Cafés especiais: uma nova cultura para o consumo da bebida em Salvador | A TARDE
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Cafés especiais: uma nova cultura para o consumo da bebida em Salvador

Na Bahia, donos de cafeterias e marcas de café têm estimulado uma mudança nesse hábito nacional

Publicado domingo, 07 de abril de 2024 às 06:00 h | Autor: Pedro Hijo
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Maior produtor e exportador de café do mundo, o Brasil não aparece nem entre os 10 países que mais consomem a bebida, segundo levantamento da International Coffee Organization. E quando consumido, contam empresários do setor, em geral é proveniente de torras realizadas em outros países com grãos brasileiros. Na Bahia, donos de cafeterias e marcas de café têm estimulado uma mudança nesse hábito nacional. A uma semana do Dia Mundial do Café, 14 de abril, A TARDE evidencia esse esforço.

Em Barra do Choça, no Sudoeste do estado, a empresa Colheita das Alegrias torra e comercializa café orgânico da própria fazenda e de plantações vizinhas. Muitas vezes, diz o porta-voz da empresa, Vinícius Lima, os produtores locais têm provado o próprio café pela primeira vez. Da mesma forma, muitos baianos jamais experimentaram bebidas feitas com grãos plantados e torrados na Bahia.

“A gente está em um dos estados com os melhores cafés e as pessoas pouco consomem esse café”, diz Vinícius. Com fazendas na Chapada Diamantina, a marca de café Latitude 13 tem tentado mudar essa lógica, como expõe o diretor executivo da empresa, Luca Allegro: “Não faz sentido o restaurante em Salvador que compra café italiano, um país que não tem um pé de café”.

A Bahia é o quarto maior produtor do grão do Brasil e o produto é o nono mais exportado pelo estado. Os dados são da Associação dos Produtores de Café da Bahia (Assocafé). “Não é a vocação do produtor baiano torrar e depois comercializar, então, a gente da Latitude 13 saiu da nossa zona de conforto ao fazer isso”, diz Luca.

O grão colhido em solo baiano é enviado para países como a Itália, que torra e manda o café de volta. Para Luca, essa realidade precisa mudar. Ele tem vendido o produto da Latitude 13 para restaurantes de Salvador, como o Origem e o Casa de Tereza. Ainda assim, conta o executivo, 70% da produção da marca é exportada.

“O objetivo é vender todo aqui em breve, mas temos que ir aos poucos, porque o café especial chega mais caro na prateleira”, diz Luca. Segundo ele, ainda é um desafio convencer o baiano a desembolsar um valor maior por um café com mais qualidade. Tanto a Latitude 13 quanto a Colheita das Alegrias têm equilibrado essa dificuldade com a venda para outros estados.

Para Luca, apesar do entrave na Bahia, a cultura baiana de degustar a bebida tem mudado nos últimos anos. “Aqui na Bahia se joga fora muito café, o cara bota na garrafa térmica e no fim do dia joga fora”. Com o café especial, feito com grãos sem impurezas e com atributos diferenciados na análise de especialistas, o desperdício é menor, aponta o executivo.

A estratégia da Colheita das Alegrias tem sido praticar preços próximos aos das grandes marcas. Especialista em cafés especiais e um dos líderes da empresa, Vinícius acredita que a clientela baiana tem aderido mais aos cafés com maior qualidade, produção local e preocupação com a sustentabilidade. “Essa é uma escolha consciente de mudança de hábito”, diz.

A transição é atestada por cafeterias em Salvador que trabalham com cafés especiais, como o Cafélier, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, a Seven Wonders, com 13 unidades na cidade, e a loja da The Coffee da Pituba. “Hoje em dia, as pessoas entram no café e sabem que não é só o café, é a experiência”, afirma o dono do Cafélier, o artista visual Paulo Vaz.

O empresário destaca que quando abriu a primeira unidade do Cafélier, há 30 anos, o cenário era outro. “O pessoal achava que eu era louco por ter aberto uma cafeteria em Salvador, porque não se tinha o hábito de beber café aqui”, diz Paulo. O local tinha inspiração nas cafeterias europeias, com o plano de ter um atelier anexado. Mas o bistrô fez sucesso e tomou conta.

“O consumo de café vem aumentando e o baiano tem sido cada vez mais exigente à qualidade do produto”, diz o sócio-diretor da rede Seven Wonders, Márcio Cardoso. Ele conta que, nas lojas da empresa, é utilizado um café especial da Chapada Diamantina e algumas unidades têm experimentado outras formas de extração, além do expresso e do coado no coador de pano.

São métodos como o Clever e o Hario V60, que utilizam equipamentos de origem asiática e têm ganhado fama entre os apreciadores de café. Outro empresário que participa da mudança cultural baiana em relação à bebida de olho em experiências estrangeiras é a sócia da The Coffee da Pituba, Milena Bahia. A franquia tem origem paranaense e inspiração japonesa.

Milena conta que fez uma análise dos hábitos soteropolitanos com o café. “A gente percebeu que Salvador precisava de uma loja mais confortável, onde o público pudesse sentar e ficar no local. A gente não tem o costume de pegar uma bebida e sair na rua”, diz a empresária, que tem focado em um público “coffee lover”, expressão inglesa para denominar os “amantes do café”.

Clientes baianos

A influenciadora digital Raissa Aires, do perfil de Instagram @fuipetiscar, de indicações gastronômicas em Salvador, se identifica nesse grupo de apreciadores da bebida. “Eu tomo café todos os dias! Desde pequena, por influência dos meus pais”, conta. Raissa tem entre as cafeterias favoritas em Salvador a The Coffee e gosta de comprar o café da Latitude 13.

Mas, ressalta a influenciadora, nem sempre ela foi uma apreciadora tão criteriosa da bebida. “Foi na época da faculdade que comecei a tomar café purinho, sem açúcar e leite. Antes disso, era com leite e bastante açúcar”, lembra a “coffee lover”, que cria conteúdo online desde 2018 por perceber que era a referência de dicas de bares, cafeterias e restaurantes entre os amigos.

O vendedor baiano Pedro Victor Passos também mudou o hábito ao escolher o café. “Consumo café diariamente, principalmente depois do almoço e pela noite”, diz. Depois de morar por dois anos em Sidney, na Austrália, Pedro fez um curso para virar barista – profissional especializado em preparar e servir bebidas com café – por ter percebido que a profissão é valorizada no local.

Com a formação, o vendedor se prepara para voltar ao país, onde quer fazer um mestrado na área de Tecnologia da Informação: “Com meu visto de estudante, posso chegar até a abrir uma cafeteria própria por lá ou dar cursos de barista”. A experiência no curso mudou a perspectiva de Pedro sobre o café. “Não tinha muito critério na hora de escolher a marca ou modo de preparo”.

“Após o curso, passei a observar e analisar mais as características do café, como o ponto da torra, o grão do café, o modo de preparo e outros atributos que fazem a bebida ser especial”, conta Pedro. O barista afirma que a Latitude 13, por exemplo, é uma marca de referência em qualidade e sabor.

Nas cafeterias, além dos cafés expresso e coado – os mais pedidos entre os baianos –, bebidas doces e geladas à base do grão têm ganhado popularidade, segundo os proprietários das lojas. Na Seven Wonders, por exemplo, Márcio afirma que tem crescido a venda de produtos com chocolate, sorvete, leite condensado e até açaí.

No Cafélier, uma mistura de café com conhaque e licor de chocolate faz sucesso. Outra bebida bem vendida é feita com um expresso gelado com sorvete e calda de chocolate. O cardápio da The Coffee vai desde o café puro até misturas com água tônica, matcha – bebida muito consumida no Japão – e caramelo salgado, a favorita dos clientes.

Diferencial

Além da produção e torra do café, a Latitude 13 entrou no mercado das cafeterias em 2014. Com três lojas em Salvador, a marca tem se destacado nacionalmente. Em 2018 e 2019, ganhou o prêmio de melhor cafeteria de Salvador pela revista “Prazeres da Mesa”. E, em 2021, um prêmio de inovação da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Salvador (CDL) por uma loja que remete à Chapada Diamantina, onde o grão é plantado e torrado.

Diretor executivo da empresa, Luca afirma que foi um desafio controlar todas as etapas do café, do grão à xícara. A história da empresa começou em 2015, quando o empresário percebeu que uma propriedade da família na Chapada poderia se tornar uma plantação para a produção de café de origem. Depois, vieram os aprendizados da torra, do marketing e dos comércios.

“No início, as pessoas diziam que a gente era doido porque [o selo] era bom demais para o mercado baiano. Mas foi provado com a sedimentação da marca que o baiano gosta de café bom”, diz Luca. Ele destaca que o produto precisa de cuidado em toda a cadeia. “Às vezes, na cafeteria, o cara pode errar e estragar todo o trabalho do produtor”.

Na Colheita das Alegrias, esse cuidado na cadeia de produção também é adotado. O grão do selo principal vem da fazenda Alegria, propriedade da família que também é dona da marca Tia Sônia. A empresa lançou um segundo selo, chamado Café Comunidade, feito com grãos de produtores locais, de fazendas vizinhas.

A empresa tem fornecido cursos para cerca de 20 produtores desde 2022. A ideia, de acordo com o porta-voz da Colheita das Alegrias, é estimular a produção baiana. “A gente auxilia esses produtores a entrarem no mercado. Perto deles, a gente consegue fazer uma transferência de conhecimento e criar uma cadeia”, explica Vinícius.

Serviço – Cafeterias e marcas de café baianas

Colheita das Alegrias (@colheitadasalegrias): localizada em Barra do Choça, município no Sudoeste da Bahia, a fazenda Alegria é a responsável pelo cultivo e torra dos cafés da marca Colheita das Alegrias. Atenta à preservação ambiental, a empresa produz e compra grãos de mão de obra local que passa por cursos de aperfeiçoamento de produção.

Latitude 13 (@latitude13cafesespeciais): uma das marcas pioneiras na venda de café de origem na Bahia, a Latitude 13 surgiu com a proposta de oferecer ao mercado brasileiro os mesmos grãos de qualidade vendidos para o exterior. Com lojas no bairro da Barra, no Mercado do Rio Vermelho e no Shopping da Bahia, a marca ainda oferece cursos de barista para amantes do café.

Cafélier (@cafeliercarmo): com 30 anos de funcionamento, a cafeteria, no Santo Antônio Além do Carmo, já promoveu exposições artísticas e oferece 13 tipos de cafés quentes e sete gelados. Os mais pedidos são o “Cafélier”, uma mistura de conhaque, licor de chocolate, café expresso e creme de chantilly, e o “Café Vienense”, um expresso gelado com sorvete e calda de chocolate.

Seven Wonders (@sevenwonderscafe): inspirada nas sete maravilhas do mundo, a rede de cafeterias tem 13 lojas em Salvador. Fundada há 15 anos, a empresa começou com um quiosque num shopping da cidade e usa café produzido na Chapada Diamantina. Os cafés mais pedidos são o expresso e o coado. Entre os cappuccinos, o favorito é o “Capuccino Seven”, um expresso com leite vaporizado e cubos de chocolate.

The Coffee (@thecoffee.jp): a franquia de Curitiba tem inspiração japonesa e duas unidades em Salvador, as duas na Pituba, e deve abrir uma nova na Ondina em breve. O item mais pedido é o “Salted Caramel”, um latte gelado com caramelo salgado. Duas das três lojas são no estilo “To Go”, sem mesas ou cadeiras. A unidade na praça Ana Lúcia Magalhães tem espaço para consumo interno.

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