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ABRE ASPAS

“As pessoas não têm a sua identidade de gênero respeitada”

Leandro Colling – Professor e pesquisador

Por Gilson Jorge

26/01/2025 - 5:00 h | Atualizada em 27/01/2025 - 18:31
Imagem ilustrativa da imagem “As pessoas não têm a sua identidade de gênero respeitada”
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Um dos eventos mais marcantes da semana nos Estados Unidos foi o vídeo em que, durante uma missa na Catedral de Washington, na terça-feira, dia 21, a episcopisa Mariann Edgar Budde, pediu que o presidente Donald Trump tenha misericórdia dos imigrantes e da população LGBTQIA+, que, segundo ela, teme por suas vidas. No dia anterior, durante o discurso de posse, Trump declarou reconhecer apenas os gêneros masculino e feminino, em mais uma ofensiva contra a população trans. Ataques aos direitos de transgêneros têm acontecido em diferentes países, especialmente com a eleição de políticos de extrema-direita. Em São Paulo, o vereador Lucas Pavanato apresentou em três projetos de lei transfóbicos em três dias. E mesmo no âmbito da comunicação em massa os ataques a pessoas trans foram incentivados com o anúncio feito pelo magnata Mark Zuckerberg, CEO da Meta, empresa responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, de que não censuraria postagens que tratem pessoas não-heterossexuais como doentes mentais. Para celebrar um marco na luta contra a transfobia, o Dia Nacional da Visibilidade Trans (29 de janeiro), A TARDE entrevista Leandro Colling, professor do IHAC - Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, da Ufba.

O vereador Lucas Pavanato (PL) apresentou três projetos de lei que podem ser considerados transfóbicos. Independente da constitucionalidade ou não das propostas, a ideia de proibir o uso de banheiros públicos por mulheres trans foi tema de sua campanha eleitoral e ele foi o vereador mais votado da cidade de São Paulo. Em alguns lugares, como os aviões, os banheiros já são compartilhados por pessoas de todos os gêneros. Por que esse assunto causa tanto incômodo?

Essa é uma das questões e o Supremo Tribunal Federal está há muito tempo para tomar uma decisão final e não toma. Por que o banheiro incomoda tanto? Porque as pessoas não têm a sua identidade de gênero respeitada. As pessoas ainda pensam que a identidade de gênero vai ser determinada pela genitália. E a gente não fica olhando a genitália da pessoa, a gente presume a genitália que ela tem. A extrema-direita atribui essa discussão ao fato de que as mulheres estariam inseguras nos banheiros. Porque essas mulheres trans entrariam no banheiro e têm pênis e poderiam estuprar as mulheres cis. São ideias absolutamente absurdas e questões que podem ser resolvidas de uma maneira muito mais tranquila.

Como?

A questão pode ser resolvida de uma forma muito tranquila mudando a arquitetura dos banheiros. Como a arquitetura dos aviões. Você faz uma pequena cabine com um vaso sanitário e uma pequena pia. Pronto. Acaba o pânico. Cada um entra em sua cabine. Mudando a arquitetura, muda tudo, se é o problema da sociabilidade, de as pessoas estarem entrando no mesmo espaço. Mas uma pessoa trans que vai entrar no banheiro com a sua identidade de gênero, está entrando ali por uma trajetória de identificação de sua vida. Não é uma invasão, não é uma violência para com as outras pessoas. Não tem nada disso. Se um estuprador quer cometer um crime, vai fazer independente de ter banheiro separado por pessoas trans e cis. Isso não se sustenta, mas é uma transfobia tão incrustada, usando ideias absurdas para dar um caráter de defesa das mulheres cis, contra os ataques às pessoas e outras coisas. Mas na verdade chama-se transfobia. Não tem outro nome. As pessoas não têm a sua identidade de gênero respeitada. Outros querem atribuir a identidade de gênero da pessoa, sem a liberdade de a pessoa se autodefinir do jeito que ela se compreende no mundo, como performa a sua masculinidade ou a sua feminilidade.

No contexto internacional, a gente viu Donald Trump, de volta à presidência dos Estados Unidos, dando declarações transfóbicas e o Mark Zuckerberg, da Meta, anunciando que suas redes sociais não vão censurar postagens discriminatórias...

Isso é uma coisa gravíssima. Eu tenho pensado sobre o assunto e há vários motivos para isso. Não é só a eleição do Trump. Claro que é um elemento fundamental. Mas há nos Estados Unidos e em outros países, no Brasil também começa a ter com muita força, uma espécie de pensamento antitrans, anti-woke. [Woke, literalmente ‘despertou’ em inglês, é um termo que designa o engajamento em questões sociais e raciais, cunhado pelo movimento negro dos Estados Unidos e depois estendido à população LGBTQIA+]. As críticas a entidades negras e LGBTQIA+, em especial as trans, não vêm só do espectro da direita. Tem uma série de intelectuais liberais, ou que se definem como de esquerda, nos Estados Unidos e no Brasil, que fazem essas críticas. Inclusive a minha nova pesquisa de pós-doutorado, que eu vou começar esse ano, vai acompanhar um pouco essa produção. Intelectuais que são importantes nos Estados Unidos, que são colunistas do The New York Times e coisas do tipo, que atribuíram a vitória de Trump às pautas identitárias. A ideia que eles usam, do identitarismo, que nós pessoas LGBTQIA+ teríamos passado da conta, atribuindo a todas as pessoas cis uma transfobia, a todas as pessoas heterossexuais, uma homofobia. Então, agora tem uma crítica instalada dentro dos campi universitários, com pensadores importantes. Mark Lilla começou isso. Yascha Mounk escreveu um livro chamado Armadilha da Identidade. São dois intelectuais importantes dos Estados Unidos que já foram traduzidos para o português e já começa a se disseminar esse pensamento em pessoas do espectro de esquerda, do campo progressista no Brasil, que estão comendo esse agá. Achando cada vez mais "ah, vocês estão passando da conta ". E eu pergunto: passamos da conta, o quê? Nós ainda somos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo. Nós não temos nenhuma lei aprovada no Congresso Nacional que garanta os nossos direitos. Temos uma decisão do Supremo que equiparou a transfobia ao racismo e ninguém é preso por causa disso. Que passamos da conta, o quê? A gente ainda nem começou a ter uma fase efetivamente de direitos no Brasil. Muito distante de uma perspectiva pós-direitos que algumas pessoas falam. Esse negócio da Meta também tá dentro do anti-woke. Não é uma onda só da extrema-direita, começa a se articular nos últimos tempos em um pensamento liberal. Isso está ganhando muita força no Brasil. Você vê intelectuais como Antônio Risério, baiano, escrevendo livros anti-woke, anti-identidade. Tem Francisco Bosco, do Rio de Janeiro, vendendo muitos livros sobre isso. Eu estou mapeando, tem um conjunto grande de intelectuais. Na própria Ufba, o professor Wilson Gomes tem feito isso... Eu entendo que uma empresa do tamanho da Meta abolir as suas regras, que já eram frágeis, mostra que há uma compreensão anti-identitária se espalhando. Vamos ver o que vai acontecer. O STF disse que no Brasil as regras teriam que ser respeitadas. Mas a gente sabe que é difícil ter o controle sobre as mensagens.

Nesse caso específico da Meta, é algo que vai além de ser anti-woke ou anti-identitário. Eles vão permitir que as pessoas LGBTQIA+ sejam tratadas como doentes mentais...

Exatamente. Chega a esse nível. A retirada da homossexualidade do Código Internacional de Doenças já está consolidada há muito mais tempo, mas a própria transexualidade já saiu do código. Depois de todo um movimento pela despatologização da identidade trans, é um retrocesso brutal. É muito violento.

E por falar em violência, há 16 anos o Brasil lidera as estatísticas de assassinatos de pessoas trans. Do ponto de vista do poder público, como você vê o combate à violência?

Você deve estar se referindo ao relatório da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) que é o melhor, mas está subestimado. Porque ainda não funciona efetivamente a possibilidade de você registrar uma morte violenta e entrar na estatística como transfobia ou homofobia. Agora, em termos de política pública de combate à violência contra as pessoas LGBTQIA+, a gente tem praticamente nada. Política pública efetiva, com dinheiro previsto no orçamento, com campanhas de conscientização, com política no campo da educação, com combate à essa máquina de produzir gente transfóbica. Onde está o nosso Brasil sem homofobia? Qual o orçamento? Que ações estão sendo colocadas? Não estão. A matança continua aí.

Mercado de trabalho. Um levantamento divulgado pela Globonews aponta que 0,38% das vagas de trabalho são ocupadas por pessoas trans, que, segundo o IBGE, são 2% da população. Como você vê a movimentação das empresas para a contratação de funcionários trans?

Há uma série de empresas que instituem programas de diversidade. Eu mesmo, às vezes, sou chamado para colaborar com alguns cursos. Há gente especializada em pensar programas nessa direção. Eu percebo que essas empresas conseguem compreender mais a diversidade étnico-racial ou com pessoas homossexuais, mas quando chega nas pessoas trans há uma maior resistência. As empresas já permitem que você coloque o seu namorado no plano de saúde. Até chegar aí, na homossexualidade masculina ou feminina, parece que pode, que já estamos contemplando a diversidade. Mas aí você pergunta quantas travestis ou transexuais trabalham lá. Em geral, zero. Aí vem o discurso de que as empresas não sabem como lidar e que as pessoas trans não estão capacitadas ainda para trabalhar nas empresas. O que é uma meia-verdade. Hoje, inclusive, se tem uma política pública que está funcionando muito bem são as cotas para pessoas trans na graduação e na pós-graduação. A gente já tem uma quantidade grande de pessoas trans na graduação, aptas a entrar no mercado de trabalho.

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