Crônica: Viagens e pausas

Tiramos uns dias de férias para viajar de carro. Fizemos alguns bons quilômetros rumo ao sul da Bahia, passando por diversos povoados, cidades e paisagens. Quase um dia inteiro dentro do carro com duas crianças. Dá tempo de quase tudo: alegria, animação, fome, tédio, chateação, briga, sono, risada e, novamente... fome! Se fôssemos de avião,certamente teríamos uma viagem bem mais rápida, mas não viveríamos as mesmas emoções nem veríamos as paisagens que se descortinam: quando vamos de carro, olhando pela janela, a vida se mostra à beira da estrada. Ali há bois pastando na encosta, à frente corre um riacho, ao lado da casinha tem uma árvore frondosa e florida; olha ali o cavalo, uma queda d’água no meio da mata mais adiante; vejam, a paisagem já mudou! Assim, vamos seguindo viagem, acelerando quando a pista está livre e larga, pisando no freio ao passar pelos povoados ou ao cruzar com carretas, fazendo algumas paradas para ir ao banheiro, abastecer e esticar as pernas. E, então, nos damos conta de que parar é preciso. Em um mundo que se move tão rápido, com tantas informações, demandas e muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, se manter ativo e em movimento é necessário para não se deixar ser engolido pelo turbilhão. Mas saber pausar é crucial. É na pausa que a gente olha melhor ao nosso redor e repara no que nem sempre damos atenção quando estamos com o motor ligado. Na pausa, a gente deixa um pouco de lado o que tem que fazer – ou deveria ter – para encarar um pouco mais de si mesmo e do outro. A pausa aprofunda e refaz. Pode ser assim num fim de ano, durante o recesso ou em plenas férias, colocando as pernas pra cima, tomando banho de mar e esquecendo do que acontece lá fora. Se ausentar da rotina e do bombardeio de notícias faz bem. Se perder no calendário, não saber que dia vai ser amanhã ou quantas É preciso saber pausar também no dia a dia, enquanto a roda viva continua girando. Pequenos intervalos de respiro a fim de retomar o fôlego em meio às turbulências de uma maré agitada horas fazem desde que você deitou naquela rede para ler um livro. Quando a gente retorna ao cotidiano, volta com novo gás. Pronta para recomeçar,refazer os trajetos, retomar as tarefas. Mas colocar o pé no freio e parar não é algo a se fazer só nas férias ou na estrada, quando se precisa abastecer o tanque ou esvaziar a bexiga. É preciso saber pausar também no dia a dia, enquanto a roda viva continua girando. Pequenos intervalos de respiro a fim de retomar o fôlego em meio às turbulências de uma maré agitada. Aquela pausa para o café e um bate-papo sem compromisso, aqueles minutinhos de contemplação do céu e das árvores que balançam com o vento, aquele tempo de caminhada sem pressa, aquela leitura por puro prazer. Encontrar pequenos deleites em meio à rotina nos faz viver com mais presença e satisfação. Colecionar tarefas tiradas da lista de afazeres não é algo que nos preenche de verdade. Passamos a viver em modo acelerado e disperso por tantas urgências, necessidades e vontades. Queremos resolver tudo e, em meio à corrida para fazer sempre mais, acumulamos algumas frustrações. A gente não admite ficar parada e, por isso, corre em busca de conquistar o mundo, sonhando com férias de três meses e ano sabático. Baita contradição: vai de carro para apreciar a paisagem, mas quer chegar ao destino final como se fosse de avião. Ou o contrário: pega um voo que faz chegar rápido, mas lamenta não enxergar cada paisagem que se desenha ao longe, lá embaixo. Nem sempre correr vai tornar o trajeto melhor ou menos demorado. Às vezes, tudo o que basta é tirar o pé do acelerador, reduzir a marcha e contemplar a viagem, parando no meio do caminho,sempre que der vontade. Ainda que de avião, não tem jeito: pousar é preciso. Pausar também.