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21/05/2023 às 6:30 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

Avenida Joana Angélica, em Salvador, completa 100 anos

Centenário de inauguração da icônica via se comemora nesta sexta-feira, 26

Avenida foi entregue no segundo mandato do governador J.J. Seabra
Avenida foi entregue no segundo mandato do governador J.J. Seabra -

O Chevette verde 78 do casal Antônio Alves e Solange Alves cruza todos os dias o trecho inicial da Avenida Joana Angélica, vindo do Portão da Piedade, e desvia na Rua da Mangueira, a caminho do seu negócio, o Boteco de Sol e Foguinho, onde, fora pequenos inconvenientes de um bar, a vida costuma ser tranquila. Eles não são muito ligados em futebol e só prestam atenção em jogos quando há clientes assistindo partidas de Bahia ou Vitória no boteco.

Mas se há dois eventos inesquecíveis, para eles, na história da Avenida Joana Angélica, que completa 100 anos nesta sexta-feira, 26, são a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014.

Nesses dois anos, durante o período em que as partidas foram realizadas, o entorno da Arena Fonte Nova se transformou em área da Fifa e, da Rua da Mangueira, onde fica o bar do casal, em diante, ninguém passava.

O tal padrão Fifa levou as autoridades locais a obrigar que negócios do bairro, que atendem basicamente à vizinhança, investissem em equipamentos novos e conserto da calçada. "A gente comprou até um freezer, mas se vieram dois clientes novos durante a Copa foi muito", relata Solange Alves.

Mas as cenas marcantes, dessas que dão eterno replay nas conversas com os amigos, aconteceram durante as Jornadas de Junho, que completam 10 anos no mês que vem. À época, o boteco funcionava na rua Professor Américo Simas, que liga a Joana Angélica à Rua do Paraíso. Foi um inferno.

Sem acesso à Arena da Fonte Nova, onde planejavam gritar que não ia ter copa, os manifestantes aglomeram-se na altura do Convento da Lapa e, tal qual os soldados portugueses em 1822, tentaram forçar passagem, mas sem êxito. A polícia nem recorreu ao "Para trás, manifestantes", parafraseando Joana Angélica.

O pau quebrou, transformando novamente a região em um cenário de guerra. Muitos manifestantes se dirigiram à Professor Américo Simas e a outra transversal, Rua Engenheiro Silva Lima, e houve vandalismo. "Um dos nossos clientes era um policial à paisana que estava armado e assistiu o pessoal destruir seu carro. Mas ele tinha seguro", lembra Solange.

Nem o Chevette dos donos do bar escapou. "Eu estava tentando passar pela rua e um manifestante chutou a lataria do carro", conta Antônio, o Foguinho, que mostrou o amassado na lateral esquerda, perto do pneu traseiro.

Casal Solange Alves e Antônio Mota foram testemunhas de grande confronto na Avenida Joana Angélica
Casal Solange Alves e Antônio Mota foram testemunhas de grande confronto na Avenida Joana Angélica | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Multidão

O futebol é uma parte fundamental da experiência de passar, atualmente, pela Avenida Joana Angélica. Vizinho do maior estádio de futebol da cidade, o logradouro reúne multidões em dias de jogo.

Quando há partidas aos domingos, a frente do supermercado que fica entre a Joana Angélica e a Ladeira da Fonte Nova fica lotada, um pequeno Carnaval, desde os tempos em que o supermercado se chamava Unimar e o Vitória ainda mandava seus jogos no estádio.

Mas se o clima de festa anima a torcida do time local, pode inibir a presença de torcedores visitantes. Carioca, flamenguista e vizinho da Arena, o sapateiro Edvaldo de Lucas Santos não foi ver o seu time vencer o Bahia no fim de semana passado, um pouco por medo da violência, um pouco porque na hora em que o jogo começou, às 16h do sábado, ele ainda estava trabalhando na sua L&C Sapataria, no Centro Comercial Arcadas, um casarão que fica perto do Campo da Pólvora, aliás, o primeiro campo de futebol de Salvador.

Lucas, que descobriu o seu atual local de trabalho através da indicação de amigos, montou a loja há 22 anos, foi se encantando com a região e há uma década também mora em Nazaré. Quando encerra o expediente, um de seus hábitos é passar no bar e mercado Minitem, perto da entrada para o Tororó, ou também no Boteco de Sol e Foguinho. "Não é que eu goste de bar, mas é um bom lugar para encontrar os amigos", brinca o sapateiro.

A inauguração do metrô depois da Copa do Mundo melhorou ainda mais a acessibilidade aos negócios da Joana Angélica, que teve antes um impulso positivo em 1982, quando a inauguração da Estação da Lapa facilitou a chegada a Nazaré. Mas tudo na vida tem vantagens e desvantagens, tudo é uma via de mão dupla. Menos a Joana Angélica no trecho Piedade-Campo da Pólvora, que desde o início da pandemia tem tráfego apenas em direção ao Campo da Pólvora, onde está a sapataria de Lucas.

"Hoje, a vinda de clientes está mais difícil porque só tem ônibus descendo. Ou seja, indo embora depois do expediente. E indo embora ninguém para", declara Edvaldo de Lucas.

O sapateiro Edvaldo de Lucas Santos destaca relação da via com multidão e futebol
O sapateiro Edvaldo de Lucas Santos destaca relação da via com multidão e futebol | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Mesmo com as intervenções no tráfego, a Joana Angélica se recusa a ser mão única quando se tratam de cenas urbanas. A mesma avenida em que trombadinhas atacam pedestres na saída da Estação da Lapa e correm desembestados com celulares e outros pertences pelas transversais em direção à Barroquinha, ainda vê mães se aproximarem do gradil preto do Colégio Estadual da Bahia, o Central, para conversar com seus rebentos. E outros tipos possíveis de interação.

Com braços e parte do uniforme azul do lado de fora, eles seguram o dinheiro que será entregue ao vendedor ambulante, que trabalha na outra calçada e atravessou a rua para entregar salgados pedidos aos berros do pátio do colégio, que na década de 1960 era um importante centro de irradiação de ideias. Por ali, passaram estudantes como Carlos Marighella, Caetano Veloso, João Ubaldo Ribeiro e Glauber Rocha, entre outros.

Violência

Assim como em toda a cidade, a violência está se expandindo na região da Joana Angélica. No ano passado, a sede da Academia de Letras da Bahia foi arrombada duas vezes em uma semana. Na última quarta, um homem foi assaltado por três pessoas que lhe levaram relógio e celular às 6h45.

O taxista Reginaldo Conceição, que faz ponto na Joana Angélica há 23 anos, declara que nunca foi vítima de ações criminosas na região, mas tem notado a intensificação de atos violentos em toda a extensão da Avenida. E está contente com a rede de contatos na área, que lhe permite a alternativa de não precisar ficar na fila do táxi quando algum passageiro lhe telefona e pede que ele vá buscá-lo.

"O que eu mais gosto é dos meus clientes que moram nas redondezas da Av. Joana Angélica e o que não gosto é do descaso e da bagunça da feira de frutas que passou a existir", pondera Reginaldo, queixando-se da instalação de vendedores ambulantes no trecho entre a sede da OAB e o Convento da Lapa, do lado da Rua Nova de São Bento.

Repleta de história em sua superfície, a Joana Angélica pode trazer à tona mais informações sobre a tragédia da escravização, caso prospere o projeto de construção de um túnel entre o Campo da Pólvora e o Comércio.

No subsolo da área que vai do Fórum Ruy Barbosa até o Jardim Bahiano, há ossadas de pessoas que haviam sido escravizadas ou se tornaram indigentes e que, após sua morte, foram sepultadas no Cemitério do Campo da Pólvora, também administrado pela Santa Casa de Misericórdia. "Temos aqui 11 livros de banguê, que registram os nomes das pessoas sepultadas nesse cemitério", diz a historiadora Rosana Sousa, supervisora do Centro de Memória Jorge Calmon.

"Para mim, que sou historiadora, trabalhar nessa área, que vai da Mouraria até o Convento de Santa Clara do Desterro, é sempre muito acolhedor", afirma. O Centro de Memória Jorge Calmon, da Santa Casa de Misericórdia, funciona no complexo da Pupileira, que inclui a Faculdade da Santa Casa e o Cerimonial Rainha Leonor.

O prédio da Pupileira, que pertencia à Associação São Vicente de Paulo, foi comprado pela Santa Casa em 1862 para abrigar a Roda dos Expostos, ou Roda dos Enjeitados, lugar onde crianças eram abandonadas por familiares que não queriam cuidar de seus filhos recém-nascidos, que ao crescer se tornavam pupilos de membros da instituição. Daí, o nome Pupileira. Posteriormente, a Roda dos Expostos foi transferida para o Convento de Santa Clara, onde existe até hoje.

Taxista Reginaldo Conceição teme clima de violência na Avenida
Taxista Reginaldo Conceição teme clima de violência na Avenida | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Independência

A avenida, cujo centenário de inauguração se comemora nesta sexta-feira, 26, foi entregue no segundo mandato do governador J.J. Seabra (1920-1924), três anos depois da abertura da Avenida Sete de Setembro. Enquanto essa aludia ao centenário da Proclamação da Independência por D. Pedro II, a Joana Angélica marcava os festejos pelos 100 anos de Independência do Brasil na Bahia.

Nascida em 17 de dezembro de 1761, quando Salvador ainda era a capital do Brasil, Joanna Angélica de Jesus pertencia a uma família de posses e se tornou noviça do Convento da Lapa aos 20 anos de idade. Dois anos depois, no ano em que a capital foi transferida para o Rio de Janeiro, ela tornou-se irmã das Religiosas Reformadas da Nossa Senhora da Conceição, e seu nome passou a ser Joana, com um N.

Após o retorno de Dom João VI a Lisboa, em 1821, a Coroa Portuguesa nomeou o general lusitano Luiz Madeira de Melo como comandante das armadas da Província, com o intuito de assegurar o poder sobre o Brasil, que estava em vias de se tornar independente. Em 11 de fevereiro de 1822, Melo ordena o ataque a residências de baianos e ao Convento da Lapa. A então abadessa Joana Angélica tenta impedir com o próprio corpo a invasão portuguesa e clama: "Para trás, bandidos. Respeitem a Casa de Deus!", para logo ser atacada por soldados portugueses.

Para a construção da avenida, unificou-se o traçado de diferentes ruas entre a Praça da Piedade, até a Ladeira de Nazaré. "O nome de avenida foi dado sem muito critério. Em alguns trechos, essas ruas não se encontravam. Naquela época, a cidade era muito tacanha. As ruas eram feitas para a passagem de uma carruagem", explica o historiador Jaime Nascimento, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), uma das mais antigas instituições culturais da Bahia ainda em atividade, cuja sede foi construída justamente entre a Avenida Sete de Setembro e o início da Joana Angélica.

De qualquer maneira, a interligação dessas pequenas ruas tornou possível o deslocamento entre várias edificações culturais e religiosas de grande importância para a cidade, como o Convento de Santa Clara do Desterro, primeiro convento feminino do Brasil, construído em 1677, o Convento da Lapa e o Gabinete Português de Leitura, inaugurado em 1863.

Historiadora Rosana Sousa diz que trecho que vai da Mouraria até o Convento de Santa Clara do Desterro, é "acolhedor"
Historiadora Rosana Sousa diz que trecho que vai da Mouraria até o Convento de Santa Clara do Desterro, é "acolhedor" | Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE

Na outra ponta da Avenida Joana Angélica, funciona outra instituição da Santa Casa de Misericórdia, o Hospital Santa Izabel, projetado para assumir o trabalho de atender toda a população soteropolitana, sem qualquer distinção de classe ou etnia. Um projeto iniciado no Hospital de Caridade, que funcionava no Centro Histórico, no prédio que hoje abriga o Museu da Misericórdia. As obras do Santa Izabel demoraram 60 anos, tendo ficado paralisadas por 40 anos em função da falta de recursos.

O hospital foi concluído com dinheiro doado pelo Conde Pereira Marinho, que ficou rico comercializando seres humanos vindos da África escravizados. Há uma estátua em sua homenagem no interior do hospital.

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