ABRE ASPAS
Caio Porto: “Cidades maiores não são protetivas para homicídio”
Segundo pesquisador, risco de morrer no interior é proporcional ao de cidades grandes
Por Bruna Castelo Branco
Muita gente acredita que morar no interior é só paz: mais área verde, menos criminalidade, ritmo mais desacelerado, menos custos, melhor qualidade de vida, e por aí vai. E aí, o estudo Salud Urbana en America Latina (Salurbal), liderado pela Universidade de Drexel, nos Estados Unidos, mostra que não é bem assim: nos EUA, por exemplo, cidades pequenas são proporcionalmente menos seguras para muitas causas de morte, como doenças, por exemplo. Na América Latina, como explica o pesquisador e professor do Instituto de Física da Ufba, Caio Porto, que faz parte do estudo junto ao Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em muitos casos, tanto faz: seu risco de morrer no interior é proporcional ao de cidades grandes. Mas, por exemplo, quando a gente fala em homicídios, especificamente, não há para onde correr: as metrópoles são mais perigosas. “O padrão é que cidades maiores são cidades mais violentas. E não interessa se você está na América Latina ou nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão”, explica ele. Além de Caio, que conversa com a gente, a pesquisa conta com a colaboração de mais três baianos: o pesquisador da Universidade Federal da Bahia e do Cidacs, Roberto Andrade, Gervásio Santos, do Departamento de Economia, e Maurício Barreto, coordenador do Cidacs. No total, 742 cidades foram analisadas – e mais de 100 delas estão no Brasil.
A pesquisa de vocês foi de 2012 até 2016. Pode me falar um pouco sobre esse projeto?
Na realidade, a análise do estudo que foi de 2012 até 2016. O projeto em si ainda está em andamento. Porque esses dados são dados governamentais, muitos deles, então, têm um tempo para que fiquem disponíveis. E esse projeto, que chama Salud Urbana en America Latina, é liderado pela Universidade de Drexel, lá nos Estados Unidos, na Filadélfia, e conta com a colaboração de pesquisadores de dez países. Então, esses dados foram coletados por hubs em diversos países. Aqui no Brasil, nós temos o hub Bahia, que é o Cidacs, tem o hub na Universidade Federal de Minas Gerais, e tem o outro hub lá na USP. Então, esse seria o hub Brasil. Mas nós temos pesquisadores argentinos, pesquisadores chilenos, colombianos, mexicanos… então, a partir dessa força-tarefa esses dados foram coletados. E a escolha do período de análise foi devido à qualidade dos dados. Teve que ser feita toda uma harmonização dos dados, verificar se não têm valores equivocados, valores faltantes. Entender os dados. E nós verificamos que essa base de dados, que foi de mortalidade, do período de 2012 a 2016, nos daria uma confiança de que estão com o mínimo de equívocos.
A América Latina passou por diversas crises políticas e humanitárias nesse período, com um número elevado de migrações. Isso influenciou nos dados?
Primeiramente, por que estudar a América Latina? A escolha da América Latina foi devido à grande urbanização que a região vem enfrentando. Na verdade, o mundo todo vem se urbanizando. As pessoas estão deixando de morar no campo, na zona rural, em cidades menores, e indo morar em cidades maiores. Isso é um processo mundial. Só que, na América Latina e nos Estados Unidos, esse processo vem ocorrendo de maneira muito rápida. E aí, vem o interesse em estudar os efeitos de aglomeração. Então, há efeitos positivos e negativos. A ideia é: queremos entender se as cidades da América Latina e dos Estados Unidos são protetivas, elas têm mais vantagens ou desvantagens para determinados desfechos? Então, nosso estudo não traz uma causalidade para os nossos resultados. Não faz uma análise para chegarmos a essas conclusões, o que, certamente pode ocorrer, mas isso precisa ser investigado, e aí depende de cada região. No Brasil, processos migratórios para grandes cidades podem ter causas totalmente distintas de processos migratórios de cidades chilenas, de cidades argentinas. Mas, isso não tem uma influência direta nos nossos estudos, uma vez que consideramos uma cidade como um ente. A cidade é uma quantidade. Não me interessa se é uma cidade no Japão, na América do Sul, ou na Europa. Eu estou falando de uma aglomeração de pessoas. Obviamente, as cidades são totalmente heterogêneas. Nós sabemos da desigualdade existente entre os países, e cada cidade tem as suas particularidades. O clima interfere na cidade, a cultura interfere na cidade, a riqueza. Mas, o que nós estamos estudando, e isso vem por parte da ideia da Teoria das Cidades, é buscar padrões existentes nas cidades que sejam independentes de onde essa cidade esteja. Diversos estudos já vêm mostrando que, independente da cidade, alguns desfechos são os mesmos. Como o homicídio cresce a depender do tamanho da cidade? Já tem um padrão mundial para isso. Se identifica um padrão mundial para isso.
Qual é o padrão?
O padrão é que cidades maiores são cidades mais violentas. E não interessa se você está na América Latina, ou se você está nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão. Obviamente, os números absolutos de homicídios não são iguais. O que nosso estudo mostra é assim: se eu migro de uma cidade de pequeno porte no Brasil para uma cidade de grande porte no Brasil, essa cidade de grande porte vai ser protetiva para homicídio? A resposta é não. E se eu migrar de uma cidade de pequeno porte dos Estados Unidos para uma cidade de grande porte nos Estados Unidos, essa cidade vai ser protetiva para homicídio? Não. E essa resposta é não para diversas regiões do mundo, inclusive a Europa. Esses tipos de padrões nos chamam a atenção para entender o por quê? Por que as cidades são violentas? Será que é devido a muita interação humana? Um milhão de pessoas que podem interagir entre si… será que é devido a outros fatores, como segregação? Bairros muito ricos, bairros muito pobres. Não sei, e o nosso estudo não mostra isso. Mas, o nosso estudo mostra que, mesmo eu considerando um país como os Estados Unidos, e comparando o que ocorre lá com o que ocorre na América Latina, padrões são verificados.
O estudo analisou dados da América Latina e dos Estados Unidos. Quais são as principais diferenças?
Bom, o estudo que nós fizemos é com uma base de dados associados à mortalidade. Então, nós podemos dividir a mortalidade em diferentes classes. Aqui no estudo, nós começamos considerando todas as causas de morte. Simplesmente, eu considero o número de pessoas que morreu em cada cidade, independentemente da causa. E o que nós fizemos depois foi estratificar para causas ‘comunicáveis’, que são mortes de bebês na fase neonatal, na fase maternal, ou por exemplo problemas nutricionais, DSTs. Esse é um grupo de causas de mortalidade. Então, nós pudemos verificar: será que cidades maiores são protetivas para doenças infectocontagiosas ou não? Estratificamos por câncer, suicídios, homicídios e causas não violentas, como acidentes de trânsito. E aí a nossa análise é para verificar: será que cidades americanas são mais protetivas ou menos protetivas do que cidades da América Latina para determinadas causas? E a utilização dessa análise de escala pode embasar os políticos, as políticas públicas, verbas. Muito se discute o quanto de verba tem que ir para uma determinada cidade. Por exemplo, sei lá, Salvador tem 2 milhões de habitantes e Feira de Santana tem um milhão, é metade da população. Será que para atacar um determinado problema de uma cidade que é da metade do tamanho de Salvador, vou precisar de metade da verba? Se eu considerar que é metade, eu estou dizendo que esses fatores escalam de maneira linear. Ou seja, uma cidade de 50 mil habitantes, se eu comparar com uma de 100 mil habitantes, ela tem metade dos problemas. Metade do número de suicídio, de homicídio, de acidentes de carro. Eu preciso de metade da quantidade de asfalto para asfaltar toda a cidade… é isso que se assume. O que nós vemos aqui, para determinadas quantidades, por exemplo, nos casos dos homicídios, essa taxa cresce proporcionalmente mais rapidamente do que a população da cidade. Então, dobrar a população da cidade, não quer dizer dobrar a quantidade de homicídios, quer dizer mais que dobrar a quantidade de homicídios. Ela cresce a uma taxa maior do que a população. A interpretação que fazemos é: cidades maiores não são protetivas para o homicídio.
E qual seria o oposto?
Para o suicídio. Quando analisamos o suicídio, vemos que, para cidades maiores, a taxa de suicídio não cresce na mesma proporção do que a população. Dobrar a população da cidade não quer dizer dobrar os suicídios, quer dizer menos do que dobrar. E o que isso nos diz? Que as cidades maiores são protetivas para o suicídio. Proporcionalmente, eu tenho mais suicídios em uma cidade de 100 mil habitantes do que em uma de 1 milhão de habitantes, não estou falando de valores absolutos. Agora, vou voltar para a pergunta que você fez das diferenças entre cidades americanas e cidades da América Latina. Para causas de morte em geral, as grandes cidades americanas são mais protetivas. Quanto maior a cidade, a chance da pessoa ir à óbito é menor. Ou seja, as cidades menores dos Estados Unidos são menos protetivas. E isso pode ser causado por ‘n’ fatores. Já na América Latina, essa diferença não é vista. Nós vimos que não há diferenças entre as cidades grandes e pequenas. Não faz muita diferença você migrar de uma cidade menor para uma cidade maior – ela não é protetiva para todas as causas de morte. E veja que, no caso dos Estados Unidos, isso faz um pouco de sentido porque cidades maiores possuem uma infraestrutura de saúde melhor do que as menores. E essa é uma das principais causas para as cidades maiores serem mais protetivas para o suicídio, porque existe uma chance de tratamento mais fácil, tem profissionais para lidar com esse tipo de problema. Outra doença para a qual as cidades maiores são mais protetivas é o câncer, porque depende diretamente de uma infraestrutura de saúde. Por outro lado, quando a gente pensa em doenças infectocontagiosas e, aqui, eu posso ressaltar o HIV, as cidades maiores não são protetivas. A incidência em cidades grandes é muito maior. Por que é maior? A interação é muito maior, o multiculturalismo, pessoas mais abertas a experimentações… isso é no mundo todo. Cidades menores são mais culturalmente fechadas.
E talvez em cidades menores haja mais subnotificação. Nas maiores, as pessoas podem ir com mais frequência buscar atendimento.
Esse foi um cuidado que nós tomamos, e por isso o nosso estudo é com cidades acima de 100 mil habitantes, para justamente dar uma filtrada nesse problema. No Brasil, nós consideramos cento e poucas cidades. Nós temos cidades de todos os estados, as capitais e algumas cidades do entorno.
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