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MUITO

Crônica: Uma jogada de mestre

Desde que me entendo por gente, fui guiada por uma forte intuição de que me tornar adulta não ia ser boa coisa

Por Clara Cerqueira*

13/10/2024 - 10:00 h
Confira a crônica deste domingo, 13
Confira a crônica deste domingo, 13 -

Desde que me entendo por gente, fui guiada por uma forte intuição de que me tornar adulta não ia ser boa coisa. Sofri durante anos pensando em quem iria me confortar nos momentos de tristeza, me alimentar nos momentos de fome e me dar apoio incondicional, quando minha mãe não fosse mais responsável por mim ou não estivesse mais entre nós.

Sim, desde pequena me assombra o evento inexorável de sua morte, com direito a pesadelos recorrentes e crises de choro sem motivo aparente. Passei a vida achando que sofria de síndrome de Peter Pan, mas eis que aos trinta e alguma coisa, afinal não sou obrigada a produzir provas contra mim mesma e não preciso publicar minha idade real no jornal, confirmo com absoluto conhecimento de causa que minhas expectativas eram reais.

Espero sinceramente, caro leitor, que esse não seja o seu caso, mas aqui do meu lado do jardim, a grama não está muito verde. Encontro-me real e oficialmente em situação de total desilusão com a vida depois dos trinta e é chegada a hora de desabafar. Eu achava que ia ser ruim mesmo, mas nada me preparou para o mundo do trabalho no século XXI.

Alguém pode me explicar em que momento perdemos todos os direitos trabalhistas e ficamos apenas com a possibilidade de levar sarrafo de patrão? Alguém pode me dizer o que as gerações anteriores estavam fazendo para chegarmos até aqui e ainda ter que sorrir? Não me conformo com essa situação e é lógico que a primeira pessoa que levou a culpa foi minha mãe.

Decidi, portanto, reclamar a quem de direito.

Liguei para ela desaforada, dizendo que quem pariu Mateus que balance, que eu não queria mais essa vida de ter que me sustentar e que a responsabilidade era dela. Muito calmamente, minha mãe replicou que quando saí de casa, eu nem sequer me dei ao trabalho de avisá-la e que agora eu me virasse. Fiquei sem argumentos diante de sua recusa veemente em fazer de mim o que intitulei de filha-troféu, mas tive que engolir e partir para outra estratégia, uma vez que desistir ainda não era uma opção. Foi assim que me veio a ideia de levar minhas demandas para o homem que diz me amar.

Em um movimento que denota grande falta de perspicácia de minha parte, cheguei exigindo que me sustentasse, visto que eu faço comida, cuido da casa, sou bonita e dou pra ele. O sorriso em seu rosto me fez compreender imediatamente o quão péssimo havia sido meu cálculo: ele tem tudo isso sem precisar me sustentar, por que mudar? Ameacei greve de sexo, ensaiei parar de cozinhar, esperneiei, mas nada deu o resultado esperado. Cansada, mas ainda longe de estar derrotada, elaborei outra artimanha: o constrangimento social.

Passei a repetir para todos os amigos, conhecidos e passantes que eu queria ser esposa-troféu e que meu marido não queria me bancar. Todo mundo me achou muito engraçada, mas ele continuava calado. Algumas amigas me apoiaram, outras disseram que preferiam ser herdeiras. Eu até gostaria de ter uma herança, mas para tanto precisaria encarar a morte dela, lembra? Não me cai bem. Enfim, fato é que no dia em que ele decidiu abrir a boca, foi que percebi a verdadeira cilada em que havia me metido. Ele disse: amor, eu na verdade quero ser seu esposo-troféu.

Resultado, eu criei um monstro, que diz querer ficar em casa desenhando, ir para a academia e se colocar à disposição de qualquer desejo libidinoso de minha parte, com o bônus de não precisar pensar na administração da casa e das finanças, uma vez que ele é macho e não fêmea. Agora diga, essa foi ou não foi uma péssima jogada? Depois de tudo isso, me dei finalmente por vencida e vim trabalhar, que é o que me resta.

*Escritora

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