MUITO
Dadá assume os desafios do distanciamento social com a excelência de sempre
Por Gilson Jorge

Aos 5 anos de idade, Rafaela Figueiredo ajudava a mamãe Aldacir dos Santos, dentro do possível, a fazer comida. A cozinha se tornou a fonte de sustento da família desde o momento em que a gravidez de sua mãe foi anunciada aos patrões e ela perdeu o trabalho de empregada doméstica.
Rafaela, agora com 34 anos, acompanhou de perto Aldacir se tornar Dadá, uma das cozinheiras mais famosas da Bahia. E desde o último mês de março, quando começou a quarentena, sai com o carro todos os dias úteis da semana por volta das 11h para entregar quentinhas de feijoada, sarapatel, maniçoba, moquecas, mocofato, em diferentes pontos da cidade e até no litoral norte, às vezes. O serviço foi batizado de Delivery da Negona. A depender do dia, saem dois, três, 20 pratos.
É um novo recomeço para a mulher que, desde a demissão em sua única experiência como empregada até o sucesso como empreendedora, teve sempre que descobrir uma nova receita para superar os problemas. Que não foram poucos. A perda de um irmão que morreu atropelado. A conseguinte morte da mãe, que não suportou a notícia da tragédia. Brigas com sócios e problemas administrativos que levaram à perda do tradicional ponto no Alto das Pombas e perdas financeiras.
“Dadá é ingênua. Deixou muitos roubarem. Mas eu estou firme e forte junto com ela na tarefa de vender quentinhas”, afirma Rafaela. O lema das duas é: vai passar, diz.
Dadá está pondo a mão na massa desde o seu próprio apartamento no Alto do Itaigara não apenas para pagar as contas, mas também para quitar débitos trabalhistas do restaurante Sorriso da Dadá, no Pelourinho. O negócio, que tem nos turistas uma clientela importante, já sofria com a queda de movimento, e o fechamento agravou sua saúde financeira. “Negão, meu aniversário foi 20 de março (uma semana depois do início da quarentena). Eu já vinha pensando que este seria um ano de mudança, quando veio a pandemia”, diz Dadá, com a voz embargada.
Ingrediente
A mudança, segundo ela, poderia ter sido até a venda dos bens com uma mudança para o exterior. Mas esse novo ingrediente chamado coronavírus, que mudou os planos de tantas pessoas, afetou em cheio o planejamento de Dadá.
“Quando veio a notícia da pandemia, a gente não sabia por quanto tempo o restaurante ia ficar fechado. Aí veio a ideia de fazer as quentinhas, negão”, conta a cozinheira, que desde o início da década de 1990 mantém o negão e negona como uma espécie de pronome de tratamento utilizado com qualquer interlocutor.
Assim eram recebidos na casa do Alto das Pombas os publicitários, artistas, empresários e políticos que durante anos frequentaram a casa simples, perto de um cemitério, para a qual acudiam almas ávidas por experimentar os sabores e aromas que extrapolavam os limites de Salvador e transformaram a dona da casa em uma atração turística.
A cidade, que tinha até então como referência local de mídia os pratos apresentados na TV por Elíbia Portela, tinha gerado sua primeira celebridade popular baiana a virar uma marca reconhecida em todo o território nacional. Estar no restaurante de Dadá nos verões da década de 90 fazia parte da experiência baiana no auge da axé music. O Feijão Vip da Dadá, que este ano aconteceu no Wish Hotel da Bahia, transformou-se em um dos eventos mais disputados do calendário baiano.
O sucesso das festas, em ambientes sofisticados, impulsionou também iniciativas sociais. Em maio do ano passado, Dadá fez um feijão para 800 pessoas e a renda obtida com a venda dos pratos foi revertida para a obra da Paróquia da Ascensão do Senhor, na região do Centro Administrativo da Bahia.
Mesmo este ano, com as dificuldades financeiras, Dadá afirma que segue fazendo sopas para distribuição entre moradores de rua. “A gente pega um feijão, uma carne e faz o que dá”, diz a cozinheira, que quando decidiu fazer quentinhas precisou pedir dinheiro a pessoas próximas para comprar o material do primeiro sarapatel. “Muitas amigas minhas cozinheiras estão na mesma batalha. É difícil. Você vende o prato por R$ 45, a outra vende por R$ 35. Mas a gente pede uma da outra”, relata.
A mão de Dadá para o tempero, que começou a ser aproveitada por uma questão de necessidade após a perda do emprego, mudou a trajetória de vida da menina que nasceu na barriga de uma ex-empregada doméstica. “Eu consegui tudo, boa educação, muito amor, boas escolas, intercâmbio para o Texas, faculdade... Mas, para mim, o melhor de tudo é que ela me ensinou o que é amor, respeitar ao próximo e que sem luta não há vitória”, declara Rafaela, que chegou a cursar administração na Unifacs, mas não concluiu o curso.
Rafaela acredita que o momento trouxe ainda mais união entre a família. Além da disposição em botar a mão na massa para retomar o padrão que Dadá e seus parentes já tiveram, graças à sua comida. “Ela me ensinou muito. E humildade e honestidade acima de tudo”, conclui.
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