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Com talento, Margareth Menezes integra lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo
O show de Paul Simon com o Olodum no Central Park de Nova York, há 30 anos, foi um dos momentos mais gloriosos no exterior da axé music, que, em Salvador, já causava furor desde a década de 1980. Com o tempo, nomes como Ilê Aiyê, Margareth Menezes e Lazzo se tornaram conhecidos em outros países, ajudando a internacionalizar a cultura baiana.
Entre 2000 e 2017, Margareth, por exemplo, apresentou-se em Angola, Marrocos, Senegal, Cabo Verde e África do Sul. Um adolescente angolano em particular, que a viu pela TV, ficou encantado com o ritmo e alegria daquela mulher negra que cantava no mesmo idioma dele, vinda do outro lado do Oceano Atlântico.
Mas Licínio Januário, que migrou para o Brasil com a família em 2006, aos 14 anos, ficou surpreso que no seu novo país os artistas negros não tivessem protagonismo na TV. Um giro no controle remoto foi suficiente para se chocar com a ausência da população negra, quase metade do país, na programação televisiva.
No ano passado, lançou com um amigo o serviço de streaming Wolo TV, dedicado a produções audiovisuais que retratem os afro-brasileiros. Quem foi sua escolha natural para protagonizar a série Casa da Vó? Margareth, claro. Na trama, ela interpreta uma servidora pública aposentada que mora com quatro netos.
A produção, que pode ser vista no sistema pay per view do site www.wolo.tv, por R$ 8,99, e está sendo distribuída em outros países, é mais um êxito na carreira da primeira cantora negra da Bahia a atingir o estrelato e que figura na lista divulgada neste mês das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo em 2021, elaborada pela organização Most Influential People of African Descent (Mipad), com apoio da Organização das Nações Unidas.
Quem, afinal, sintetiza melhor as contradições expostas na letra de Alegria da cidade, composição de Lazzo e Jorge Portugal, do que essa mulher da Península de Itapagipe que transformou um bloco de mascarados em uma das principais atrações do Carnaval, mas nunca teve o mesmo destaque conferido a outras cantoras?
Desde que estourou nas rádios com a canção Faraó, de Luciano Gomes, em 1987, Margareth se tornou uma referência na luta para o empoderamento de mulheres negras a partir do que chama de afropop brasileiro. Mas por que, afinal, ela não alcançou o mesmo patamar de exposição midiática que tiveram Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Cláudia Leite?
Bastidores
Embora poucos artistas falem publicamente de racismo, esse sempre foi um tema discutido nos bastidores. Uma das poucas vezes em que o assunto veio à tona foi durante uma live no ano passado, quando a atriz Taís Araújo surpreendeu Ivete Sangalo com a pergunta: “Por que Margareth não é tão gigante quanto você, Ivete?”.
A própria Margareth adota uma postura diplomática, afirmando que todos os baianos, de alguma forma, estão impregnados pela cultura negra. Uma posição moderada em relação a parte do movimento negro que reclama de apropriação cultural por parte de artistas brancos.
Mas ela destaca a falta de visibilidade para artistas negros e diz que há uma diferença de tratamento quanto a remuneração: “O que não dá para ter é essa disparidade. O momento em que se observa o racismo é na hora da escolha em quem colocar o holofote”.
A cantora aponta a necessidade de valorizar financeiramente os artistas negros, que são a fonte da qual todo mundo se beneficia, segundo sua avaliação. E destaca a importância dos espaços de discussão feminina e negra.
“As mulheres pretas precisam ser ouvidas. Há impaciência, às vezes, com esse assunto da negritude, das nossas demandas. É a falta de consciência humana. Agora é que nós estamos tendo algum espaço, que se abre com muita luta”, afirma Margareth, que vai ao ar no próximo dia 31, às 18h, como participante da última exibição do ano do projeto Mulher com a Palavra, com o tema Afrofuturos.
Ela vai estar na companhia da ativista dos direitos humanos Monique Evelle e da rapper e arte-educadora Preta Rara, com a mediação da jornalista Rita Batista. O evento será transmitido pela TVE e pelo canal do projeto no YouTube.
Licínio Januário faz uma comparação com os Estados Unidos. Na América do Norte, diz ele, os empresários brancos estão preocupados em ganhar dinheiro. Se há séries e filmes escritos e dirigidos por negros, contando histórias da comunidade negra para a comunidade negra, o que importa para os investidores é que os produtos sejam consumidos e gerem lucro. Isso permite que em um país onde os negros representam 14% da população haja shows populares como Um maluco no pedaço, estrelado pelo jovem Will Smith, e estrelas milionárias da TV como a jornalista, artista e empresária Oprah Winfrey. “No Brasil, as pessoas brancas querem também ser protagonistas das histórias dos negros, dos índios”, constata Licínio.
Sobre a atriz Margareth, Januário é só elogios. “Ela dá uma aula. É uma artista muito potente, tudo o que ela coloca na mão vira algo potente. Atrizes consagradas como Irene Ravache e Glória Pires elogiaram a atuação dela”, derrama-se o diretor.
As gravações começaram durante a pandemia, em outubro do ano passado. “Quando recebi o convite, foi um bálsamo. Eu fiquei com medo, mas artista vive de desafio. Eu vivi minha carreira artística sempre com muita novidade em relação a propostas diferentes”, destaca.
Foram quase 50 dias gravando em São Paulo. “E outra surpresa foi ser protagonista”, ressalta a cantora, relembrando a rotina de decorar textos. Ela elogia a iniciativa da Wolo TV de retratar temas ligados às famílias afro-brasileiras: “O canal tem uma proposta muito bacana e foi muito bom me relacionar com os outros artistas, com a equipe”.
Especial
Margareth, que já havia feito uma participação especial como a delegada Marta Pimenta na minissérie da Globo, O canto da sereia, conta que teve aulas de teatro no Colégio Estadual Luís Tarquínio e que isso lhe ajudou a encarar os palcos.
“Eu tenho essa veia interpretativa e o teatro tem essa ferramenta de consciência, para me dar um diferencial de palco, de buscar sentido nas coisas’, conta.
Ela também participou, como cantora, da primeira montagem de Lídia de Oxum, ópera escrita pelo poeta Ildásio Tavares e pelo maestro Lindembergue Cardoso. E cantou na trilha sonora de Orquídea selvagem, filme rodado em 1989 com gravações em Salvador, que teve Carré Otis, Mickey Rourke e Jaqueline Bisset no elenco.
Sobre a experiência de atuar, ela esclarece. “Eu nasci cantora e vou morrer cantora, mas foi uma experiência muito especial”, declara Margareth, que diz ter recebido outras propostas para interpretar personagens.
Sobre o sucesso internacional, no início da década de 1990, que acabou abrindo caminho para tantas realizações, Margareth destaca a força da axé music em seu primeiro momento. “Fui contratada pela Mango Records, da Polydor. E Elegibô foi uma música lançada no mundo inteiro, virou propaganda na Suécia. Minha cara estava lá, minha voz estava lá”.
Uma das experiências mais interessantes foi a apresentação no Festival de Baía das Gatas, em Cabo Verde. “O povo cantava as músicas, parecia que eu estava na Bahia. As pessoas interagiam com Vem correndo me abraça e me beija, Alegria da cidade, Elegibô, Faraó”.
Margareth destaca o poder da música afro-brasileira no exterior. “Seria bom que a gente pudesse dar mais voz a essas conexões”, pontua. Licínio Januário, por sua vez, lamenta que no Brasil se consuma muito pouco de cultura africana.
Agora, com a série, a expectativa é de que haja uma nova onda de interesse pelo universo afro-brasileiro em outros países lusófonos, inclusive Portugal.
“Eu vibrei muito quando Licínio me deu essa notícia de que Casa da Vó está chegando a outros países. Pelo trabalho que eles estão tendo e para mim também, profissionalmente, é uma coisa muito boa”, afirma.
Indústria cultural
Autor de sucessos na voz de Margareth, como Alegria da cidade, e companheiro de palco dela em Lídia de Oxum, o cantor Lazzo é possivelmente um dos artistas que mais reclamam do racismo estrutural na indústria cultural brasileira.
O artista que acompanhou de perto o sucesso de Margareth no exterior, e por tabela, de músicas que compôs para ela, declara-se feliz por ver uma mulher negra chegando a um estágio de reconhecimento da mídia brasileira. “Apesar de a gente ainda achar muito pouco”, comenta.
Segundo ele, o reconhecimento de Margareth é motivo de orgulho não apenas para ela mesma, mas para a comunidade negra como um todo. “Temos muitas mulheres negras para representar a nossa comunidade e eu fico feliz por Margareth ser reconhecida pelo talento dela”.
Sobre a comparação entre as indústrias culturais americana e brasileira, Lazzo faz uma observação: “No Brasil, existe uma coisa que permeia a sociedade que é a continuidade do colonialismo, do escravismo. As pessoas que vivem no privilégio tentam manter esse privilégio, contando nossa história e tentando nos invisibilizar o tempo todo”.
E refere-se ao que considera a submissão a padrões estrangeiros: “Ainda somos muito escravos mentais. Temos um país grandioso que podia estar em outro patamar. Se nos juntarmos para fortalecer a nossa história de forma diferenciada, todos ganham”.
A dois meses do início do Verão, Margareth ainda não tem certeza do que vai acontecer em 2022 no Mercado Iaô, centro cultural que ela criou há oito anos na Ribeira, que envolve economia criativa, exposições, culinária e shows. Por lá, já passaram, por exemplo, Caetano Veloso e Maria Bethânia. Nos dias mais concorridos, o número de ingressos vendidos passou de cinco mil.
“Nós estamos aí aguardando como vai ser a reação dessa questão para o final do ano. Ao mesmo tempo que ter muita gente é bom, esse também é o nosso senão”, declara a cantora, referindo-se às medidas de controle sanitário em função da pandemia. “Mas estamos pensando, sim, em fazer alguma edição do Mercado Iaô no Verão”, diz, ressaltando que é um projeto que depende patrocínio para se viabilizar.
“Infelizmente, houve retardo na questão da vacina. O negócio foi ao contrário de tudo o que está dando certo. Isso não se justifica”. Sobre o Carnaval, Margareth diz que ainda não há nada fechado em termos de sua participação.
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