MUITO
Cicinho de Assis, um devoto do forró
Sanfoneiro celebra 50 anos em maio com muito a comemorar
Por Da Redação
Conta a história que, aos 18 anos, o músico pernambucano Luiz Gonzaga fugiu de casa rumo ao Rio de Janeiro por causa de uma confusão. Sozinho, deixou a família para trás depois de levar uma surra dos pais por estar namorando às escondidas a filha de um coronel. Só voltou para a cidade de Exu, em Pernambuco, 16 anos depois, quando começou a se interessar pela música.
O sanfoneiro e tecladista baiano Cícero de Assis tem uma história parecida. Fugiu de casa aos 17 anos para viver outra paixão: o sonho de ser músico. “Meu pai queria que eu fosse policial, sargento, coronel”, diz Cicinho. Nascido em Senhor do Bonfim, o instrumentista fez carreira em Salvador e vai voltar à cidade natal para um show de aniversário de 50 anos, no dia 4 de maio.
A carreira de Cicinho parecia abençoada pelos santos juninos ainda na infância. Natural da capital baiana do forró, ele teve pai sanfoneiro e abriu shows de Luiz Gonzaga e Dominguinhos ainda criança. O músico se tornou referência na área e já tocou com artistas como Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Gilberto Gil.
Para o aniversário, diz com orgulho que a festa terá o “forró dos bonfinenses". No mês seguinte, faz shows nas celebrações juninas, mas não muitos, porque, diz o sanfoneiro, ele gosta de “comer pelas beiradinhas”. “Não tenho essa ganância toda de fazer um bocado de shows, vou na minha, cinco ou seis tá bom”, diz.
Sanfona
Na infância e adolescência, ele acompanhava o pai, o músico Francisco de Assis, em apresentações em eventos. “Os casamentos, antigamente, eram na base do forró, hoje é raro”. Foi do pai que Cicinho ganhou a primeira sanfona, aos 13 anos. “Ele pegou no meu pé para que eu aprendesse. Com 16 anos, já peguei gosto pelo instrumento”.
Na abertura dos shows de Dominguinhos, Luiz Gonzaga e outros cantores, Cicinho tinha a companhia do pai e de dois irmãos. Perto da maioridade, quando fugiu de casa, passou a tocar teclado em bandas de baile. “A sanfona estava em baixa”, lembra. O amigo e cantor Carlos Pitta revela, no entanto, que Cicinho nunca abandonou o instrumento original: “Ele queria mesmo era tocar sanfona”.
Nos anos 1990, Pitta fez sucesso com galopes juninos como Cometa mambembe. Com 20 anos de idade, Cicinho conheceu Pitta em Salvador. Foi a oportunidade que ele precisava para se mudar de vez para a capital. Ficou hospedado na casa de um dos músicos da equipe e logo passou a integrar a banda do amigo.
“Compramos uma sanfona para Cicinho e, daí em diante, ele já estava gravando todas as músicas”, diz o cantor. Cicinho e Pitta tocaram por três anos juntos, inclusive em shows internacionais como o Festival de Montreux, na Suíça.
Pouco tempo depois, o sanfoneiro integrou o grupo Bragadá, fundado pelo percursionista Tony Mola, falecido em 2019. Com a banda, Cicinho realizou o sonho de entrar em um estúdio pela primeira vez. Numa das sessões de gravação, foi surpreendido com um convite.
No estúdio ao lado, estava o cantor Gilberto Gil, que, quando ouviu a sanfona de Cicinho, chamou o músico para gravar uma música com ele. “Como eu só tocava de ouvido e não entendia nada de partitura, perdi essa boca, não deu para gravar”, lembra.
Mas Gil não esqueceu do sanfoneiro. Quatro anos depois, fez um novo convite para Cicinho, desta vez para que ele tocasse num disco de forró do doce bárbaro. O disco era Eu, tu, eles, que contava com o carro-chefe Esperando na janela, composta por Targino Gondim e com arranjo de Cicinho de Assis. A partir daí, foram cinco anos tocando com Gilberto Gil.
Cicinho integrava a banda de Gil no show realizado no Rock in Rio de 2001. O grupo iria se apresentar no mesmo dia em que Carlinhos Brown recebeu uma chuva de garrafas de água de um público descontente com a participação do baiano. “Eu fiquei preocupado em levar garrafada também”, revela Cicinho. “Perguntei a Gil se ele também estava com medo e ele respondeu pra mim: ‘Cicinho, cada caso é um caso’, e deu risada daquele jeito dele”.
Da mesma forma que Gil ofereceu uma oportunidade a Cicinho, o sanfoneiro chamou a atenção da cantora cearense Alana pela generosidade. A artista tinha poucos meses de carreira quando chamou o instrumentista para tocar em um show que faria em homenagem a Gonzaguinha. Alana conta que já havia sido rejeitada por muitos sanfoneiros no início da carreira. Cicinho topou.
“Ele veio pela música, mesmo sem eu ter muita experiência”, diz a cantora, que se impressionou com a agilidade do forrozeiro na composição. “No projeto Gonzaguinha, eu cantarolei para Cicinho a minha primeira música, ele sacou a sanfona na hora, fez um arranjo belíssimo e me convidou para gravar. Começamos a nossa parceria”.
Parceiro
O sanfoneiro reproduz com Alana o que aprendeu com um dos mestres e parceiros que teve na carreira, Dominguinhos. “Toda vez que ele vinha para Salvador, ele me ligava. Eu ensaiava com a banda, e quando chegava a hora, Dominguinhos tocava outra coisa, ele era do improviso, tocava como ninguém. Era muito generoso”.
A música de Cicinho e Alana, chamada Meu sertão do Ceará, foi o primeiro passo da artista para criar um show totalmente autoral, batizado de Sertão em Mim. “Convidei Cicinho para participar do processo, fizemos encontros musicais, criamos os arranjos. Ele é um mestre, um padrinho, uma pessoa muito especial. Tenho sorte de ter encontrado Cicinho”, declara Alana.
“Tem pessoas que eu gosto de servir, ajudar, Alana merece”, diz Cicinho, trocando elogios com a parceira de palco. Para ele, o segredo na empreitada, é “tocar com amor”. Faz parte desse plano o projeto que tem com outra pupila, a própria filha, a cantora Julie de Assis, com quem lançou em 2023 o EP De pai para filha.
Há oito anos, a artista participou do reality show musical The Voice Kids, da TV Globo. A recepção da então técnica do programa, Ivete Sangalo, a Julie expressou o carinho que o pai cativou no meio da música. “Não é possível que você seja filha de Cicinho”, exclamou Ivete. A técnica ainda convidou Julie para gravar uma participação no DVD Acústico em Trancoso depois de a cantora ser uma das semifinalistas do programa.
Julie também estuda Pedagogia e, diferentemente do pai, recebeu a bênção da família para seguir na carreira musical. Nos bastidores do palco do The Voice, Cicinho assistia à apresentação da filha emocionado. “Quero que ela siga a carreira de musicista, mas quero que ela estude também porque é a educação em primeiro lugar”, diz o forrozeiro.
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