HOMENAGEM
Circo Picolino realiza o evento A mulher do circo
Atividade será realizada no próximo sábado, 26, no bairro de Pituaçu, em Salvador
Enquanto outras crianças estavam nas arquibancadas, a baiana Jucineide Conceição Silva, aos sete anos, aprendia contorcionismo para se apresentar no picadeiro. Foi debaixo das lonas de circos itinerantes que a artista passou a maior parte da vida sendo trapezista, dançarina de rumba e ainda fazendo apresentações de força capilar e contorção.
Atualmente, com 77 anos, Dona Neide, como é conhecida, será uma das homenageadas no evento A mulher do circo – A noite do tapete vermelho, promovido pelo Circo Picolino, no próximo sábado, 26, no bairro de Pituaçu, em Salvador.
"A gente já avisou que quer todo mundo vestido de esporte fino, porque elas merecem", diz a gestora do Picolino, Luana Serrat, sobre o traje do evento que vai homenagear o protagonismo feminino de diferentes gerações nas artes circenses do Brasil. Na ocasião, o Picolino será palco para apresentações artísticas, desfiles, poesia, teatro e outras performances circenses.
Uma das fundadoras da Escola Picolino, Verônica Tamaoki, ressalta que a história das mulheres de circo merece ser divulgada. "São trajetórias muito escondidas", diz a paulista que coordena o Centro de Memória do Circo da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Ela conta que o circo se organiza em torno de famílias lideradas por mulheres, no entanto, esse protagonismo não é valorizado. "Na porta, o nome sempre vai ser o de um homem. Você tem o Circo Marco Polo, o Circo Washington, mas, nos bastidores, o circo é de Carola e de Zeza", afirma.
Mãe de três filhos, Dona Neide manteve uma vida dupla enquanto se dedicava às apresentações circenses. De dia, era dona de casa e à noite artista do picadeiro. "Quem me via toda embelezada não imaginava que eu, mais cedo, estava cuidando de criança e cozinhando", conta.
Engana-se quem acha que elas estão presentes apenas no palco. "Temos gestoras, secretárias, figurinistas, gerentes e, também, as trapezistas. A gente assume a liberdade de estar em todos os lugares do circo", diz Luana. A ideia de fazer uma celebração para essas profissionais veio de Verônica. Um evento semelhante foi realizado na cidade de São Paulo no ano passado, o que plantou a semente para a criação de uma edição na Bahia.
Na ocasião, mulheres que passaram pelo Picolino também foram homenageadas. Para Verônica, o evento está relacionado com o avanço da discussão de pautas sociais importantes como o discurso de grupos minoritários: "Temos outro olhar para a mulher no mundo de hoje".
Com quase quatro décadas de fundação, a Escola Picolino passou um ano em reforma e o picadeiro ficou, literalmente, embaixo de poeira e tratores. Este ano, para sacramentar a requalificação da escola, o Circo dos Sonhos, companhia fundada pelo ator Marcos Frota, presentou o Picolino com uma lona nova.
"Ela é rosa e ainda tem um chapéu de bruxa na decoração, está tudo convergindo para este momento onde falamos sobre mulheres", diz Luana, que coordena uma equipe de gestão completamente feminina.
O evento contará também com um desfile de artistas como Maria José Aurora Calado, fundadora do circo Marco Polo; Valnice Nascimento, criadora do circo Dallas; e Norma Sueli dos Santos, que abriu o circo Jamaica na década de 1980, no sul da Bahia. Uma banda totalmente feminina também fará parte da celebração.
Danças
A artista Odre Consiglio, de 65 anos, tem passado as últimas tardes treinando para a apresentação que fará no sábado. Coreógrafa, atriz, figurinista e trapezista, a profissional também será homenageada no evento e prepara um número que mistura pole dance e chair dance, danças compostas por movimentos que exigem força e equilíbrio.
A relação de Odre com o circo começou em 1978, quando a artista buscava ampliar os conhecimentos como atriz. “Me apaixonei porque o circo reúne todas as artes que eu já costumava fazer, tinha a música, a dança, a costura... tudo num lugar só”, diz a profissional, que fez parte da Academia Piolin de Artes Circenses, primeira escola de circo do país, em São Paulo. “Assim que a escola abriu, eu me matriculei”.
Os dois anos dedicados à Academia foram movidos pelo esforço de melhorar. Odre conta que os tão sonhados movimentos aéreos, aqueles em que o performer executa ações em aparelhos que estão suspensos numa grande altura, demandavam oito horas de treino por dia.
A força que motivava Odre a não desistir era a mesma que a fazia não abaixar a cabeça para sinais de machismo no circo. “A sociedade circense é bem tradicional, mulheres tomam conta da casa e poucas dirigem os carros”, afirma. “Mas eu sempre montei meus equipamentos e dirigi meu caminhão, se você pedir para um homem de circo pregar um botão, ele não sabe”.
Para Odre, o que tem mudado as diferenças de gênero dentro do circo são as escolas de artes circenses. Circos que antes eram compostos por pais, tios e filhos estão contratando profissionais de academias com base na competência e não exclusivamente no parentesco. “O Cirque du Soleil, por exemplo, busca pessoas nessas escolas, então, é uma troca de valores e uma aceitação muito saudável”.
Revista
Além da noite comemorativa, uma revista sobre as mulheres do circo será publicada este ano. A primeira edição, que terá versões impressa e digital, vai trazer artigos sobre temas relacionados ao universo feminino circense, além de entrevistas e perfis sobre as artistas homenageadas. Segundo a coordenadora do Centro de Memória do Circo, é um privilégio divulgar as histórias dessas mulheres. “É preciso dar voz a essas heroínas”, diz Verônica Tamaoki.
Gestora do Picolino, Luiza Serrat adianta que a revista contará com imagens da noite de celebração e será publicada em dezembro deste ano. Para ela, a edição é uma forma de celebrar as conquistas das mulheres do circo e fomentar o espírito circense em futuras gerações. Ao que tudo indica, o desejo de inspirar jovens artistas tem se concretizado. Filha de Dona Neide, Vilma Silva, de 38 anos, também faz apresentações aéreas com corda indiana. “E ela ainda é muito boa na comédia com os palhaços”, exalta a mãe de Vilma.
Sobre as veteranas circenses que serão homenageadas no evento A mulher do circo – A noite do tapete vermelho, Luiza afirma: “São todas rainhas que merecem ser celebradas”.
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