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“Boa parte do nosso conteúdo mental é negativa”, diz psicóloga comportamental

Por Yumi Kuwano

25/04/2021 - 6:00 h
Psicóloga comportamental Ana Paula Nunes, do Espaço Nelson Pires, fala sobre a 'síndrome do impostor'
Psicóloga comportamental Ana Paula Nunes, do Espaço Nelson Pires, fala sobre a 'síndrome do impostor' -

“Não sou bom o suficiente. Vão descobrir que sou uma farsa”. Isso se passa na cabeça de quem sofre ou já sofreu com a chamada síndrome do impostor. Pode até ser confundido com timidez, já que a pessoa com a síndrome não quer muitas atenções voltadas para si por não acreditar que é capaz, mas são questões bem diferentes. A condição ainda não é considerada uma síndrome, no significado da palavra, pela psicologia, mas o termo/conceito vem sendo estudado desde a década de 1970, introduzido inicialmente pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes, da Universidade Estadual da Geórgia (EUA). E adivinha quem é mais afetado com a síndrome do impostor? As mulheres. Por isso, o termo é mais utilizado no feminino: síndrome da impostora. Com todas as inseguranças na sociedade em que vivemos, ficamos mais suscetíveis a alguns pensamentos e atitudes relacionados à incapacidade. A psicóloga comportamental Ana Paula Nunes, do Espaço Nelson Pires, fala nesta entrevista sobre essa sensação e quando é necessário buscar ajuda.

Sabemos que não é uma doença, mas então o que é a síndrome do impostor e como ela funciona na cabeça da pessoa que sofre com isso?

A síndrome do impostor traz um conjunto de sinais e sintomas em pessoas de alto desempenho, que, apesar de seu sucesso e conquistas, não conseguem reconhecer esses sucessos como um mérito. Elas se sentem inadequadas e têm dúvidas persistentes sobre as próprias qualidades, aliadas ao medo excessivo de serem expostas como uma fraude ou serem tachadas como impostoras. Então, essas pessoas atribuem o seu sucesso a fatores externos, como sorte ou ajuda de outras pessoas, e nunca às próprias características ou qualidades pessoais. Como você disse, não é um transtorno psiquiátrico, ela não é uma doença, até porque não é classificada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais para a Sociedade Americana de Psiquiatria, mais conhecido como DSM-5, e também não está listada no CID-10, que é a classificação internacional de doenças, mas é um tema bastante discutido principalmente em locais acadêmicos e profissionais, porque é um sentimento comum relatado por muitas pessoas.

Quem tem esses pensamentos e atitudes pode confundir com timidez?

Timidez é um conceito que tem a ver com o medo da exposição, que pode estar associado, mas não só. Geralmente, a síndrome do impostor está mais associada com a baixa autoestima, também uma baixa autoconfiança em relação às próprias qualidades e características, sejam pessoais e profissionais. Pode ser compreendida também como o não reconhecimento dessas qualidades. A pessoa tem muito receio de ser descoberta como uma fraude ou uma impostora, então, deixa de se expor em situações públicas justamente como uma forma de fuga dessas situações sociais. Alguns momentos que poderiam ser importantes para aquela pessoa, como estar em uma palestra ou apresentar um trabalho em um congresso, é ignorado por conta desse receio do julgamento ou da descoberta desse sentimento por outras pessoas. Timidez é um comportamento que também tem esse aspecto social, de receio do julgamento social, e a pessoa também deixa de se expor em situações onde há a presença de outras observando-as.

Relaciono muito a síndrome do impostor com os preconceitos estruturais da nossa sociedade, porque as minorias, como os negros e as mulheres, sofrem mais com ela. Tanto que o termo em feminino é mais difundido até. Concorda com isso?

Perfeito. Muitos estudos apontam que mulheres apresentam taxas expressivamente mais altas que os homens. Os homens têm outras formas de lidar com esse tipo de sentimento. Infelizmente, por várias questões culturais, sociais e o papel feminino na sociedade, as mulheres têm esse sentimento de autocobrança muito maior. Ela tem que ser uma boa mãe, tem que trabalhar, tem que estudar, dar conta dos serviços domésticos, e acaba tendo uma maior pressão e uma maior carga de trabalho, porque existe uma demanda social muito alta e uma cobrança pelo perfeccionismo. Tem que ser boa em tudo, como se a mulher não pudesse ter falhas. Ainda tem que estar bonita, malhar, estar bem maquiada e de unha feita. Tem uma cobrança pelo papel que a mulher desenvolve na sociedade. Isso tem a ver com os aspectos sociais e culturais do contexto em que nós vivemos.

A síndrome do impostor se manifesta mais em assuntos relacionados ao trabalho, mas de que forma pode interferir em outras áreas da vida?

No sentido de que, por mais que ela tente ser boa mãe, ela não se reconhece como boa mãe e se sente inadequada, seja no papel de mãe ou no papel de esposa, isso também pode acontecer. Embora a maioria dos estudos tenha uma maior em fase nos âmbitos profissionais e acadêmicos.

Quais são as características da síndrome?

Pode estar associada a algumas características como baixa autoestima, timidez, baixa autoconfiança, medo de exposição em público, são alguns sinais. Mas uma característica mais importante é o quanto esse sentimento pode estar trazendo um grande sofrimento para a vida dessa pessoa, ao ponto de impactar na qualidade de vida, chegando a impactar nas suas metas e conquistas em relação aos seus objetivos, seja de vida acadêmica ou profissional.

A síndrome do impostor pode gerar outros problemas?

Um dado que muitos estudos apontam é da síndrome do impostor coexistindo com outros sintomas de depressão e ansiedade. E isso pode trazer um grande comprometimento no desempenho ou até gerar um nível de estresse muito alto, conhecido como síndrome de Burnout, que é uma condição caracterizada por emoções negativas que surgem em resposta ao estresse, como o sentimento de exaustão emocional, a redução da empatia, a sensação da falta de realização profissional. Por isso, a síndrome de Burnout pode estar associada com a síndrome do impostor.

A pessoa pode começar a apresentar essas características ainda na infância?

Sim. Embora pouco relatado, crianças podem ter esse sentimento, principalmente quando há um excesso de cobrança, então pode, sim, ser um sofrimento também para as crianças. Autocobrança, quando há um excesso de cobrança dos pais e ela se cobra por ter notas altas na escola o tempo inteiro. É algo que independe da idade. Inclusive isso pode acontecer com pessoas mais velhas. Seria interessante acreditar que esses sintomas diminuem com a idade, mas a maioria dos estudos afirma que esse sentimento, mesmo com o avançar da idade, pode persistir para algumas pessoas.

A nossa mente às vezes pode nos pregar algumas peças e contribuir para esses comportamentos?

Boa parte do nosso conteúdo mental é negativa, no sentido de ser comum virem pensamentos negativos sobre a maioria das coisas, inclusive sobre nós mesmos. Pensamentos como eu não sou boa suficiente, eu não sou inteligente, não tão capaz de fazer aquela tarefa. Esses são sentimentos que podem vir, naturalmente. Há uma tendência também de sermos poucos gentis com nós mesmos, e isso nos leva a uma maior cobrança e um maior perfeccionismo que pode prejudicar no nosso dia a dia. Uma frase importante é: a nossa mente não é a nossa amiga, na maioria das vezes.

O que fazer para acabar com essa sensação?

O tratamento para síndrome de impostor é a psicoterapia. É importante que o indivíduo procure uma ajuda psicológica para entender o motivo pelo qual esse comportamento se instaurou, para que possa desenvolver uma melhor autoestima e adquirir repertórios comportamentais compatíveis com o desempenho, para que possa também ser trabalhada a flexibilidade psicológica e, principalmente, aceitar e entender que nós somos imperfeitos, que eventualmente nós podemos cometer falhas, porque somos seres humanos, não somos robôs. Entender isso ajuda a sermos um pouco mais gentis com nós mesmos, reconhecer onde podemos melhorar e também reconhecer onde possuímos limitações. Aceitar o que podemos e o que não podemos mudar também é importante. E o mais importante é aceitar que a gente não vai dar conta de tudo o tempo inteiro.

Nem todos os casos precisam de ajuda profissional, não é? Mas quando a pessoa precisa buscar essa ajuda?

O ponto é o quanto que esse sentimento traz um sofrimento significativo para a vida dessa pessoa, a ponto de interferir no sono. É importante observar sentimentos de tristeza, de ansiedade, fuga de situações sociais, taquicardia, quando a pessoa deixa de fazer coisas importantes na vida dela, por exemplo, se é importante para ela ser professora, e ela deixa de se expor na sala de aula ou deixa de fazer apresentações de trabalhos em congressos, esse é o ponto que a pessoa deve buscar uma ajuda profissional, quando também passa a comprometer a qualidade de vida dessa pessoa de forma geral. É importante ficar atentos para que possa buscar uma ajuda profissional de um especialista em saúde mental, tratamento psicológico, psicoterapia e, em alguns casos, também associar com tratamentos psiquiátricos.

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