MUITO
Criatividade das editoras artesanais e independentes baianas e os desafios do mercado
Por Yumi Kuwano

É até possível que você não conheça muitas, mas isso não quer dizer que não existem. Em Salvador, há um circuito de editoras pequenas e independentes que pulsa, mesmo diante de tantos desafios impostos pelo mercado editorial. Com trabalhos belíssimos, essas editoras mostram bastante da personalidade e desejos de quem está à frente delas e arrebatam corações.
É o caso da Margem Press, de Léo Vieira e Nadine Nascimento, que nasceu a partir de um grupo da faculdade, batizado de Xinfrim, criado para discutir a história do impresso e do livro, sempre no viés do espaço urbano.
O primeiro trabalho, um jornal, foi distribuído em 6.500 cópias gratuitamente nas manifestações em prol da educação no início de 2019, o que gerou uma fagulha criativa para continuar com o trabalho. E foi o pontapé inicial para o que hoje se tornaria uma editora tocada pelos dois estudantes do curso de arquitetura e urbanismo.
A vontade era uma só: democratizar o livro, que, segundo Léo, ainda se encontra em um lugar de poder e de pouco acesso: “É possível quebrar essa lógica, com um modo de fazer diferente do praticado”.
O modo de fazer encontrado por eles foi publicar histórias que questionassem a própria construção das histórias lineares contadas por uma única voz, com o intuito de ampliar essas vozes da história da cidade.
Para isso, utilizam a estética da risografia, técnica que deixa a impressão sujinha, feita com uma impressora criada no Japão nos anos 1980 para viabilizar impressões de baixo custo em alto volume. E a serigrafia, processo de impressão à base de estêncil na qual a tinta é forçada através de um filtro para o substrato abaixo dela.
Quem também aprecia essas técnicas é a Editora Gris, criada por Lara Perl e Rafa Moo no fim de 2016, a partir de uma paixão pela fotografia. Inicialmente, a ideia era apenas uma experimentação na fotografia nos projetos da faculdade de comunicação e design, respectivamente.
Tudo era feito artesanalmente, costurado à mão, para organizar as ideias em livros, impressos em menos de cinco exemplares, mas começou a surgir demanda de circulação para tiragens maiores, aumentando para 20, 40, 80 exemplares. Hoje, eles chegam a 400, se for preciso, mas sem deixar de lado a característica lá do início.
Com a reforma tributária, o governo federal pretende taxar os livros, que têm isenção do PIS/Pasep e Cofins desde 2004. Caso seja aprovada, a proposta prevê o fim da isenção de contribuição e as vendas de livros no Brasil estariam sujeitas à alíquota de 12%, o que fará o valor dos livros para o consumidor final se tornar mais alto. O texto ainda não passou pelo Congresso Nacional.
Ao lado dessa polêmica, que uniu 1,4 milhão de pessoas em um abaixo-assinado contra a taxação do livro, está outro problema: a gigante Amazon pressiona os editores para oferecer descontos cada vez maiores.
Por esse motivo, Lara e Rafa nem pensam em colocar seus livros em grandes livrarias, pelo menos por enquanto. Atualmente, os livros editados pela Gris podem ser encontrados no site e em algumas livrarias independentes do país que cobram uma taxa de consignação de cerca de 35%, segundo Lara.
Além disso, eles acreditam que o público é diferente. “Estamos inseridos de alguma forma em um contexto de arte. Um lugar da fotografia, inicialmente, que se ampliou para a poesia, mas sempre com um interesse na imagem”, diz Rafa.
Para Sarah Rebecca Kersley, editora da Paralelo13S, a taxação de livros é perigosa, pois uma sociedade em que eles são mais caros e a produção fica limitada, não pode ser uma sociedade saudável, porque limita, sobretudo, as ideias e a liberdade de publicar novas coisas no Brasil.
“Não é bom para uma sociedade ter apenas grupos editoriais grandes, que são movidos só por lucro. O que une as editoras independentes é justamente o contrário. A taxação vai influenciar muito porque muitas não vão conseguir continuar publicando o que querem com esse aumento de custo. Quem perde são as editoras, os autores e a sociedade como um todo”, comenta Sarah.
Processos e pandemia
De acordo com Léo, 2019 foi um ano muito intenso para as editoras independentes. Existia uma efervescência cultural, um cenário de feiras, que possibilitou a publicação de vários livros e atingiu leitores novos. Mas, com a pandemia, isso diminuiu drasticamente, e o caminho tem sido ainda mais conturbado neste ano. “São mais etapas de produção porque a distância ficou maior”.
Segundo Lara, para definir a produção de um livro, primeiro é preciso analisar cada projeto, a partir de interesses em comum da editora e do escritor: “Aí conversamos para pensar nos caminhos possíveis. É um processo de imersão no conteúdo, hora de materializar a ideia e definir como contar a história com os recursos que temos, e só depois vem a parte prática para produção”.
Com a pandemia, as coisas também mudaram para a Gris. Aquela proximidade com os escritores ao longo do processo passou a ser menor – fisicamente, pelo menos. Mas o maior desafio ainda é o dinheiro para a produção dos livros.
A editora, que lançou três livros recentemente graças a recursos da Lei Aldir Blanc, vem buscando novos financiamentos para viabilizar outras produções, por meio de editais, por exemplo, e lançou uma loja virtual para ter um canal oficial e direto de vendas.
“Prezamos pelos processos artesanais, manuais, mas também buscar formas de crescer e atingir mais pessoas”, diz Lara. Para o futuro, um dos projetos desenvolvidos é um livro sobre o processo de construção da casa Mouraria 53, onde a editora Gris está localizada no centro da cidade.
Trocas
Apesar de ainda não ter tido lucro com a Paralelo13S nesses três anos de editora e 20 títulos publicados, o que é visto como natural no início do negócio, Sarah não deixa de ressaltar a enorme paixão pelo que faz e pela literatura.
Para ela, a pandemia tem sido positiva, no sentido de aproximar os leitores e escritores, por meio de lives: “É incrível um escritor aqui na Bahia falar com outros estados. Tem sido muito rica essa troca”.
A editora Duna também recorre ao digital durante a pandemia. “Procuramos nos abrir para acolher projetos externos e experimentar também o formato digital, alargando o nosso recorte editorial. Lançamos entre 2020 e 2021 os primeiros quatro e-books, que estão todos disponíveis para download gratuito no site da editora”, diz Lia Cunha.

“Hoje somos duas, eu e Isabella Coretti, mas para as nossas produções contamos com uma rede muito forte de parceiras, sobretudo mulheres, no design, ilustração, revisão, tradução, acabamentos. Vejo o mercado editorial no Brasil como um espaço de disputa de narrativas, um lugar para operar desvios e fissuras”.
Os primeiros experimentos editoriais da Duna foram lançados entre 2016 e partiam sobretudo de um desejo de pensar outros circuitos e possibilidades de relação com as pessoas a partir da sua produção como artista plástica, trabalhando principalmente as técnicas da fotografia e da gravura.
Entre as publicações, há as musicais, revistas e e-books. São aproximadamente 15 projetos nos cinco anos. A menor tiragem foi de cinco exemplares, de Sobre os pés de quem anda (2017), e a maior foi de Antídotos de uma Maria envenenada (2020), com mil exemplares.
Além de editora, a Duna hoje é também estúdio criativo que oferece serviços como oficinas e criações em design gráfico, editorial, ilustrações e processos fotográficos artesanais. “Estamos interessadas nos fazeres transdisciplinares e priorizamos os processos artesanais”, completa Lia.
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