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ABRE ASPAS

“As minorias descobriram que elas não são minorias”

Laerte Coutinho – Chargista e cartunista

Por Gilson Jorge

15/12/2024 - 1:00 h
Laerte Coutinho, cartunista
Laerte Coutinho, cartunista -

Foi aberta esta semana no Museu de Arte Contemporânea, na Graça, a exposição Trans Laerte, que reúne cerca de 400 obras de um dos principais nomes do humor gráfico brasileiro, a cartunista e chargista Laerte Coutinho, que junto com Angeli e Glauco fez história nas páginas da revista Chiclete com Banana e também no jornal Folha de S. Paulo, onde publica semanalmente. A mostra fica em cartaz até 23 de fevereiro, de terça a domingo, das 10h às 20h., com entrada gratuita. Laerte não veio a Salvador, mas conversou por telefone com A TARDE e falou sobre sua trajetória profissional, militância política, humor e minorias e sua atuação em um portal de empregos para pessoas transgêneros.

Pode falar um pouco sobre o conceito da exposição Trans Laerte, em cartaz no MAC?

Bom, eu estou na posição de convidada. Quem montou a exposição foi a Ana Kalil e o Nobu Chinen, que é o curador. Eu cedi o material que eu tinha. Eu não planejei essa exposição. Infelizmente, eu tenho dificuldades em viajar há alguns anos. Parei de sair de São Paulo, só fico aqui (risos).

Na entrevista que você concedeu a Antonio Tabet, há dois meses, você mencionou que o quadrinho brasileiro ficou meio capenga em relação ao humor. O que quis dizer? E como você vê os memes?

Eu não lembro. Eu já falei muita bobagem por aí e, frequentemente, esqueço as coisas que eu falei, mas eu não estou localizando essa fala. Eu curto alguns memes. Acho que é uma linguagem típica de internet. É um tipo de humor que não demanda o conhecimento gráfico. Ele pode ser muito bem improvisado e criado com uma liberdade de opções muito grande. Normalmente, usam-se fotos ou a remissão a algum evento que aconteceu. Há muitos anos, existiu um parente do meme, que o pessoal chamava de foto-fofoca ou foto-potoca. Era uma coisa que se usava em revistas ou em jornaizinhos como o Pasquim. Era um lance de humor em que você pegava uma foto, que normalmente saía na seção de política ou economia e botava um balão de fala, criando uma situação engraçada. O meme tem um pouco essa vocação, de certa forma é herdeiro dessa tradição. Mas vai um pouco além, porque a própria força dele está vinculada ao modo como certas situações e imagens se tornam fortes por obra da rapidez e do alcance da internet mesmo. Coisas mais ou menos ridículas, como o fato de uma passageira não querer dar o lugar para uma criança acabam virando, assim, um fato... político (risos).

Ela ganhou mais de dois milhões de seguidores no Instagram...

Então... é uma coisa completamente surrealista. Se você pensar um pouco devagar é uma coisa surrealista. E o meme tem também essa vocação de lidar com as coisas de uma maneira maluca. Eu não sei. Eu acho engraçado. Algo que tem suas virtudes. Uma delas é possibilitar às pessoas, a qualquer pessoa, participar do processo de criação. É uma linguagem bastante democrática. Se é que a gente pode empregar essa palavra nesse contexto.

E como é a sua relação com as redes sociais?

Eu uso Twitter (agora, X) e Blue Sky. Eu tenho perfil no Instagram, mas não consigo lidar muito bem com aquilo, não. E o Facebook eu já não uso muito mais. Eu fico mesmo no Blue Sky e no Twitter. Eu uso bastante. Sei lá... eu posto as minhas tiras que saem na Folha de S. Paulo. Porque o blog também parece que não é mais um espaço muito prestigiado dentro da internet.

As coisas mudam muito rapidamente, não?

Mudam muito rapidamente. É isso aí.

Você já produziu algumas tiras com um tipo de humor de duplo sentido ou rimas marotas, que hoje em dia são classificadas como de quinta série. Como aquela de Batman...

A de Batman é “o segredo do morcego é isso aqui no teu rego”... humor de quinta série, pois é.

Aqui na Bahia, isso é muito presente. Coisas como o “Lá ele”, que se popularizaram no Brasil. Você ainda ri desse tipo de humor?

Eu não conheço o Lá Ele. Como se usa? Mas aqui em São Paulo também tem quinta série (risos). O que quer dizer 'lá ele'?

Sempre que uma pessoa diz algo que pode soar com uma conotação sexual, o interlocutor responde 'lá ele'...

Essa eu nunca tinha escutado. Mas de um modo geral eu acho bem interessante, eu fico bem curiosa com esses modos e expressões que aparecem em todo Brasil, né? Não é só na Bahia. Na Bahia, tem um sabor especial, que é o tempero baiano. Mas a quinta série eu acho que é universal.

Como você vê o humor com as minorias? Na época da TV Pirata, ainda se faziam piadas nos principais programas de humor com homossexuais, negros, mulheres. Por outro lado, Woody Allen e outros judeus sempre fizeram piadas sobre o seu próprio povo. Atualmente, você acha possível fazer piadas com minorias de uma forma que não seja ofensiva? Conhece alguém que faça isso?

Pois é. As minorias descobriram que elas não são minorias. Tem mais minorias do que a maioria pensa. Mulheres não são minoria. A população LGBTQIAPN+ não é exatamente uma minoria. É uma condição e um modo de exercer a humanidade que está completamente difundido. O que se passava antigamente é que esse tipo de humor que é humilhante era recebido sem reação. Humoristas e comediantes antigamente podiam fazer as piadas que eles quisessem. Reagir a essas piadas não era considerado uma boa atitude. As pessoas deviam se curvar e aceitar. Como era considerado vergonhoso a pessoa ser gay, assim como de certa forma era vergonhoso a pessoa ser negra, ou ser judeu ou ser mulher. Essas pessoas deviam se curvar e aceitar a piada como se fosse assim uma grande honra. O fato é que com o tempo essas comunidades todas passaram a se enxergar de uma forma mais digna. Passaram a querer respeito e se acharam no direito de exigir esse respeito por parte dos comediantes. É um fenômeno moderno essa atenção que o comediante e o humorista precisam levar em conta. Como você mencionou, os judeus sempre usaram a condição judaica para fazer um tipo de humor. Assim como a população gay. Piada de veado... tem uma quantidade absurda de piadas vindas de dentro dos ambientes de homossexuais, de lésbicas e tudo. Agora, essas são piadas internas. E elas não são carregadas exatamente do problema que constitui a piada agressiva. Essa piada de fora, que machuca, fere e humilha justamente vem com essa carga de ódio e discriminação. Durante muito tempo eu escutei piada de bicha. Mas sempre existiu uma diferença entre a piada interna e a externa, que é agressiva.

Você foi roteirista da TV Pirata, numa época em que se faziam essas piadas. Lembra de ter feito alguma no programa?

Eu não estou aqui bem lembrada, isso já tem alguns anos. Mas devo ter usado, sim, referências humorísticas a determinadas comunidades. Não sei. Não me lembro de ter sido especialmente agressiva em nenhum desses momentos.

Você também escreveu para a TV Colosso...

TV Pirata, TV Colosso e Sai de Baixo. Foram os três programas da Globo em que eu colaborei durante alguns anos. Foi uma experiência muito importante para mim. Eu acho que aprendi bastante. Não continuei a trabalhar porque eu quis voltar para o meu rincão. Humor impresso. Também esses programas tiveram o ciclo deles, acabaram.

Acha que um personagem como Caco Antibes [personagem de Miguel Falabella em Sai de Baixo], dizendo que odeia pobre, seria possível hoje em dia?

Acho que sim, porque as falas do Caco Antibes eram absolutamente críticas ao personagem. O Falabella estava construindo ali um personagem e eu acho que em nenhum momento o Caco Antibes foi idolatrado ou levado a sério. Não sei como seria hoje em dia. Mas a intenção do Falabella era claramente construir um personagem crítico, que fosse criticável. E eu acho que ele fez isso muito bem. Não havia ninguém que considerasse aquilo um modelo de comportamento.

Você mencionou um certo afastamento da política partidária. Mas ao mesmo tempo tem a política como matéria-prima em seu trabalho. Como você vê a política brasileira?

Eu me interesso por política e isso faz parte de minhas atribuições profissionais. Eu sou chargista. Uma vez por semana, aquele espaço da página 2 da Folha de S.Paulo é meu. E o meu trabalho envolve emitir uma opinião política na forma de um desenho de humor. Mas eu não participo mais de partidos políticos. Eu fui do Partido Comunista nos anos 70 e um pouco dos 80 também. E de lá pra cá eu saí, não faço mais militância partidária.

Você chegou a fazer parte da imprensa sindical...

Participei durante muito tempo. Criamos uma empresa que se chamava Oboré, que prestava serviços de comunicação para os sindicatos. Justamente fazendo divulgação das campanhas, procurando ajudar no planejamento dessas campanhas. A minha parte era, como sempre, fazer desenhos, caricaturas e histórias em quadrinhos.

Você, que é dessa geração genial com Angeli e Glauco, enxerga novos talentos no humor gráfico brasileiro?

Nossa! Muitos! Eu vou pedir licença a você para não citar nomes, porque a minha memória já não é grande coisa e eu ao citar uns deixo de citar outros. Mas eu não paro de ver aparecer gente nova e muito talentosa no humor gráfico. E um pessoal diferente. Mulheres, por exemplo. Negros. Há uma diversidade nos autores e autoras de charges e cartuns que é muito animadora.

Fale sobre a criação da Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat) e sua participação na instituição, por favor.

Ela não existe mais, sinto muito. A gente a criou como uma forma de manter o nosso trabalho. Nosso que eu digo são quatro pessoas. A atriz Maitê Schneider, do Paraná que hoje mora em São Paulo, a advogada Márcia Rocha, a Letícia Lanz, que é de Curitiba também, e eu. A gente era amiga e tinha trabalhos e ações dentro da área de trans e a gente criou a Abrat, mas a ideia não prosperou. Não virou uma associação com sede. O que a gente fez foi criar uma iniciativa chamada TransEmpregos, um portal online que cria um espaço de encontro entre empresas que oferecem vagas para pessoas trans e pessoas trans que buscam profissões. A gente sabia que esse era um território muito difícil por causa do preconceito e da discriminação e criou esse espaço online. E tem funcionado, sim. Muita gente conseguiu trabalho através do TransEmpregos.

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