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Conheça o comércio, as lojas de tecidos e as histórias do Taboão
Por Daniel Oliveira

Um carro estaciona defronte a uma loja de tecidos, entre mais de uma dezena das que existem na rua do Taboão. O motorista, lá de dentro, pergunta: “Venha cá, irmão, tem cola Tek Bond?”. “Espera só um minuto, que tem a última aqui, vou pegar”, responde, alto, o vendedor Luiz da Silva, 20 anos, do outro lado da calçada. Some na loja e retorna com o produto. “Essa cola serve pra tudo, rapaz”, fala, com dose de exagero, enquanto o cliente faz rapidamente o pagamento.
O cotidiano daquela paragem é assim, muito movimento de gente, conversas e comércio, sobretudo de tecidos – de todos os tipos e por diversos cantos –, e cada vez menos edifícios residenciais e moradores.
No livro Bahia de Todos os Santos: Guia de Ruas e Mistérios, Jorge Amado descreve a tragédia do Taboão em meados do século passado. Os negócios e serviços ainda incipientes, o seu caráter de passagem, os casarões malcuidados, o contraste entre o dia, quando uma “vida regurgita, pobre mas ardente”, e a noite, quando se torna um cenário em que “ratos atravessam livremente de um lado para outro”.
Obviamente, não é mais aquilo que o escritor baiano enxergou há mais de 70 anos. Desenvolveu-se, virou um dos principais lugares de venda de produtos de tapeçaria, tecidos, persianas, estofados, e preserva outras atividades.

Interligação
A rua do Taboão (ou, como alguns preferem, Ladeira do Taboão) faz a interligação do Comércio com o Pelourinho, a Baixa dos Sapateiros e o Carmo. Os casarões antigos, que chegam a até cinco andares, abrigam nos cômodos superiores principalmente os depósitos das lojas que funcionam no térreo.
É possível encontrar também, no patamar intermediário dos edifícios, atividades diversas, de sapateiros até profissionais que oferecem serviços exóticos no mundo contemporâneo, como o conserto de máquina de escrever e fax.
Porém, ainda há habitantes e residências resistindo e persistindo. A moradora Solange de Souza, 62, que é dançarina e vendedora de cosméticos, conta que “antes tinha mais moradia, colocavam bandeirolas no São João, todos sentavam na porta, os meninos brincavam de bola, e hoje só existem quatro residências em uma calçada e umas três na outra”.
Ao refletir sobre as transformações históricas, de um ponto de vista afetivo, ela afirma que sente muita falta dessa característica residencial. “É a principal mudança que vejo e não gosto. Era mais alegre”, diz a senhora sobre a rua onde vive há mais de 20 anos.
O jovem comerciante Luiz da Silva é nascido e criado no Taboão. Tal como Solange, viu mudanças do cotidiano e expressa, com orgulho, o conhecimento acerca do local e as suas experiências, quando “subia em todas as lajes e empinava arraia o dia inteiro”.
Na hora do baba, “arrancava os tampões dos dedos” junto com os colegas, enquanto no Carnaval participava, como quase todos os moradores, do bloco Trenzinho da Alegria (ou Trenzinho da Sacanagem, o nome varia de acordo com a formalidade). “Tinha arrastão quinta e sábado. Chegava até a Rua Chile e voltava pelo Terreiro de Jesus. Até 2014 os vendedores faziam uma reunião e organizavam”, lembra Luiz, que acompanhou também a transição dos donos das lojas, quase sempre dos pais para os filhos.
A história do nome Taboão é cheia de controvérsias. Há quem diga que resulta da quantidade de depósitos de tábua, enquanto outros afirmam que colocava-se madeira para exercer o papel de ponte e proteção nos dias de chuva.
No entanto, alguns pesquisadores encontraram vigas e suportes enterrados na região, como aponta o historiador Luiz Eduardo Dorea no livro Histórias de Salvador nos Nomes das Ruas. Isso indica que, há alguns séculos, pode ter, de fato, havido uma ponte.
Durante muito tempo, a rua foi uma espécie de caminho alternativo para quem estava no Comércio e desejava chegar ao Pelourinho. As ruínas do histórico Elevador do Taboão alimentam a esperança da retomada do funcionamento.
Atualmente, alguns vendedores e moradores não recomendam transitar na ladeira que une a rua ao Comércio. “Ficou perigoso. Já tem um sinal para avisar aos gringos que passam por aqui e querem descer. Mas em grupo eles vão”, diz uma moradora, que preferiu não ser identificada.
Tecidos em foco
Os produtos mais vendidos no comércio continuam sendo os tecidos, tapeçaria e outros materiais para estofados. Há 24 anos no Taboão, Valdemir Lopes, 42, empresário e dono de lojas na rua, fala que essa característica antiga é uma particularidade no contexto da cidade: “Nunca existiu um lugar em Salvador melhor que o Taboão para procurar borracha, espuma, colchão, cortina, persiana”.

Logo quando Valdemir se fixou no local, eram os chamados “serviços rápidos”, a exemplo de consertos de sofás, relógios e sapatos, que predominavam. “Dessas costuras feitas na hora, foi migrando aos poucos para as lojas de tecidos”, conta Valdemir, ao mesmo tempo em que cumprimenta quase todas as pessoas que avista.
Segundo o empresário, o que diferencia a rua dos outros espaços, com atividades comerciais da mesma natureza, é o preço. “O único mercado que consegue competir é o de Feira de Santana”, compara.
Lojas no bairro do Caminho das Árvores chegam a cobrar o dobro do preço para o mesmo produto vendido no Taboão. Por exemplo, o metro do tecido suede, padrão médio, para estofamento de sofá, varia entre R$ 69 e R$ 76. Na rua do Taboão, esses valores diminuem e a oscilação é entre R$ 30 e R$ 35.
Quando o sol descansa
Durante o dia, o cenário da rua é agitado. Vendedores, habitantes, turistas e passantes variados circulam de um lado para o outro. No meio do caminho, sempre há um tempinho para conversa. “Final de semana tem samba lá no Terreiro, viu?”, comenta uma jovem com outra, aludindo ao Terreiro de Jesus, antes de entrar numa das lojas.
No final da tarde, à medida que as portas das lojas são progressivamente fechadas e os vendedores e clientes tomam os seus rumos, o silêncio vai conquistando mais a ruazinha de paralelepípedo e iluminação parca. Até o ponto em que fica praticamente vazia. A vida noturna do Taboão, então, se dá nos ambientes caseiros, nos mistérios dos depósitos e nos níveis mais elevados dos demais casarões, onde poucos sabem, efetivamente, o que acontece.
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