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23/07/2023 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Renato Alban

MUITO

Casa do Benin comemora 35 anos com exposição de Arlete Soares

Exposição, intitulada de Lapso Temporal, será aberta no dia 1º de agosto

Arlete Soares posa com fotos inéditas que estarão na exposição
Arlete Soares posa com fotos inéditas que estarão na exposição -

Da viagem que fez ao Benim em 1987, a fotógrafa Arlete Soares conta que reconheceu a Bahia em cada detalhe. Acompanhada do também fotógrafo Pierre Verger, ela passeou de carro pelo país, visitou mercados e feiras e foi a casas de “retornados”, escravizados e descendentes que voltaram para a África depois do fim da escravidão.

“Era como se fosse a minha casa de alguma forma, com um pote de barro para água e um fogão à lenha”, conta Arlete, exibindo impressões de fotos que tirou há 36 anos. “Você olha essas fotos aqui e podia ver esse menino aqui na Bahia, podia ver esse, podia ver todos eles”, diz, apontando para garotos fotografados por ela há mais de três décadas.

Mais de uma centena de fotos feitas por Arlete integram a exposição Lapso Temporal, concebida pela antropóloga Goli Guerreiro em parceria com a artista Lia Krucken, para a comemoração dos 35 anos da Casa do Benin, em Salvador, que será aberta no dia 1º de agosto.

Imagem ilustrativa da imagem Casa do Benin comemora 35 anos com exposição de Arlete Soares
| Foto: Olga Leira | Ag. A Tarde

A identificação entre Bahia e Benim é o foco do projeto. Com esse reconhecimento, conta Goli, o escritor baiano Milsoul Santos fez o poema Eu também sou do Benin, em que trata da impressão que teve ao ver as fotos de beninenses de Arlete. “É esse tipo de sensação que a gente quer provocar”, diz Goli. Esse texto vai estar no catálogo da exposição, que também vai contar com um estúdio analógico, concebido como espaço para pesquisa, com documentos, dossiês e cerca de mil copiões da viagem.

A Casa do Benin foi fundada durante o projeto de intercâmbio cultural entre a Bahia e o Benim, entre 1986 e 1988, assim como a Casa do Brasil, em Uidá, cidade na costa do país africano. Na criação dos dois espaços, Arlete Soares era uma das diretoras da então recém-inaugurada Fundação Gregório de Matos (FGM), que é responsável pela gestão da Casa do Benin.

Para Arlete, a Casa só foi possível pelo interesse das autoridades da época, como o empresário Mário Kertész na prefeitura de Salvador e o cantor Gilberto Gil na presidência da FGM. A ideia veio dos registros de Verger da conexão entre Bahia e Benim e contou com a parceria da arquiteta Lina Bo Bardi.

Comitiva baiana

Para a criação da Casa, comitivas baianas visitaram o Benim e grupos beninenses vieram a Salvador. Nas primeiras comitivas, em 1987, estavam, entre outros profissionais, Verger, Arlete, Gil, Lina, a educadora Arany Santana Neves e o produtor cultural João Jorge.

“Essa viagem Bahia-Benim foi o maior marco da minha vida como mulher negra e militante”, conta Arany, que foi secretária de Cultura da Bahia e hoje é ouvidora-geral do estado, a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Para Arany, baianos e beninenses formam “um único povo, separados por um oceano”.

João Jorge Rodrigues, do Olodum, diz que foi para a África pela primeira vez na comitiva. “Foi maravilhoso, me influencia até hoje”, diz ele, que era diretor da FGM na época da viagem e atualmente preside a Fundação Palmares. “Encontrei muitas das minhas aspirações como militante negro e algumas vezes eu pensava que estava vendo meus parentes”, diz.

Então diretora do Ilê Aiyê, a educadora foi convidada para cozinhar para a comitiva e também foi pela primeira vez para o continente africano. “Nossas semelhanças são imensas: a feira de lá é igual à de São Joaquim, as pessoas são iguais, a musicalidade, as roupas, tudo é muito semelhante”, destaca Arany Santana.

João Jorge considera a viagem de 1987 como uma abertura de portas política, espiritual e religiosa: “Abriu minha forma de ver o mundo”. Ele lembra que se surpreendeu ao perceber que os terreiros não são de diversos Orixás no Benim, como em Salvador. Por lá, cada cidade é de um Orixá.

Imagem ilustrativa da imagem Casa do Benin comemora 35 anos com exposição de Arlete Soares
| Foto: Olga Leira | Ag. A Tarde

Quando esteve na função de cozinheira, Arany se lembra de descobertas e momentos curiosos da viagem, como quando Verger a auxiliou na preparação dos pratos: “Ele foi o meu assistente de cozinha”. Também aprendeu a não cortar o quiabo “miudinho”. “Foi minha lição número um: na terra de Xangô, as pessoas cortam o quiabo em homenagem a Xangô, na diagonal”.

Arany também diz ter descoberto características culturais no Benim resultantes dos fluxos e refluxos, como sugere o título do livro de Verger sobre a conexão entre a Bahia e o país africano.

“Há uma cidade chamada Porto Novo, de brasileiros retornados, onde as pessoas têm sobrenomes como Santos, Silva, Sacramento, Nascimento e De Almeida”, conta a ouvidora.

As semelhanças desdobram-se também em expressões artísticas de Porto Novo: “Tem uma filarmônica igual à de Cachoeira, com aquela roupa cáqui”. Segundo ela, algumas pesquisas já têm apontado até mesmo um carnaval semelhante ao de Salvador no local e brincadeiras como quebra pote e pau de sebo.

O tempo é agora

Para o diretor de Patrimônio e Equipamentos Culturais da FGM, Chicco Assis, olhar para a África de agora, com as influências brasileiras e as mudanças culturais, é papel da Casa do Benin. Na Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), que acontece no próximo mês, a frase “Meu tempo é agora” será o mote da Casa. Os dizeres são de Mãe Stella de Oxóssi, que também participou da fundação do local e da viagem.

“A missão de espaços como a Casa do Benin é fazer com que essa história [da Bahia com a África] seja preservada”, defende Chicco. Mais do que isso, ele entende que a função do espaço é também dialogar com o agora e com a cultura produzida em países africanos atualmente.

Presidente da Fundação Palmares, João Jorge concorda: “As nossas trocas têm que ser de literatura, cinema, novela, tudo, para que a gente compreenda o que é África hoje”. Para ele, a consciência negra está parada no século 20. “O continente africano tem produzido muitas novidades na música, na tecnologia e na ideia de democracia”, afirma João.

Chicco explica que o racismo tenta apagar o pioneirismo da África, que precisa ser estudado e reverenciado. “O continente africano sempre foi vanguardista, já no passado era afrofuturista, na relação com a natureza, com as divindades e ancestralidade, na arquitetura e nas ciências”.

O racismo estrutural, diz Chicco, também foi um dos principais obstáculos da Casa do Benin. Outras dificuldades são os custos de manutenção das peças e do próprio espaço. “Tudo é desafiador”. O gestor explica que, no início, o projeto de intercâmbio aconteceu de maneira intensa, mas, com as mudanças de governo, perdeu força.

Arlete Soares afirma que a visão de Verger e Lina Bo Bardi para a Casa do Benin era mais ambiciosa do que o que foi conquistado nos últimos 35 anos. “Eles construíram quartos para que estudantes e pesquisadores do Benim se hospedassem lá”, destaca.

A antropóloga Goli Guerreiro também afirma que a expectativa era de um intercâmbio mais frequente do que o que tem acontecido. “Era para ter sido 35 anos de troca intensa de subjetividades, imaginação e superação da distância”, opina a curadora.

Antropóloga Goli Guerreiro é a curadora da exposição
Antropóloga Goli Guerreiro é a curadora da exposição | Foto: Olga Leira | Ag. A Tarde

Segundo Arany, a experiência da comitiva de 1987 incentivou o intercâmbio entre baianos e beninenses num primeiro momento, mas lamenta que o espaço tem sido menos visitado do que se pretendia.

“A Casa precisa ser vista com um olhar mais generoso, não importa de quem seja a gestão, a relação Bahia-Benim precisa ser suprapartidária”.

João Jorge ressalta outro entrave para a troca entre os locais ser mais constante: “Os países africanos precisam se manifestar, investir mais [no intercâmbio]”. Ele conta que, em breve, viaja para Gana com uma comitiva para reabrir contato com o país. “É fundamental pela luta pela igualdade no Brasil a troca com países africanos”, afirma o presidente da Fundação Palmares.

Continuidade

Para Chicco Assis, projetos como a exposição Lapso temporal motivam a continuidade da Casa do Benin. “Vem nos lembrar de que, para mirar o futuro da Casa, precisamos olhar para o passado”, afirma.

Responsável pela exposição, Goli diz que o projeto começou a ser pensado há 10 anos. “A gente escolheu fotos que mostram o desejo das comitivas beninenses pelo reencontro com a Bahia”, afirma a antropóloga. As imagens retratam cenas cotidianas dos beninenses na década de 1980. “A gente quis trazer essa ambiência beninense, as pessoas que são muito semelhantes aos baianos”.

Na exposição, também haverá um espaço dedicado ao que a antropóloga chama de “olimpo moderno”, o grupo que participou da criação da Casa do Benin. A comitiva também incluiu Carybé, Pai Balbino de Xangô e o presidente do bloco afro Ilê Aiyê, Vovô do Ilê.

Na composição de Lapso Temporal há ainda uma “reconstrução do olimpo”, como diz Goli. O núcleo curatorial da exposição foi escolhido com o objetivo de proporcionar uma diversidade de visões ao projeto com os artistas baianos Álex Ígbò, Diego Araúja, Laís Machado, Rogério Felix, além de Lia Krucken e Goli.

“É muito importante renovar essa mirada sobre o projeto Benim-Bahia”, afirma a curadora. Ela também acredita ser necessário levar a exposição à Casa do Brasil em Uidá, no Benim: “Isso seria uma ação no sentido de retomar vivamente as trocas culturais”.

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