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OLHARES

Desenhos e vivências sexuais

Artista baiano Brólin Hora publica desenhos com temática homossexual nas redes e vende no Brasil e exterior

Por Luiz Freire* | [email protected]

19/12/2022 - 8:00 h
Aos 27 anos, Brólin quer contribuir para a naturalização do tema
Aos 27 anos, Brólin quer contribuir para a naturalização do tema -

Temos muitos antecedentes culturais que nos falam de uma vivência sexual sem culpa, lúdica, diversa, prazerosa e até violenta. As pinturas rupestres do sítio arqueológico da Serra da Capivara, no Piauí, abundam em cenas sexuais, de muitas modalidades, inclusive sexo grupal, masturbação e estupro. O que pretendiam nossos ancestrais com esses temas? Seriam registros comportamentais para serem seguidos pelos novos indivíduos, ou fantasias sexuais?

Embora estejamos distantes de respostas precisas, fica evidente que essas populações tinham outro tipo de relação com o corpo e o sexo, principalmente, se considerarmos a sexualidade dos povos originários observados e descritos pelos antropólogos, desde o século 20.

A hegemonia da moral cristã, constituída desde a antiguidade como antítese das práticas sexuais dos greco-romanos politeístas, centrou a normatização da prática sexual no modelo heterossexual e procriador, condenando outras práticas, sobretudo as homossexuais.

A homossexualidade foi alvo de repressão, castigos, tortura e morte na Idade Média europeia através do Tribunal do Santo Ofício (Santa Inquisição - Século 12 a meados do século 15), cuja atuação estendeu-se até o século 19, fortalecendo-se no século 16, face a Reforma Protestante.

O peso dessa condenação e repressão continua a assombrar uma parcela da comunidade mundial, determinando a opressão, morte, exclusão e violência, sobretudo nas teocracias ainda vigentes.

O certo é que o corpo nu, a sexualidade em geral e a homossexualidade foram associadas ao pecado, o que interferiu nas relações que as culturas indígenas e dos negros africanos estabeleciam. Inculcaram-se através da catequese valores cerceadores, não sem tensões ou manutenção clandestina das práticas e das expressões artísticas a elas relacionadas.

Revoluções culturais havidas no século 19 redimensionaram a questão colocando no centro das atenções o reconhecimento do direito humano de os homossexuais existirem, amarem e exercerem a sexualidade em plena liberdade e igualdade de direitos. Contudo, essas conquistas continuam a enfrentar o embate com o pensamento conservador e as interpretações dos religiosos radicais, sendo a violência responsável por um índice alto de mortes no Brasil.

Com 27 anos de idade, Brólin Hora produz e publica no Instagram (brolin.art), constantemente, desenhos cuja temática é a sua vivência homossexual. Ele o faz com grande fluência e naturalidade, enfrentando as restrições das redes sociais. Optou pelo desenho em “hachura” depois de ver uma exposição de gravuras de Albert Durer na mostra Mestres da Gravura, 2014, no Museu de Arte da Bahia.

Incursionou na arte no Colégio Batista Taylor Egidio, em Jaguaquara, cidade natal. Lá, desenhava à caneta histórias em quadrinhos, cuja personagem principal era uma mulher trans (Piu Piu). A turma aguardava ansiosa pelos novos episódios. Piu Piu era garota de programa, tinha superpoderes, e aparecia em cenas de ação e comédia, poucas de sexo. Os colegas se interessaram muito pelas narrativas e até viravam personagens.

Concluído o segundo grau, contou com o apoio dos pais para ingressar, em 2014, na Escola de Belas Artes da Ufba, apesar de eles não serem da área. O pai é empresário e a mãe enfermeira.

Planejava ser tatuador, mas no último ano do bacharelado em Artes Plásticas, 2019, definiu-se pelos desenhos “homoeróticos, homoafetivos”, produzindo conteúdos para as redes sociais a partir do “inktober”, um evento anual, que ocorre durante o mês de outubro, de grande visibilidade, em que é lançado um desafio para os ilustradores de todo o mundo: é dada uma lista de temas e os participantes devem produzir um desenho por dia.

Brólin notou que seus desenhos sexuais obtinham grande sucesso, vindo daí o estímulo para continuar a produzir, somado à necessidade de expressar suas preferências e as próprias práticas sexuais. Estabeleceu os referenciais, inspirando-se em ilustradores orientais como Manroec (China) e Mentaiko Itto (Japão) e o europeu Tom of Finland.

O artista utiliza-se do Instagram e Twitter como vitrines para divulgação do seu trabalho, mas a comercialização se dá pelo Patreon. Nessa plataforma, ele posta o seu conteúdo exclusivo composto de cenas tórridas e explícitas de sexo e amor homossexual, mediante assinatura mensal, sem a censura imposta pelas redes. Aí ele também recebe encomendas (comissions) feitas por casais enamorados para terem suas fotos de afetos e cenas íntimas eternizadas pelo desenho realista e Pop.

Para além da temática engajada com as modalidades sexuais contemporâneas, o desenho de Brólin tem a sua marca: linhas negras, mais espessas, seguras e precisas delineiam os corpos em várias posições e ângulos; corpos predominantemente jovens, também maduros, tanto musculosos quanto lânguidos, quase sempre tatuados, bem-dotados, imberbes ou peludos, viris e sedutores.

O detalhamento desses corpos é feito através de hachurado fino, demarcador das sombras, barbas, bigodes, sobrancelhas e volumes. Por vezes as cabeleiras ou os corpos são destacados por cores: azul, rosa, verde. Cria personagens, alguns inspirados em si mesmo, o que atiça a fantasia de seus seguidores/clientes e outros que brotam de sua imaginação.

Participou de uma Feira Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte, um evento grande, bianual, promovido pela Prefeitura Municipal. Expôs pela primeira vez sua arte erótica disponibilizando duas pastas, uma com desenhos +18 e outra com conteúdo livre. A pasta +18 fez enorme sucesso. Os pais deixavam as crianças de lado para verem os desenhos proibidos. As vendas não foram muitas, pois a exibição desses desenhos é problemática em ambiente doméstico, mas houve uma aceitação inesperada.

Embora seu nicho de mercado se restrinja às visualizações nas redes e encomendas de originais oriundas predominantemente de São Paulo, Rio de Janeiro, do norte do país, Amapá, Mato Grosso, o artista já vendeu para quase todo o Brasil e para alguns países como Canadá, EUA, México, Bolívia, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, etc. O volume de comercialização é suficiente para lhe manter financeiramente.

Kamasutra

A geração de Brólin não conheceu os “catecismos”, revistinhas impressas com enredos sexuais desenhados, vendidos nos fundos das bancas de revistas e consumido por adolescentes e adultos, nem tampouco viu o homoerotismo das pinturas de Carlos Bastos, ou mesmo o álbum de desenhos, um kamasutra homossexual, produzido em 1956, provavelmente para um empresário carioca, seu amigo.

O álbum pertenceu ao artista e museólogo Emanuel Araújo, que me concedeu acesso. Os desenhos não estão assinados, mas o estilo inconfundível de Bastos pode ser reconhecido. Bastos encartou as pranchas em um portfólio azul com uma portada ornada ao gosto maneirista e as iniciais “CB” no canto inferior.

Neles, o tema, tratado com grande naturalidade, afetividade, espelha a vivência de homossexual assumido, socialmente aceito e querido. Reflete suas preferências e conhecimento do culto ao deus Príapo dos romanos antigos.

Brólin, que deve o seu nome à admiração de seu pai pelo jogador sueco Thomas Brólin, destaque na Copa do mundo de 1994, um ano antes do seu nascimento, almeja reconhecimento para a sua arte e espera contribuir para a naturalização da temática. Afinal, somos herdeiros de culturas que assumiam o corpo e a sexualidade como fonte de prazer e celebração da vida.

*Doutor em História da Arte, professor da Escola de Belas Artes (Ufba) e museólogo

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