Bahia de todos os vinhos: um mercado com muitas opções | A TARDE
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Bahia de todos os vinhos: um mercado com muitas opções

Apreciadores da bebida tem opções para todos os gostos e bolsos

Publicado domingo, 21 de agosto de 2022 às 06:00 h | Atualizado em 21/08/2022, 08:31 | Autor: Vinícius Marques
Grand Cru, loja especializada em vinhos importados
Grand Cru, loja especializada em vinhos importados -

O economista Marcelo Freitas sempre teve o hobby de beber vinho, e como todo hobby, este também tende a ficar mais caro com o passar do tempo, conforme o conhecimento sobre o assunto vai sendo aprofundado e novos produtos vão sendo adquiridos.

Para justificar esses gastos com verdadeiros itens de qualidade, o apreciador de vinhos decidiu estudar e se tornar um enólogo e sommelier. Hoje, Marcelo trabalha com os projetos Vinho Simples e Winemakers da Chapada Diamantina, criados a partir dos seus estudos em vinhos.

O enólogo, formado pela Association de la Sommellerie Internationale (Associação Internacional de Sommelier, em tradução livre), morou por três anos em Portugal, tendo a oportunidade de provar muito vinho a preço justo. Isso o inspirou a se aperfeiçoar na sommelieria, e quando esteve de volta ao Brasil, em 2020, durante a pandemia, passou a dar dicas de vinhos bons e baratos para os amigos.

“Muitos que nem bebiam vinho começaram a me procurar, por não ter onde ir, pedindo ajuda para aprender a beber vinho, recomendação de algo num preço bom. Comecei a fazer algumas recomendações no meu perfil pessoal nas redes sociais”, lembra Marcelo.

O enólogo Marcelo Freitas trabalha com recomendações de opções econômicas
O enólogo Marcelo Freitas trabalha com recomendações de opções econômicas |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE
 

O que começou como indicações despretensiosas, ganhou seriedade quando o primo de Marcelo sugeriu que ele buscasse monetizar aquele trabalho de curadoria. Foi então que nasceu o Vinho Simples, também na internet.

“Não sou muito das redes sociais, mas isso nasceu com o objetivo de montar um acervo do que eu bebia, do que eu gostava, e as pessoas irem até lá para consultar algo legal que caiba no bolso”, explica.

Segundo Marcelo, o vinho não precisa ser caro para ser bom e as pessoas não precisam saber tudo sobre a bebida para beber. Ele dá como exemplo o fato de que o café e a cerveja são produtos consumidos por todos, sem grandes cerimônias, mas que também existem aqueles que querem se aprofundar nesse tipo de bebida e assim o fazem.

“Precisamos tentar desmistificar essa coisa de que quem consome vinho tem que ser um grande entendedor do vinho. E também para combater os consumidores antigos, porque muitos deles se valem dessa posição de 'eu bebo vinho porque sou entendedor', e costumam inibir novos consumidores com essa postura”, afirma o enólogo.

Expedição

A ideia do Vinho Simples, de ser monetizado a partir de publicidade, ganhou novo salto quando, em 2021, Marcelo saiu em expedição na Chapada Diamantina para a produção de uma série documental sobre as zonas produtoras de vinho na Bahia. Nessa viagem, ele visitou Morro do Chapéu, Mucugê e o Vale do São Francisco. Na ocasião, aproveitou para gravar um curso que leva o mesmo nome da página nas redes sociais.

O curso, disponível na plataforma Hotmart, apresenta quais técnicas de vinificação vão interferir no sabor do vinho e promete ajudar as pessoas a entenderem qual característica de vinho elas mais gostam. “É para as pessoas começarem a identificar a preferência delas e entenderem o processo de vinificação, porque o vinho é romântico quando está na taça, porque no dia a dia ele é trabalho duro”, destaca Marcelo.

Na mesma visita, ele criou a WineMakers da Chapada Diamantina, que nada mais é do que uma escola de vinicultores. Essa é a segunda escola do tipo no Brasil, de acordo com Marcelo. Foram capacitados 35 alunos que trabalharam no meio agronômico e na vinificação do próprio vinho. As 666 garrafas de Malbec produzidas pela turma do enólogo foram engarrafadas há três semanas.

Marcelo aproveita para mencionar que esse território produtor, conhecido como terroir, apesar de novo, já tem colhido muitos frutos e espera que, no futuro, as atividades se consolidem. “A Bahia ainda é um terroir muito novo. A gente brinca que não é difícil fazer vinho, o difícil são só os primeiros 200 anos, depois é bem tranquilo”, diz.

O enólogo estará no próximo dia 27, no Cozinha Show do  Festival de Cultura e Gastronomia de Salvador - Tempero Bahia (www.temperobahia.com.br), que ocorre de 25 de agosto a 4 de setembro, reunindo os principais restaurantes de Salvador, de Stella Mares ao Centro Histórico, que neste ano tem o tema Vinhos Brasileiros. Na ocasião, das 12h20 às 13h20, Marcelo vai falar sobre vinhos e terroirs brasileiros. O evento acontece no Passeio Público, com degustação de vinhos baianos e brasileiros.

“Falo de diversas regiões, desde o sul do Brasil, que é uma região mais tradicional, até vinhos que estão sendo feitos no sudeste, às novas fronteiras do vinho, como a Chapada Diamantina, na Bahia, Morro do Chapéu e Mucugê, e o Vale do São Francisco, que embora já faça vinho há 20 anos, os de maior qualidade começaram a despontar de 10 anos para cá”, detalha.

O distribuidor de vinhos, Carlos Henrique Chiste, dono da Vinhos e Cia (ou Vinho Bahia), loja localizada na Avenida Vasco da Gama, concorda com o enólogo e sommelier Marcelo Freitas em relação à boa qualidade dos vinhos baianos. De acordo com Carlos, que veio de Minas Gerais para a Bahia em 1979, a qualidade do vinho baiano é muito boa. “Tem vinho, inclusive, que já foi até premiado. São vinhos de qualidade, porque as matrizes de uva, no início da operação, foram todas trazidas de fora, com muita estrutura”, afirma.

Carlos afirma que o vinho baiano está presente no mercado do Brasil inteiro e que algumas vinícolas do Vale do São Francisco chegam até a produzir vinhos para exportação. “Vinhos de qualidade e que não são comercializados aqui na Bahia e no Brasil”.

Ele trabalha com vinhos desde 1987, quando buscava determinados tipos de vinhos que costumava beber em Minas Gerais e não encontrava por aqui. Morando na Bahia para trabalhar no polo industrial, Carlos tinha que recorrer a amigos que enviassem os vinhos que lhe agradavam. “Nessa de trazer, todos os vizinhos, amigos e colegas queriam também. Aí a ficha caiu e decidi trabalhar com vinho”, recorda.

Carlos Henrique trabalha com vinhos desde 1987
Carlos Henrique trabalha com vinhos desde 1987 |  Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE
  

A Vinho Bahia trabalha exclusivamente com vinhos nacionais e atende supermercados e padarias da capital baiana, mas também realiza venda direta para o consumidor que vai até a loja ou que pede pelo delivery no site ou telefone da loja. Segundo ele, são mais de 3500 clientes ativos.

No entanto, mesmo com a declaração de que o vinho baiano seja de qualidade e bem aceito nas vendas, o volume com que ele trabalha esse tipo de vinho ainda é pequeno. Na loja dele, é possível encontrar os baianos Miolo e Rio Sol, ambos do Vale do São Francisco. No mais, todos os outros vinhos são do Rio Grande do Sul – com alguns poucos chilenos, “porque o câmbio não é favorável”, explica o lojista.

Folclore

Na Vinho Bahia, o tipo de bebida mais procurado é o vinho doce, ou suave. Ele conta que essa história que dizem que quem bebe vinho só bebe o tipo vinho seco “é história, folclore”. E defende: “O melhor vinho é aquele que você gosta, pronto, acabou”. Na loja dele, o perfil do público é o de classe média.

Para quem está interessado em vinhos internacionais, é possível encontrá-los em lojas especializadas nesse serviço, como a Grand Cru, uma das maiores importadoras de vinhos do mundo. Na Bahia, há quatro unidades, sendo três em Salvador – na Bahia Marina, Shopping Barra e no H Mall (Horto Florestal). A outra unidade fica em Trancoso, a mais recente no estado.

O executivo Lucas Normande é o franqueado da empresa na Bahia e explica que a loja não vende vinhos que não sejam exclusivos deles. Eles representam, por exemplo, a Zuccardi, vinícola da Argentina que foi eleita três vezes a melhor do mundo. Lá, é possível encontrar vinhos a partir de R$ 59,90 e rótulos que passam dos R$ 1 mil.

“Conseguimos atender um público bem extenso, desde pessoas iniciantes no mundo dos vinhos às mais experientes, que acabam sendo mais exigentes também”, conta Lucas. Segundo ele, a faixa etária do público também cresceu, e passam pelas unidades da Grand Cru pessoas mais jovens, entre 30 e 40, que já consomem vinho com muita propriedade.

O executivo conta que houve também um crescimento no número de consumidores do dia a dia, aqueles que não esperam pelo fim de semana, que consomem com maior frequência e que naturalizaram o vinho na rotina. E, apesar da especialidade em vinhos importados, eles vêm, aos poucos, aumentando a quantidade de rótulos do Brasil no portfólio. Hoje, já trabalham com títulos como Casa Perini e Cave Geisse.

Naturais

Há ainda outros caminhos para se percorrer com os vinhos, como é o caso dos vinhos naturais da Virtuoso Vinho, empreitada do engenheiro de áudio Bernardo Góes, baiano que por 13 anos morou em Portugal e agora está de volta à capital baiana.

Antes, ainda em Portugal, Bernardo trabalhava no próprio estúdio em Lisboa, com pós-produção para filmes e publicidade. Parecido com o caso do economista e enólogo Marcelo Freitas, Bernardo também incorporou o vinho no seu dia a dia, já que, de acordo com ele, “lá é um copo de água e um copo de vinho”.

Em Lisboa, ele se tornou amigo de pessoas que tinham bares de vinhos naturais. E foi a partir deles que teve conhecimento sobre esse tipo de bebida. O engenheiro de áudio explica que o vinho natural é um movimento muito forte na Europa e também no estado da Califórnia, nos Estados Unidos.

A principal característica desse tipo de vinho, de acordo com ele, é o cuidado com relação à matéria-prima, que começa na agricultura. “Dizem que os grandes produtores de vinhos naturais passam mais tempo no campo do que na adega, o que é quase o oposto com relação aos vinhos convencionais. O produtor se preocupa mais na matéria-prima que depois só vira um fermentado de uva, que é o que deveria ser o vinho”, afirma Bernardo.

Ele conta que existem os vinhos convencionais, os orgânicos, os biodinâmicos, os naturais com sulfito e os naturais sem adição de sulfito. Há pequenas diferenças entre os orgânicos, biodinâmicos e naturais, mas que são de grande importância para a comunidade que consome esses produtos.

Os orgânicos possuem certificação, mas ainda assim podem conter insumos corretivos e clarificantes. A mesma coisa para os biodinâmicos, mas que precisam vir de uma agricultura biodinâmica certificada, claro. Já os vinhos naturais não possuem certificação, precisam vir de uma agricultura limpa e, no processo de vinificação, não é aceito absolutamente nada de corretivo, nenhum insumo analógico.

A única coisa aceita nos vinhos naturais é o sulfito, adicionado geralmente no final do processo, no envase. Mesmo assim, segundo Bernardo, existe uma aceitação nos níveis de sulfitagem de cada rótulo, que chegam a ser, às vezes, 20% menores do que um vinho convencional. Há também os vinhos naturais que não incluem nenhuma adição de sulfito, que é a mesma coisa do mosto fermentado de uva dentro, sem nenhum conservante.

“São cinco classificações, mas muita gente se contradiz um pouco em relação a isso. Meu parâmetro é a Isabelle Legeron, que escreveu uma bíblia [Natural wine: An introduction to organic and biodynamic wines made naturally], que, para mim, é um superguia sobre o mundo do vinho natural”, destaca Bernardo. Para a curadoria dos vinhos oferecidos na Virtuoso Vinho, ele segue o que foi estabelecido por Legeron em seu livro.

Janela

Além das vendas de vinhos, a Virtuoso ainda realiza o evento Janela Virtuosa, onde convida um chef de algum restaurante de Salvador e um menu é criado associado aos vinhos que estão na cartela oferecida pelo empreendimento. O evento geralmente acontece quinzenalmente, mas sem nenhum compromisso com essa periodicidade. 

Para Bernardo, é imprescindível que o projeto aconteça quando ele acredita que deva acontecer. “Tem sido quinzenalmente, aos domingos, mas isso não é uma regra. A Janela acontece quando quero que aconteça, quando existe uma conexão com a galera que vai cozinhar lá, que eu acho bacana. Não estou preso a ter uma normalidade, rotina de restaurante ou bar”, afirma.

Ele destaca também que o público que frequenta a Virtuoso está na faixa dos 28 aos 45 anos. O engenheiro de áudio percebeu que o público mais velho, entre os 60 anos, tem um referencial do que acha que é o vinho e estranham a proposta do vinho natural.

“Eles bebem um vinho que, na verdade, só tem 200 anos de história, feito a partir da Revolução Industrial, que começou a desenvolver insumos analógicos”, explica. De acordo com Bernardo, o que os produtores de vinho natural fizeram foi resgatar a fórmula que eram feitos os vinhos antes da revolução. “Antes de começarem a colocar um monte de coisa dentro do vinho para acelerar o processo e corrigir, achando que tinha que corrigir alguma coisa”.

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