirma.

A casa

Em 1963, ano em que Paloma completou 12 anos de vida, seu pai vendeu os direitos do livro Gabriela Cravo e Canela para a produtora Metro-Goldwyn-Mayer transformar a obra em um filme. Com esse dinheiro, comprou a casa de número 33, na Rua Alagoinhas, localizada no bairro do Rio Vermelho, em Salvador.

“Papai tinha muita saudade da Bahia, achava que a Bahia era um lugar muito mais sossegado, tinha muitos amigos aqui, então ele comprou a casa”, explica. “Uma casa que não parece nada com a que é hoje. Ela sofreu uma reforma e viemos para a Bahia mesmo com ela sendo reformada”, acrescenta.

Aluna do Colégio Estadual Manoel Devoto, ela e o irmão logo se entrosaram com os outros jovens. Ela, ginasiana iniciante, fazia política junto com os mais velhos, uma "inocente útil", dizia Zélia rindo, Paloma recorda. Naquele mesmo ano, aconteceu o Golpe Militar. Na época, Paloma e os colegas chegaram a criar um jornal mural, com artigos escritos de próprio punho, com citações e palavras de ordem, mas que logo chamou a atenção da direção do colégio e ela sentiu a censura pela primeira vez.

Com o passar do tempo, a situação estava cada vez mais caótica, com muita gente sendo presa. A casa na Rua Alagoinhas se tornou uma espécie de point para aqueles jovens, que entravam e saíam o tempo inteiro, produzindo panfletos e materiais de pichação.

Jorge Amado pedia calma e dizia para os jovens reagirem de forma organizada, “sem meter os pés pelas mãos”. Zélia, por outro lado, queria ainda mais cuidado, lembrando da Ditadura do Estado Novo. Rasgaram juntos, em família, todos os cartazes. “Nada de comprometedor ficará dentro desta casa”, dizia Zélia.

Apesar de toda a barbárie que viram de perto durante os anos da Ditadura Militar, Paloma considera “os anos adolescentes na Bahia os melhores da minha vida”. Segundo ela, dentro de casa eram jovens com muita liberdade junto com os pais. “Sempre com um espírito de muito respeito e muita responsabilidade. Fomos ativistas, João muito mais que eu. Íamos todos juntos para passeatas”.

O irmão João já estava entrando na universidade, o que fez com que Paloma se reunisse com essa juventude mais madura e antenada aos problemas do país. Ao sair da escola e encontrar com o irmão e seus amigos para irem em uma das passeatas, os professores alertavam que contariam para a mãe da menina. Paloma apenas respondia: “Ela está ali, vai também”.

Filhas e netos

Com 19 anos, Paloma voltou para o Rio de Janeiro, onde se formou em psicologia e teve duas filhas, Mariana e Cecília. Mariana está com 50 anos e Cecília com 46. Cecília é cineasta e produtora de cinema, Mariana é jornalista e especialista em meio ambiente. Foi Cecília, inclusive, quem dirigiu o filme que adaptou o livro do avô, Capitães da Areia. Cada filha de Paloma teve um filho. “Duas filhas mulheres e dois netos homens”, ela conta, sorrindo. Nicolau, filho de Mariana, “é a cara de meu pai, fisicamente parecidíssimo, um menino adorável”.

Hoje, com 18 anos, Nicolau está em Portugal, estudando Direito na Universidade de Coimbra. “Ele é um dos jovens que viveram esse período de pandemia, de pandemônio, eu diria, ficou triste com o Brasil e resolveu ir embora para Portugal. Foi com a cara e a coragem”, explica. O outro neto, filho de Cecília, é Felipe, que mora com a mãe e é vizinho de Paloma. “Vejo meu neto mais novo sempre e isso é um prazer enorme. Ele tem 16 anos e é uma figura fantástica”, afirma.

Lançamento do livro As Frutas de Jorge Amado
Lançamento do livro As Frutas de Jorge Amado | Foto: Luciano da Mata | Arquivo A TARDE

Como psicóloga, Paloma trabalhou com política, na Presidência da República. Atuou na campanha de Tancredo Neves e de José Sarney para a presidência. Depois que Tancredo morreu, ela continuou a trabalhar com Sarney, de quem afirma gostar muito. “Tenho muita confiança nele até hoje”, diz. O trabalho seguiu ainda na era do presidente Fernando Collor de Mello, até Paloma se candidatar para a Unesco e ser desligada pelo presidente.

“Eu era concursada no Brasil, não foi ninguém que me colocou pela janela, não fui funcionária escolhida, foi concurso público, para ser funcionária pública. Collor me demitiu injustamente porque passei na minha aplicação na Unesco”.

Apesar de se ausentar dos serviços no Brasil, o país vinculado à Unesco pode ceder seus servidores para serviços à instituição sem ônus, já que a ONU arca com os pagamentos durante o período. Paloma passou alguns anos com a Unesco na França, e ao voltar não pôde entrar com um processo porque preferiu ficar ao lado do pai, que tinha sofrido um infarto na época.

“Eu tinha que ir para Brasília fazer o processo lá, mas foi justamente quando meu pai infartou, ficou muito mal. Eu já estava voltando para o Brasil. Vim para a Bahia ao invés de ir para Brasília. Abri mão de 15 anos de serviço público concursado para poder atender meu pai e não me arrependo em nenhum momento disso”, afirma.

Depois disso, Paloma se divorciou do primeiro marido, se casou de novo com o primeiro namorado, um argentino que passou 40 anos sem ver, e novamente se divorciou. “Foi um casamento rápido, mas foi bom porque mamãe ainda me viu casada com ele, ela gostava dele. Ficou feliz, aquelas coisas que as mães sempre pensam de filhas: ‘Ah, vai ter um homem que tome conta dela’, enfim…”.

Viagens

Na Bahia, Paloma mantém amizades de longa data, como a editora de livros Rina Angulo, que conhece há mais de 30 anos. “Ela é muito minha amiga, minha irmã de alma”, diz Rina sobre a amizade com Paloma. Quem apresentou as amigas foi a também editora e fotógrafa Arlete Soares, que foi sócia de Rina na Editora Corrupio e amiga da família Amado. Desde então, as duas nutrem uma forte amizade.

Entre as tantas coisas em comum, Rina destaca o gosto por política – “escutamos articulistas, lemos muito” –, por cinema, comer e as tantas viagens que realizam juntas. A editora recorda uma vez que fizeram uma viagem de cruzeiro para a Europa e se preparavam para uma festa à fantasia a bordo. "Estávamos com a fotógrafa Maria Sampaio e a gente foi de Baiana, Acarajé e Abará. A baiana fui eu, que não sou baiana. Paloma, toda de amarelo, e Maria toda de verde, cantando Vatapá, de Caymmi. A gente ria tanto, ria tanto, que nem conseguimos chegar na festa”, lembra, aos risos.

Aldaci dos Santos, a chef Dadá, se emociona ao falar de Paloma, a quem chama de irmã. “Eles me têm como uma pessoa da família. Chamava Jorge de pai, e minha Zélia de mãe. Paloma e João Jorge são meus irmãos”, diz a cozinheira. Dadá participou da publicação de um dos livros de Paloma, O Livro de Cozinha de Pedro Archanjo, e foi Paloma quem organizou as receitas da cozinheira resultando no livro Tempero da Dadá.

“Paloma é muito engraçada, a gente fala muita besteira, a gente viaja juntas. Ficamos juntas no hotel, dormimos no mesmo quarto. Falar da minha irmã, para mim, é falar da minha história e da minha vida. Paloma, para mim, é muito especial”, conta Dadá, emocionada.

Atualmente, Paloma tem produzido trabalhos em literatura e fazendo pesquisas de gastronomia, além de publicar suas crônicas todo domingo no seu perfil no Facebook. Ao lado de seus dois gatos, ela toma conta do legado do seu pai junto do irmão, João.

“Direitos autorais só existem se venderem os livros, e os livros só vendem se a gente trabalhar por eles. Apesar de que, sem dúvida nenhuma, meu pai sozinho fez a obra dele ser duradoura para sempre. Mas é importante o trabalho que a gente faz”, destaca Paloma.

Neste ano, completam-se 21 anos que Jorge Amado faleceu, e 110 de seu nascimento, e Paloma revela que assinaram quase 200 contratos novos de publicação da obra de seu pai no exterior. Algumas com novas traduções, diretas do português, como é o caso da Rússia e da China. “É uma coisa muito boa. Meu trabalho atual é muito bom porque ele me dá muita alegria e satisfação em ver Jorge Amado vivo e influenciando ainda hoje as pessoas”.

Paloma também estará presente em algumas mesas da Festa Literária Internacional do Pelourinho - Flipelô, organizada pela Fundação Jorge Amado, que nesta edição presta homenagem aos personagens de Jorge Amado, celebrando seus 110 anos de nascimento, e que acontece entre os dias 1º a 6 de novembro, em Salvador. [Confira a programação completa: flipelo.org.br]. Durante o período da festa, a Casa do Rio Vermelho, onde Paloma morou com seu irmão e seus pais, no Rio Vermelho, estará com entrada gratuita para visitação.

Imagem ilustrativa da imagem As memórias de Paloma Amado e a difusão da obra de Jorge Amado
| Foto: Luciano da Mata | Arquivo A TARDE

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