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Consciência ambiental e arte na Bienal do Lixo, de 4 a 7 de setembro, no Farol da Barra

O evento foi criado em São Paulo, em 2022

Gilson Jorge

Por Gilson Jorge

31/08/2025 - 1:35 h | Atualizada em 31/08/2025 - 13:04
Imagem ilustrativa da imagem Consciência ambiental e arte na Bienal do Lixo, de 4 a 7 de setembro, no Farol da Barra
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Essencialmente nômade, a administradora de empresas gaúcha Marina Moterle fixou residência há quatro anos em Arraial d'Ajuda, no sul da Bahia. Não foi a beleza do litoral que a deteve por essas bandas depois de viajar pelo mundo inteiro, mas a noção de que a partir das cascas de coco, abundantes na região, poderia unir a sua vocação para os negócios com iniciativas que contribuam para diminuir a devastação ambiental provocada pela ação da humanidade.

Em 2023, foram produzidos no mundo inteiro 2,1 bilhões de toneladas de resíduos sólidos, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Com o crescimento populacional, puxado pela Ásia e pela África, estima-se que essa quantidade aumente para 3,8 bilhões de toneladas em 2050.

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Há lixo por todas as partes, como testemunhou, atônita, Marina em 2018, quando visitava o Monte Sinai, no Oriente Médio, e se deparou com uma enorme quantidade de sujeira. "Ver tanto lixo no lugar que tem uma importância de séculos, com os Dez Mandamentos, é como se a mensagem fosse trocada. O que dura séculos hoje é o lixo que está lá", afirma a administradora e artista, que em suas viagens ao longo de 20 anos registrou com tristeza acúmulo de lixo nos oceanos e em terra firme.

"Eu comecei a fotografar o que ninguém fotografa, o outro lado dos cartões-postais porque era uma dor que eu sentia, não pensava em usar como denúncia", conta Mariana.

Um acidente durante uma viagem lhe causou um machucado no ombro e a forçou a voltar para a casa dos pais e ficar quieta por um tempo. Veio a pandemia e, ainda sem poder viajar, a gaúcha encontrou nas gavetas da casa um desenho que tinha feito aos nove anos de idade, tendo a reciclagem como tema. Mariana decidiu ficar no Brasil e abraçar a causa do meio ambiente. "Foi um entendimento do porquê. Quando eu era pequena, fazia roupa de lixo para a Barbie", conta.

Quando compara a reciclagem no Brasil com o que é feito em outros países, Marina vê um grande descompasso. "Aqui há um contraste forte. Mais de 90% da reciclagem é feita por catadores e eles não são valorizados. Eu vejo o meu retorno, também, como uma tentativa de entender como trazer para aqui o que é feito lá fora", afirma a artista.

Marina está chegando a Salvador para apresentar sua obra Espelhos do oceano, com rostos humanos feitos de garrafa pet, e a exposição fotográfica Rastro humano: o impacto de bilhões. Ambas as peças integram a II Bienal do Lixo, que reúne de 4 a 7 de setembro, no Farol da Barra, nove artistas que produzem a partir de resíduos sólidos, seja plástico ou sucata.

Lixo

O evento foi criado em São Paulo, em 2022, pelos amigos paulistanos Rita Reis e Mário Farias, sócios em uma produtora. "Nós fomos passear de caiaque em uma represa e ficamos impressionados com a quantidade de lixo na água", declara Rita, que está em Salvador desde a semana passada para cuidar dos detalhes da bienal, que acontecerá no Farol da Barra e contará com projeção de filmes na Associação Atlética da Bahia (AAB), também na Barra.

É a primeira vez que o evento, realizado através de um edital pela Lei Rouanet de Incentivo a Projetos Culturais, acontece fora de São Paulo. A versão paulistana da II Bienal do Lixo aconteceu em maio. A edição baiana, por sua vez, conta com o apoio da Prefeitura Municipal de Salvador.

"Estamos planejando montar em novembro uma bienal pocket (em tamanho reduzido) em Belém, aproveitando a COP 30", afirma Rita, que justificou a escolha da capital baiana para este ano pelo fato de a cidade ter uma cultura marcante. Segundo ela, a intenção é nos próximos anos levar a bienal a outras capitais, como Fortaleza, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Os artistas desta edição foram convidados através das redes sociais e apresentam perfis variados. Especialista em esculturas de ferro e plástico, o sul-mato-grossense Calvo preocupa-se especialmente com a contaminação de rios e mares e com o impacto dos descartes na vida marinha.

Essa foi uma das coisas que aprendeu ao longo desses 10 anos em que transforma sucata em arte, profissionalmente. "Para a bienal em Salvador, estou levando sete peças que retratam a vida nas águas", explica o artista.

O costume de criar objetos com sobras de materiais vem desde a infância pobre, quando a família se mudou para o Paraná em busca de trabalho. "Meu pai deixava as ferramentas comigo e dizia para eu fazer o que tivesse vontade", lembra Calvo, que aos 10 anos de idade construiu o seu primeiro caminhãozinho de madeira. Quando cresceu, Calvo foi trabalhar em uma fábrica de cofres em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, onde aprendeu a soldar.

Com sua nova habilidade, o jovem trabalhador, que na adolescência admirava o tio pintor, decidiu usar parte do tempo livre para dar vazão a seus sonhos, ainda que não fosse uma carreira promissora.

"Meu tio estava sempre apertado, não prosperava. Minha mãe na época me disse que aquilo não dava dinheiro e que era melhor procurar outros cursos", lembra Calvo, sorrindo.

O rapaz, porém, não abandonou seu projeto artístico. Com as técnicas que aprendeu com o tio artista, passou a construir motos de brinquedo. "Eu trouxe para casa, meu cunhado viu e levou para uns amigos que compraram as três motos", conta.

O trabalho como soldador ficou ameaçado pela queda do faturamento da empresa. Calvo entrou em um acordo com o patrão, comprou umas ferramentas e passou a vender artesanato em uma feirinha em Curitiba.

Logo depois, desistiu da feira e passou a se concentrar em trabalhos maiores, que rendem mais dinheiro. Calvo já vendeu para clientes em Minas Gerais e no Acre. E a partir do metal fez uma araucária, símbolo do Paraná, que foi vendida para a Suíça.

Hoje, mesmo que não esteja rico, o artista sustenta a família com as suas peças. "Eu vendi uns trabalhos para São Paulo e há dois anos Mario da bienal viu, gostou e entrou em contato comigo", lembra o artista.

Conscientizar mais pessoas

Para o artista plástico, designer e escultor pernambucano Jota Azevedo, no que diz respeito à sustentabilidade, a Bienal do Lixo tem um diferencial em relação a outros eventos do gênero.

"É mais fácil conscientizar um número maior de pessoas em um curto período de tempo", aposta o artista, que acha esse um bom ambiente para se levarem grupos escolares. "É importante porque os estudantes aprendem ali, no mesmo momento", afirma Jota. Ele acredita que essa é uma boa forma de a juventude entender que coisas que são vistas como lixo podem servir para construir beleza.

Assim como Calvo, Jota foi uma criança que fez arte, literalmente. Ele gostava de criar seus próprios brinquedos, mas nesse caso movido pelo desejo de remontar algo. "Eu queria transformar, fazer algo único", conta o artista pernambucano, que usava como base para as suas invenções brinquedos muito populares e massificados da época, como Comandos em Ação e Playmobil.

Jota, que até hoje trabalha como designer, começou a levar a arte a sério na adolescência e em 2010 montou a sua primeira exposição. Seus principais materiais são plásticos e resíduos tecnológicos.

Ele nunca esteve em Salvador. Seu circuito de trabalho se concentra em Recife, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Da Bahia, conhece Paulo Afonso, como turista. E encara com certa curiosidade sua estreia na capital baiana. "Acho que vai ser legal trabalhar em Salvador. E também é mais pertinho de casa", diz, sorrindo.

Sucata

Natural de Ilhéus e formado pela Escola de Belas Artes da Ufba, em 1985, Goca Moreno estima já ter produzido mais de mil trabalhos artísticos com material reaproveitado, como sucata, madeira e resina. Contactado pela organização da bienal por meio da sua conta no Instagram, o ilheense elogia a iniciativa.

“É um evento que fala de educação ambiental, sustentabilidade e responsabilidade", destaca Goca, que na primeira metade da década de 80 trabalhou no ateliê de Mário Cravo Júnior, sua grande referência na arte. Depois de formado, retornou a Ilhéus e montou o seu próprio ateliê, onde produz até hoje.

"A minha madeira eu compro pronta, mas no início eu usava sobra de obras. Alguém estava construindo uma casa, eu ia lá e pegava", afirma o artista, que quando foi contactado pela organização da bienal fez questão de conceituar a natureza de suas matérias-primas.

"Eu falei para o cara que eu não sei se a sucata seria lixo, e 90% das minhas esculturas são feitas de sucata", pondera o artista ilheense, que com os seus atuais trabalhos precisa comprar chapas de aço.

"Meus projetos dialogam com temas contemporâneos por meio da experimentação material e reutilização, alinhando-se aos princípios de sustentabilidade", afirma Goca, que é sobrinho de Tati Moreno.

Ele já teve galerias no Centro Histórico de Salvador e mantém uma galeria em ilhéus desde 2007, mas calcula que mais de 60% de suas vendas são feitas pela internet.

Além das exposições e da exibição de filmes, a bienal contará com desfile de moda, oficina de reciclagem, miniusina de transformação, painéis de diálogo e a casa do futuro, feita com plástico reciclado. A programação completa está no site www.bienaldolixo.com.br.

Durante quatro dias, os artistas Calvo, Jota Azevedo, Goca Moreno, Cacau, Agatha Faveri, Gabriel Gombossy, Marina Moterle e Ocean Sole poderão mostrar ao público soteropolitano como é possível ressignificar materiais sólidos que fazem parte da rotina de oito bilhões de pessoas.

Nas palavras de Marina Moterle, o mérito do evento é abordar um problema global, o lixo, e fazer com que ele se torne matéria-prima criativa e educacional. O evento é gratuito, para todas as idades.

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