CRÔNICA
De cabelo em pé
Leia a crônica de hoje
Por Franklin Carvalho*

O escritor Evanilton Gonçalves, autoridade no bairro do 2 de Julho, já relatou aqui a experiência de cortar cabelo numa barbearia ao ar livre, em plena rua, ali no Centro de Salvador. E é com algum atrevimento que eu lhe imito o tema, demandando a sua dele tolerância, confiando no compadrio de longa data.
Fato é que, entre a Avenida 7 de Setembro e a Rua Carlos Gomes, na altura do Relógio de São Pedro, há um tal Beco do Mocambinho, com teto de acrílico em todo o seu comprimento, e o que deveria ser uma simples passagem de pedestres se converteu num salão de ao menos dez cabeleireiras e outras tantas manicures que botam suas cadeiras no calçadão e estão sempre em serviço. Vez ou outra há ali algum rapaz atuando, mas a grande maioria é de belas trabalhadoras e clientes.
Há alguns dias, no entanto, fui interceptado naquela via por um moço e por isso parei, para aparar os meus poucos cabelos. Veja que é hábito meu cortar cabelo somente com homens, primeiro por um costume que me acompanha desde criança, quando o velho Dilau, um barbeiro na minha cidade do interior, homem preto magérrimo, comentava as notícias com seus fregueses, num estabelecimento simples. Ao longo dos anos, outros velhos e jovens passaram a mão pela minha cabeça, com mais ou menos talento, e depois eu descobri um fato que me fez distinguir barbeiros e cabeleireiras: essas últimas preferem atender mulheres, porque o orçamento do serviço é bem mais alto, com procedimentos e material mais caros. Quem me disse isso foi justamente uma cabeleireira que dispensava os cortes masculinos, inclusive quando eu solicitava.
Então eu estava passando pelo beco do Mocambinho quando ouvi o chamado de um rapazinho miúdo, franzino, apelando para me fazer a tosa. Eu vinha com uma aparência deplorável, porque acho difícil encontrar gente como Seu Dilau, que conversava mas era ágil, não se demorava alisando o cliente, recortando mil desenhos, repetindo passos ou tentando empurrar sua religião no ouvido dos fregueses. Achar um profissional comedido nos dias de hoje é tarefa difícil.
Eu não sei onde eu estava com a minha cabeça quando deixei aquele rapaz miúdo, que mais parecia um hindu com guarda-pó, me cobrir com a sua toalha esfarrapada e arrancar os meus pelos com uma máquina de lâminas cegas, que me dava beliscões no couro cabeludo. Quando ele me cortou ao aparar a costeleta pareceu desesperado, e catou das cabeleireiras vizinhas, que tinham mais equipamentos e serenidade, o álcool e o algodão para deter o sangue que não estancava. Embora atento às falhas, eu ria intimamente.
Diga-se de passagem que, ao menos, o corte ganhou um bom formato, e o moço bateu a meta que combinamos previamente: completar o trabalho em menos de 15 minutos. Tanto que lhe dei gorjeta, para incentivá-lo.
Hoje fui fazer compras na área e atravessei o beco novamente. As cabeleireiras continuavam lá, em plena atividade, com o burburinho de muitas clientes, como se houvesse chovido noivas. Não vi o hindu, mas ele tinha me dito que às vezes cortava em sua própria casa, em um bairro distante. Tomara que tenha comprado aparelhos novos. E tomara que leia esta crônica, para assegurar-se do talento que possui.
Quanto aos outros por aí, tento entender porque as pessoas colocam tanto acessório e tanta demora nessa tarefa básica e antiga de aparar os fios alheios. Dalila fez isso com Sansão enquanto ele dormia!
Em alguns casos, entendo, é para aumentar o preço das coisas. No carnaval, peguei umas cervejas num bar que era todo pintado de preto e amarelo, com tonéis pretos na porta e janelas de vidro fumê. Quando entreguei a bebida a um amigo que esperava na rua, ele ficou incrédulo, jurando que eu tinha ido buscar numa barbearia gourmet. Tal é o jogo de imitação hoje em dia.
— É um bar, é um bar! — Precisei asseverar.
Longe de mim essa falsa granfinagem. Sou mais Dilau e o hindu.
*Franklin Carvalho é autor de Tesserato – A tempestade a caminho (Ed. Noir)
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