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Cicloativismo: em defesa da sustentabilidade, da autonomia e outras causas

Por Yumi Kuwano

13/09/2020 - 6:00 h | Atualizada em 13/09/2020 - 10:54
Lívia Suarez, idealizadora do La Frida Bike: transformando estruturas | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE
Lívia Suarez, idealizadora do La Frida Bike: transformando estruturas | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE -

Com a flexibilização do funcionamento do comércio, após momentos mais críticos da pandemia do novo coronavírus, Salvador volta a ser uma cidade com o trânsito caótico ao qual estávamos acostumados.

Percorrer poucos quilômetros de carro pode ser um tormento em algumas áreas da cidade. Daí surge o desejo de buscar alternativas para a locomoção, mais funcionais e sustentáveis.

A bicicleta é uma delas, inclusive muito estimada em tempos de distanciamento social. Um meio de transporte mais seguro, rápido e até saudável para o corpo. O cicloativismo luta exatamente pela consciência do benefício do uso da bicicleta.

Inclusão, respeito, sustentabilidade, infraestrutura, pautas raciais, entre outras questões importantes estão na lista do que é defendido pelo movimento.

Assim surgiu, em 2014, o Meninas no Pedal. Idealizado pela assistente social Karina Silveira, ela começou a pedalar puramente por hobby e se apaixonou pela prática: “Meu esposo surfava, então decidi comprar uma bicicleta e começar a pedalar”.

Mas ao participar de grupos de pedal, Karina percebeu que eles eram compostos majoritariamente por homens, e a escassez de mulheres a incomodava. “Sempre tinha um grupo enorme de homens e uma ou nenhuma mulher. Eu não me sentia confortável no grupo”.

Karina explica que a dificuldade era sentida em diversos momentos: “A proposta é diferente, a força, quando você não está habituada tudo pesa, e precisamos acompanhar o grupo”.

O diferencial no Meninas no Pedal é que elas se sentem acolhidas, seguras e se identificam com suas parceiras, que têm as mesmas dificuldades.

Segurança

A ideia foi bem recebida por várias mulheres que queriam pedalar, mas não encontravam espaço. No entanto, a consolidação do grupo não foi fácil.

“Por mais que elas estivessem à vontade, ainda existia um receio de não ter nenhum homem para fazer a segurança, e eu sempre disse que quem vai garantir a segurança somos nós mesmas. Porque os homens encostam, ficam fazendo perguntas, querendo saber nossos roteiros e sempre orientamos a não dar informação para ninguém”, diz.

O grupo é mais do que mulheres em busca de uma atividade física e diversão, é uma rede de apoio. O fortalecimento de relações, a união feminina e empoderamento são pilares que o sustentam.

“Mulheres que se separam e se sentem sozinhas, as mais velhas que se aposentaram e se veem sem nada para fazer encontram um suporte e conhecem novas histórias, fazem novas amizades, isso é incrível”.

Preta vem de bike

Também com objetivo de empoderar e dar espaço às mulheres e principalmente mulheres negras, o La Frida Bike surgiu em 2015, como uma cafeteria itinerante, idealizado por Lívia Suarez, estudante de letras na época, que estava cansada de trabalhar para outras empresas e decidiu unir café, bicicleta e poesia. “Percebi que há cinco anos não havia pessoas negras utilizando a bike como meio de transporte”, relata.

A partir da interação com a cidade e mulheres negras, Lívia notou que elas tinham uma ligação muito forte com a bicicleta, como um sonho, e até uma ferramenta de cura e de autonomia. “Fizemos uma pesquisa com mulheres e entendemos o porquê de elas não estarem nos planos de mobilidade da bicicleta: por não saber pedalar”, diz.

Assim, desenvolveram um ano depois o projeto Preta Vem de Bike, que ensina mulheres negras e periféricas a pedalar: “O projeto foi feito pensando na perspectiva de que elas não são incentivadas a utilizar a bike. Por mais que existam um contexto social e questões de renda, os homens são estimulados desde novos”.

Mais de 500 mulheres já aprenderam a pedalar com o Preta Vem de Bike. “Além de ter a própria vida transformada, elas também colaboram com a mudança da estrutura da cidade”, acredita Lívia, que ainda busca políticas públicas para preparar a cidade para essas mulheres, com mais ciclovias e, principalmente, respeito.

Dois anos depois veio a Casa La Frida, chamada por Lívia de ponto de apoio para mulheres: “A gente promove curso profissionalizante de mecânica, damos bicicleta, compartilhamos bikes e somos um centro cultural, sempre com manifestações artísticas”.

Além disso, elas também desenvolvem produtos para a população negra, como bicicletas e capacetes, – como um modelo apropriado para quem tem dreads, lançado recentemente. Hoje, o La Frida Bike está presente em outros estados, como São Paulo, e já percorreu países da África, o Uruguai e o Peru para apresentar e promover o trabalho desenvolvido.

Sonhos

Há 18 anos, em São Paulo, surgiu o Bike Anjo, que, atualmente, presente em mais de 20 países, ajuda pessoas a realizarem o sonho de aprender a pedalar. O projeto chegou a Salvador em 2014. Jason Dias, um dos instrutores, conta que estava na Praça do Campo Grande reunido com mais dois colegas discutindo a possibilidade de colocá-lo em prática na cidade e uma senhora de 66 anos ouviu a conversa e, interessada, já foi a primeira aluna do grupo. “Deu tão certo que houve uma época em que Salvador era a unidade que tinha mais atendimentos no Brasil”, revela.

O perfil mais comum atendido pelo Bike Anjo é de mulheres na faixa dos 40 anos. Para o instrutor, o que mais os motiva a doar o tempo de forma voluntária e gratuita é a entrega dos alunos e poder ajudar alguém desconhecido a praticar algo que nunca imaginou. “Conheço pessoas que começaram a andar de bike exclusivamente como forma de locomoção para o trabalho, que tiveram a vida transformada”, diz. “Isso é incrível, porque quanto mais gente na rua, mais consciência vai surgir”.

A psicóloga Angélica Vitoriano, 61, é prova disso. A idade, 57 anos na época, foi um dos motivos para aprender a pedalar. Vontade, sempre teve, mas algo a impedia. Foi aí que uma amiga contou sobre o projeto e ela logo o encontrou.

Fez duas aulas e, vendo que era desejo muito grande, decidiu fazer mais aulas particulares e, mesmo com toda a dificuldade de algo completamente novo, aprendeu. “Comprei uma bike simples, fazia um percurso pequeno na avenida Magalhães Neto, mas tudo era muito difícil”, conta.

Só depois de muito preparo e uma viagem de bike para Itacaré, de aproximadamente 247 quilômetros, passou a ter mais segurança para se deslocar em Salvador. Os trechos ainda eram curtos, ia até o trabalho, de Armação ao Caminho das Árvores, pelas ruas de dentro para não andar pelas grandes vias, e, de forma gradativa, começou a se sentir segura e mais tranquila para andar.

“Mudei o meu olhar para a cidade, o olhar para as pessoas, e hoje estou muito bem com a minha saúde. Isso me faz muito feliz”, orgulha-se.

Perigo ela sabe que sempre existe, mas faz questão de deixar o medo de lado para não se limitar. “Quando aprendemos a pedalar de verdade com um instrutor, ficamos mais atentos com isso. Coloca o medo na garupa e eu tomo conta dele e não ele de mim”, diz a psicóloga que nunca foi de praticar exercícios físicos porque não se sentia bem com atividades feitas na academia.

Estrutura

De acordo com Jason, Salvador é uma cidade um pouco complicada por causa das suas ladeiras e comportamento no trânsito: “O que falta é um programa de educação e orientação na nossa população, que é carente disso. Muitos motoristas não conhecem o código de trânsito, o direito dos ciclistas”.

Há três anos, o músico Thiago Evangelista faz parte do Coletivo Mobicidade. “Somos um grupo de pessoas que ama andar de bike e tenta fazer com que a cidade se torne um local mais seguro. Queremos melhorá-la para nos locomovermos com segurança”.

A ideia é desenvolver projetos, principalmente com crianças, como o Estação Subúrbio, e incentivar ciclistas de regiões mais afastadas, com o objetivo de conscientizar pessoas cada vez mais sobre a importância do ciclista.

“Também fazemos pedaladas como forma de protesto, cobramos dos poderes porque precisamos nos locomover com segurança e respeito”, pontua.

Além disso, o coletivo luta contra exclusões sociais: “O negro, a mulher, o ciclista, o idoso, todos esses são grupos excluídos. Acho que temos que nos manter unidos para nos fortalecer”.

O músico considera que a cidade melhorou de forma significativa de 10 anos para cá, já que com mais ciclistas nas ruas as pessoas são obrigadas a respeitar mais. Sobre a estrutura, acredita que Salvador ainda peca um pouco em alguns aspectos, por não haver um estudo e planejamento correto para beneficiar os ciclistas.

De acordo com informações da prefeitura, haverá ampliação da infraestrutura para ciclistas, com 35 quilômetros, até o fim deste ano. Assim, a cidade terá 316 km de vias apropriadas para bike, entre ciclovias e ciclofaixas.

Entre as vias contempladas estão a rua Oscar Pontes e a avenida Jequitaia, na Cidade Baixa; e no centro da cidade, a rua Carlos Gomes, a avenida Sete e o Corredor da Vitória. Ainda de acordo com a gestão municipal, serão implantados mil paraciclos em bares, restaurantes e comércios de Salvador.

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