MUITO
Competições de CrossFit estimulam a modalidade em Salvador
Modalidade une atividades de vários esportes, como levantamento de peso, ginástica artística e corrida
Por Pedro Hijo
Atletas entram na reta final da preparação para os Jogos Olímpicos, o maior evento esportivo do mundo, que terá uma edição em Paris entre julho e agosto. Fora das Olimpíadas, no entanto, uma modalidade esportiva tem gerado grandes competições e levado atletas a treinos intensos para melhorar o desempenho nos torneios: o CrossFit.
A modalidade une atividades de vários esportes, como levantamento de peso, ginástica artística e corrida, e é uma marca criada nos Estados Unidos. Na Bahia, o CrossFit chegou há 11 anos. Por aqui, reúne participantes nas academias franqueadas e tem torneios com mais de 600 participantes. Mas, atletas baianos ainda se queixam da falta de incentivo à modalidade no estado.
Além de competições feitas pelas próprias academias, o Salvador Challenge e o Arena Challenge juntam amadores e atletas para competições na Bahia. O primeiro terá uma edição até o fim do ano, mas ainda não tem data definida. O Arena Challenge, por sua vez, é o principal torneio de CrossFit das regiões Norte e Nordeste, teve a última edição em 2023 e voltará a ser realizado em 2025.
Os baianos também participam de competições nacionais, como o Torneio CrossFit Brasil (TCB), que realiza seletivas em Recife neste fim de semana para as finais, que serão em setembro, em São Paulo. Nas “Olimpíadas” da modalidade, o CrossFit Games, seis brasileiros classificaram-se para as finais, que serão em agosto, nos Estados Unidos. Nenhum deles é da Bahia.
De 17 times na seletiva por equipes, apenas um grupo baiano se classificou na etapa do TCB em Recife. Sete delas vão para as finais. O professor de CrossFit soteropolitano João Dourado, 23 anos, é um dos atletas do time baiano, formado por dois homens e duas mulheres. Para ele, o estado ainda pode avançar na modalidade em comparação com São Paulo e Rio de Janeiro.
“Falta um pouco de incentivo à competição”, destaca João. Segundo ele, a maioria das pessoas que se matricula nas academias de CrossFit em Salvador não tem interesse em treinar para os torneios principais. “Ser um atleta vai além do talento, é volume de treino e esforço diário, e em Salvador, não temos tanto”, afirma o professor.
São poucos os praticantes que são exclusivamente atletas, diz João. O outro homem que integra a equipe baiana, por exemplo, é professor e se prepara para as competições. Natural de Cachoeira, o atleta Maíque Paz, 28, diz que é necessária uma mudança cultural na Bahia para o crescimento da modalidade.
“É da cultura do nosso estado não abrir portas para que as pessoas possam desenvolver outra modalidade esportiva”, afirma Maíque. Para ele, os profissionais de saúde de Salvador ainda têm preconceito com a prática, que, supostamente causa mais lesões do que outras modalidades esportivas. Ao mesmo tempo, dizem João e Maíque, as academias de CrossFit, chamadas de “boxes”, seguem bastante frequentadas na capital e no interior.
“A galera está procurando uma modalidade que se sinta bem, que possa socializar, está fugindo da musculação pela monotonia”, explica o professor. “A grande parte dos alunos procura o CrossFit por estética, estilo de vida e pela dinâmica do esporte”, diz João. Esse também é o perfil do aluno mais interessante, financeiramente, às academias, segundo os atletas.
João conta que entrou na faculdade de Educação Física com o objetivo de ensinar a prática. “O Brasil é um dos únicos países que exigem a formação em Educação Física para dar aula”, afirma. Em outros locais, um curso profissionalizante é suficiente. “É algo para a gente se orgulhar”, diz João, que se formou há um ano.
O curso profissionalizante, explica, pode ser feito como uma especialização oferecida pela empresa criadora da prática e detentora da marca, a CrossFit Inc. A companhia foi fundada há 24 anos no estado americano da Califórnia. Inclusive, por ser uma marca, a modalidade tem poucas chances de entrar nos Jogos Olímpicos.
Patrocínios e investimentos
Também classificada para as seletivas do TCB, numa categoria individual para pessoas de 18 a 34 anos, a advogada soteropolitana Thaís Soares, 32, fugiu ao perfil da aluna desinteressada nas competições. Ex-judoca, na primeira aula de CrossFit ela já perguntou aos professores como funcionavam os torneios. “Todo mundo riu de mim”, lembra.
“Eu me desenvolvi muito rápido na modalidade, com o passar dos anos”, conta Thaís. Atualmente, ela tem um time de patrocinadores, mas segue tirando da própria renda para avançar no CrossFit. Thaís cita como custos, por exemplo, o acompanhamento de nutricionista, nutrólogo e psicóloga, suplementos alimentares e a compra de itens como tênis próprio para a prática e joelheira.
Para a seletiva do TCB, Thaís afirma que a preparação está “duríssima”. “É tenso, eu treino todos os dias, de 4h até 7h30 e, de noite, faço uma segunda sessão de treino”. Apesar da dedicação, ela não considera tornar a modalidade a principal ocupação. “Não tem como ser a atividade principal, o retorno é muito baixo. Hoje, considero o CrossFit como a minha válvula de escape”.
De acordo com a advogada, o crescimento na modalidade sem parcerias é inviável: “Sem apoio, a pessoa opta por não levar nesse nível de seriedade”. O sonho da atleta, que começou a competir após o fim da pandemia de Covid-19, em 2022, é alcançar o topo da sua categoria no TCB. “Eu me sinto pronta, então, se Deus quiser, esse ano eu chego lá”, projeta.
Sonho
Professor de CrossFit, o atleta soteropolitano Ícaro Severo, 34, tem o mesmo sonho. Em um cenário escasso de patrocínios, Ícaro abriu a própria academia da modalidade esportiva para viabilizar o objetivo de participar de competições profissionais. “O CrossFit não é um esporte olímpico, então você não recebe muito apoio. Tem que trabalhar em alguma atividade paralela”, explica.
No ano passado, antes de abrir a SS Severo Crossbox, em Salvador, Ícaro viajou para o TCB com o valor que conseguiu como professor em outras academias. “Foi uma loucura para conseguir o dinheiro. Tive que trabalhar até a última hora. Viajei de carro, cheguei no dia da competição, correndo para pegar o kit [com itens para os atletas] e me ambientar”, lembra.
Segundo Ícaro, um professor de CrossFit recebe entre R$ 25 e R$ 40 por aula. “Não dá para viver exclusivamente do esporte. Tem que ter outras atividades. E foi isso que me fez abrir a minha box”. Para se ter ideia, ele estima que gastou R$ 3,3mil para participar do TCB no ano passado, incluindo inscrição, gasolina, hospedagem, alimentação e suplementação alimentar.
Apesar dos desafios, o atleta não pensa em desistir da modalidade esportiva. O sonho dele é participar do torneio internacional. Com outros cinco sócios, Ícaro abriu a box quando acabou a pandemia. O espaço começou com 90 m² e, desde então, passou por duas expansões, chegando a 800 m². “Meu objetivo com a box é que ela me dê o dinheiro para eu ir ao mundial”.
Inspiração
Assim como Thaís, Ícaro tem o acompanhamento de outros profissionais, como quiropraxista e fisioterapeuta. “Sem esse amparo, não rola. Tentar ser atleta do esporte é uma dificuldade, é uma luta”, afirma o professor, que se diz inspirado a continuar pela vontade de vencer. “Mesmo vindo de baixo, é possível conseguir”.
“Posso não ter tido a condição financeira, mas tive bons amigos [no CrossFit], que me apoiaram, até para abrir a box. Quando você vê que tem gente te apoiando, você segue”, elabora. Thaís sente que a prática da modalidade lhe auxilia na autoestima: “O esporte precisa estar comigo, eu preciso dessa força na minha vida”.
A atleta destaca que, como mulher, é preciso ter resiliência para crescer no CrossFit. Para ela, o fundamento dessa força é o equilíbrio da atividade física com a base familiar. “Tenho marido e pais exemplares. A família toda vai viajar para Recife para me acompanhar”, conta. Thaís afirma que se sentir apoiada pelos mais próximos é o que faz ela ser feliz com a atividade.
Uma dificuldade para tornar o exercício na ocupação principal são os prêmios dos torneios. “Aqui, na Bahia, as premiações são produtos de patrocinadores, como suplementos, por exemplo”, diz Maíque. “Raramente é dinheiro, e quando tem dinheiro é o retorno do que a pessoa investiu”, completa o atleta, que começou a praticar CrossFit há sete anos.
Competições
Na edição mais recente, em 2023, do Arena Challenge, principal competição da Bahia, foram distribuídos R$ 25 mil em dinheiro e R$ 25 mil em produtos. O evento teve a participação de 625 atletas e três mil espectadores, segundo o organizador da competição, o fisioterapeuta e atleta soteropolitano Átila Cosenza.
Praticante de CrossFit há 11 anos, ele também é o organizador do Salvador Challenge. No total, foram sete eventos realizados desde 2017, quando, diz Átila, houve o estouro na procura pela modalidade esportiva na cidade. “Temos atletas mais dedicados a participar de competições nacionais, mas também atletas amadores, que querem se desafiar e interagir com a galera”, conta.
Átila afirma que é difícil montar os eventos na Bahia. “É desafiador trazer algo que seja atrativo visualmente para o público que não é praticante e colocar uma boa estrutura de provas para que os atletas se sintam desafiados”. Para destacar a competição, o Arena Challenge já foi realizado na Arena Fonte Nova, por exemplo.
A estratégia tem funcionado para atrair participantes e público espectador, mas Átila ainda sente falta de mais patrocinadores: “Há um esforço em buscar muitas marcas de fora da Bahia, onde o apoio é maior”. Segundo ele, o custo de realização é alto, mas a parceria com a produtora de eventos 2GB Entretenimento facilita a execução do projeto.
Para o organizador das competições, a vinda de pessoas de outros estados para competir e a presença de público para assistir aos torneios são sinalizações positivas do potencial do CrossFit na Bahia. Ele também afirma que, em 11 anos no estado, a prática tem ganhado maior aceitação, inclusive de profissionais de saúde.
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