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27/06/2022 às 6:00 | Autor: Álene Rios

LITERATURA

Bruxaria da leitura: Harry Potter completa 25 anos

Com mais de 500 milhões de livros vendidos, é inegável o impacto cultural causado pela obra

A pedagoga Jamilly Starling usou Harry Potter para a sua tese de doutorado
A pedagoga Jamilly Starling usou Harry Potter para a sua tese de doutorado -

Para muitos leitores da saga Harry Potter, os livros se tornaram um verdadeiro “Alohomora!”, feitiço do universo bruxo que abre fechaduras encantadas, mas desta vez abrindo as portas para o mundo da literatura.

Neste domingo, 26, a história completa 25 anos desde o lançamento do primeiro livro, com uma narrativa que se expandiu para além das páginas. Foi parar nas telas do cinema, mas também no teatro, parque de diversões e com desdobramento da ficção com a franquia Animais Fantásticos, sobre o pesquisador de animais da sociedade mágica, o zoologista Newt Scamander.

Com mais de 500 milhões de livros vendidos, é inegável o impacto cultural causado pela obra da autora britânica J.K. Rowling. Marcelo Vitz, diretor de animação, conheceu Harry Potter quando estava prestes a entrar na faculdade de Cinema, e para ele, a leitura fez com que se sentisse mais inspirado.

O hábito de ler já era presente na sua vida desde o período escolar, quando conheceu autores como José de Alencar, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Mas, até então, era algo que se encontrava no âmbito da necessidade de ler para se sair bem nas atividades, até que a história do bruxinho o instigou a adentrar cada vez mais no gênero da fantasia.

“Felizmente, muitos jovens tiveram Harry Potter como sua primeira leitura, então, acho que tiveram esse privilégio de já começar com algo que é super didático, que fala sobre superação, amizade, companheirismo, porque Harry Potter, querendo ou não, nas entrelinhas, é uma história de genocídio. O antagonista é um bruxo que, digamos assim, é racista. Ele não aceita a própria espécie e quer exterminar todo mundo, é muito bizarro isso. O jovem quando tem contato com Harry Potter aprende muitos valores desde o início”, afirma Vitz.

Diretor de animação, Marcelo Vitz conheceu Harry Potter quando estava prestes a entrar na faculdade de Cinema
Diretor de animação, Marcelo Vitz conheceu Harry Potter quando estava prestes a entrar na faculdade de Cinema | Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

Cosplayer

O animador faz parte dos fãs da saga que conseguiram ler os livros antes mesmo de estrearem nas telas, e sempre que ia assistir ficava intrigado com as pessoas que se fantasiam como personagens nas filas do cinema. Mal sabia que, logo depois, ele iria se tornar um cosplayer – como se chamam aqueles que se vestem conforme o personagem – e ajudar a fundar um fã-clube em Salvador, o Magic Zoo, ao lado da jornalista e empresária Mocca Fonseca.

Em abril deste ano, J.K. Rowling desejou “boas-vindas” a um usuário do Twitter que tinha sido banido da plataforma após tecer o comentário de que “preferia ter aids a apoiar a comunidade trans”. Tal atitude, dentre outras, frustrou muitos fãs que encontravam nos livros uma espécie de acolhimento, pois o discurso atual da escritora não condiz com o conteúdo ficcional da saga.

“Olha, se tem uma palavra que posso dar em relação a isso é decepção. Como pode uma mente brilhante se tornar tão ignorante? Ela criou um personagem gay maravilhoso (Dumbledore) e depois começou a repudiar isso. Muitos de nós tínhamos enorme admiração por ela. Hoje estamos naquela de separar o autor da obra. Agora, quem escreveu Harry Potter foi a personagem Hermione”, diz Mocca, rindo.

Outra resposta encontrada por muitos admiradores da saga foi de boicotar e deixar de consumir produtos atrelados à marca. Mas Marcelo não tomou essa atitude, pois o significado especial da obra que ele recorreu por muitas vezes como forma de alívio, e que trouxe as melhores amizades que ele ainda cultiva, continua mantido.

“Foi um impacto muito grande para a gente, para mim especialmente, pois faço parte da bandeira LGBTQIAP+, e conhecemos a história de Harry Potter que fala sobre amor, amizade, tolerância, respeito. De repente, aparece a autora do nada e começa a fazer comentários transfóbicos, homofóbicos, que afetam muita gente, que discriminam, segregam, que matam, e ficamos assustados porque antigamente ela era meio que um norte para a gente”, diz Marcelo.

Coisa de gente besta

Mocca Fonseca conheceu Harry Potter de um jeito bem peculiar. Ela foi levada ao cinema para assistir O Cálice de Fogo como cuidadora do irmão mais novo da sua colega que foi assistir com o namorado. Nessa sessão ela foi a “vela” – e logo ela, que achava a saga “coisa de gente besta”, adorou o filme e começou a se interessar pelo universo.

“Ler um livro de fantasia tira você da sua realidade e leva para lugares que você jamais imaginaria. O mundo real é extremamente cruel e entrar no mundo de fantasia, através da leitura, é uma espécie de alívio mental. Eu amo viver histórias novas, mesmo não sendo reais”, ela explica.

A pedagoga Jamilly Starling é professora da rede municipal de ensino de Salvador. Ela leu Harry Potter no final da adolescência e conta que está sempre relendo. Da vez mais recente, ela revisitou a obra para a sua tese de doutorado no programa de pós-graduação em literatura e cultura da Ufba, em que estuda as alegrias da literatura no pós-quarentena.

“Acredito que a literatura é importante para a formação humana. Quando a gente pensa em livros que têm uma linguagem próxima das crianças e adolescentes, a gente também pensa que esses livros vão ser tanto uma porta para o início da leitura como continuidade para a formação do leitor”, afirma a educadora.

Jamilly explica que um dos saldos positivos provocados pela saga é a mistura entre diferentes gerações. Foi o caso, por exemplo, de uma boa conversa sobre o livro que ela, que beira os 28 anos, teve com o filho de 14 anos de uma amiga. Ela também recomenda que os leitores desmanchem preconceitos acerca de obras infanto-juvenis, pois esses livros podem agradar a leitores que já possuem um percurso formativo encaminhado, inclusive adultos.

“Acredito que precisamos de narrativas para viver, o ser humano precisa de narrativas, a literatura fantástica abre portas para novos mundos mas também ajuda a enxergarmos aspectos do nosso mundo. Quando nos aventuramos pelo universo da fantasia, também observamos nesse universo coisas que podem ser vistas no nosso mundo e que colaboram para formação crítica dos indivíduos”, considera a a pedagoga.

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