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MUITO

Crônica: Amigas de infância

Luisa Sá Lasserre

Por Luisa Sá Lasserre

06/12/2020 - 6:00 h
"Sentada no parapeito da janela, eu avistava as nuvens e imaginava estar num avião, voando por aí" | Arte: Bruno Aziz
"Sentada no parapeito da janela, eu avistava as nuvens e imaginava estar num avião, voando por aí" | Arte: Bruno Aziz -

Durante toda a minha infância, ela foi uma amiga próxima. Gostava de passear de mãos dadas com ela e, ao mesmo tempo, a deixava correr solta do quarto à cozinha, passando pelo quintal. Eu era a única criança da casa e, na falta de outras amizades por perto, fazia dela minha melhor aliada para as tardes ocupadas pelo tédio.

Minha imaginação era, afinal, uma companheira fiel que me seguia pelos cômodos da casa. Foi ela quem me contou que, na sala de jantar, uma luminária presa à parede era, na verdade, uma câmera secreta que filmava tudo o que a gente fazia e registrava as nossas refeições em família. Sem saber, criava ali, bem na minha cabeça, a ideia de um reality show da vida real, bem antes de conhecer um “big brother”.

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Sentada no parapeito da janela da sala de estar, com vista para um terreno baldio, eu avistava as nuvens e imaginava estar num avião, voando por aí. Era tão fácil viajar de uma cidade a outra. Não requeria dinheiro algum nem demandava arrumar as malas. Paris ou Disney, tanto fazia. Ia e voltava quando queria. O céu era mesmo o limite.

No banheiro, durante o banho, o sabonete de repente virava uma barra de queijo suíço e eu era capaz até de falar outro idioma. Ganhava outro nome, outra personalidade. Mas era só entrar embaixo do chuveiro para me transportar para uma cachoeira (água fria ou morna, eu podia escolher). No meio de algum lugar cheio de magia, eu me renovava e me reconstruía.

Ao caminhar sobre a mureta de tijolinhos no jardim, era a imaginação, sempre tão esperta, quem me fazia descobrir uma escola diferente das tradicionais, onde aprenderíamos filosofia e artes. Um lugar onde ela teria espaço cativo, seria amiga não só minha, mas de todos os estudantes. Até nome criei para a tal escola. Céu aberto sobre minha cabeça e a imaginação voava solta. Sem saber, era ela a minha professora.

Como boa amiga, me apresentou também a outros amigos. Em comum, eles tinham uma característica bem peculiar: eram todos imaginários. Uma delas gostava de aparecer na varanda de casa, quando eu vagava sozinha a inventar histórias. Um dia fui flagrada conversando em voz alta. Não tive outra alternativa, a não ser apresenta-la formalmente à minha mãe. Elas nunca se viram, mas acho que simpatizaram uma com a outra.

Durante viagens que fazia de carro com meus pais, ganhava também companhia no banco de trás: uma família inteira de pequenos amiguinhos rendia pauta para boas conversas e brincadeiras. O carro seguia pela estrada, enquanto as histórias se desenrolavam dentro da minha cabeça.

Assim passei minha infância... Quando não estava montando narrativas com a imaginação, consumia as que já estavam prontas. Filha dos anos 80, assistia na televisão aos meus desenhos animados favoritos e aos programas populares, num cardápio limitado de conteúdos e horários disponíveis – veja só: Netflix e YouTube eram coisas que a gente nem imaginava. Também brincava na rua, andava de bicicleta e explorava o condomínio, que me parecia grande e cheio de aventuras. Ao meu lado, a imaginação me acompanhava a todo tempo.

Cresci, mas não perdemos a amizade. Hoje, com a correria da nossa vida contemporânea, nos visitamos menos. Nem sempre a gente se encontra. Já não brincamos tanto como antigamente. Mas, sim, sempre que preciso, recorro a essa velha amiga.

É preciso algum esforço para permitir sua liberdade sem amarras, confesso. Ainda assim, nos mantemos ligadas. Ao ter a imaginação como aliada, sinto ser capaz de voos rasantes e certeiros, e também dos mais altos.

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