LITERATURA
Bruxaria da leitura: Harry Potter completa 25 anos
Com mais de 500 milhões de livros vendidos, é inegável o impacto cultural causado pela obra
Para muitos leitores da saga Harry Potter, os livros se tornaram um verdadeiro “Alohomora!”, feitiço do universo bruxo que abre fechaduras encantadas, mas desta vez abrindo as portas para o mundo da literatura.
Neste domingo, 26, a história completa 25 anos desde o lançamento do primeiro livro, com uma narrativa que se expandiu para além das páginas. Foi parar nas telas do cinema, mas também no teatro, parque de diversões e com desdobramento da ficção com a franquia Animais Fantásticos, sobre o pesquisador de animais da sociedade mágica, o zoologista Newt Scamander.
Com mais de 500 milhões de livros vendidos, é inegável o impacto cultural causado pela obra da autora britânica J.K. Rowling. Marcelo Vitz, diretor de animação, conheceu Harry Potter quando estava prestes a entrar na faculdade de Cinema, e para ele, a leitura fez com que se sentisse mais inspirado.
O hábito de ler já era presente na sua vida desde o período escolar, quando conheceu autores como José de Alencar, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Mas, até então, era algo que se encontrava no âmbito da necessidade de ler para se sair bem nas atividades, até que a história do bruxinho o instigou a adentrar cada vez mais no gênero da fantasia.
“Felizmente, muitos jovens tiveram Harry Potter como sua primeira leitura, então, acho que tiveram esse privilégio de já começar com algo que é super didático, que fala sobre superação, amizade, companheirismo, porque Harry Potter, querendo ou não, nas entrelinhas, é uma história de genocídio. O antagonista é um bruxo que, digamos assim, é racista. Ele não aceita a própria espécie e quer exterminar todo mundo, é muito bizarro isso. O jovem quando tem contato com Harry Potter aprende muitos valores desde o início”, afirma Vitz.
Cosplayer
O animador faz parte dos fãs da saga que conseguiram ler os livros antes mesmo de estrearem nas telas, e sempre que ia assistir ficava intrigado com as pessoas que se fantasiam como personagens nas filas do cinema. Mal sabia que, logo depois, ele iria se tornar um cosplayer – como se chamam aqueles que se vestem conforme o personagem – e ajudar a fundar um fã-clube em Salvador, o Magic Zoo, ao lado da jornalista e empresária Mocca Fonseca.
Em abril deste ano, J.K. Rowling desejou “boas-vindas” a um usuário do Twitter que tinha sido banido da plataforma após tecer o comentário de que “preferia ter aids a apoiar a comunidade trans”. Tal atitude, dentre outras, frustrou muitos fãs que encontravam nos livros uma espécie de acolhimento, pois o discurso atual da escritora não condiz com o conteúdo ficcional da saga.
“Olha, se tem uma palavra que posso dar em relação a isso é decepção. Como pode uma mente brilhante se tornar tão ignorante? Ela criou um personagem gay maravilhoso (Dumbledore) e depois começou a repudiar isso. Muitos de nós tínhamos enorme admiração por ela. Hoje estamos naquela de separar o autor da obra. Agora, quem escreveu Harry Potter foi a personagem Hermione”, diz Mocca, rindo.
Outra resposta encontrada por muitos admiradores da saga foi de boicotar e deixar de consumir produtos atrelados à marca. Mas Marcelo não tomou essa atitude, pois o significado especial da obra que ele recorreu por muitas vezes como forma de alívio, e que trouxe as melhores amizades que ele ainda cultiva, continua mantido.
“Foi um impacto muito grande para a gente, para mim especialmente, pois faço parte da bandeira LGBTQIAP+, e conhecemos a história de Harry Potter que fala sobre amor, amizade, tolerância, respeito. De repente, aparece a autora do nada e começa a fazer comentários transfóbicos, homofóbicos, que afetam muita gente, que discriminam, segregam, que matam, e ficamos assustados porque antigamente ela era meio que um norte para a gente”, diz Marcelo.
Coisa de gente besta
Mocca Fonseca conheceu Harry Potter de um jeito bem peculiar. Ela foi levada ao cinema para assistir O Cálice de Fogo como cuidadora do irmão mais novo da sua colega que foi assistir com o namorado. Nessa sessão ela foi a “vela” – e logo ela, que achava a saga “coisa de gente besta”, adorou o filme e começou a se interessar pelo universo.
“Ler um livro de fantasia tira você da sua realidade e leva para lugares que você jamais imaginaria. O mundo real é extremamente cruel e entrar no mundo de fantasia, através da leitura, é uma espécie de alívio mental. Eu amo viver histórias novas, mesmo não sendo reais”, ela explica.
A pedagoga Jamilly Starling é professora da rede municipal de ensino de Salvador. Ela leu Harry Potter no final da adolescência e conta que está sempre relendo. Da vez mais recente, ela revisitou a obra para a sua tese de doutorado no programa de pós-graduação em literatura e cultura da Ufba, em que estuda as alegrias da literatura no pós-quarentena.
“Acredito que a literatura é importante para a formação humana. Quando a gente pensa em livros que têm uma linguagem próxima das crianças e adolescentes, a gente também pensa que esses livros vão ser tanto uma porta para o início da leitura como continuidade para a formação do leitor”, afirma a educadora.
Jamilly explica que um dos saldos positivos provocados pela saga é a mistura entre diferentes gerações. Foi o caso, por exemplo, de uma boa conversa sobre o livro que ela, que beira os 28 anos, teve com o filho de 14 anos de uma amiga. Ela também recomenda que os leitores desmanchem preconceitos acerca de obras infanto-juvenis, pois esses livros podem agradar a leitores que já possuem um percurso formativo encaminhado, inclusive adultos.
“Acredito que precisamos de narrativas para viver, o ser humano precisa de narrativas, a literatura fantástica abre portas para novos mundos mas também ajuda a enxergarmos aspectos do nosso mundo. Quando nos aventuramos pelo universo da fantasia, também observamos nesse universo coisas que podem ser vistas no nosso mundo e que colaboram para formação crítica dos indivíduos”, considera a a pedagoga.
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