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OLHARES

Desvendando a Caixa Preta

Confira a coluna OIhares

Por Cristina Damasceno*

16/02/2025 - 4:00 h
Ponte do Brookyn
Ponte do Brookyn -

A magia da câmara escura tem como protagonista a luz, tendo um elo com a ciência e a arte. Sua utilização, como peça-chave para a invenção da fotografia, ampliou o modo que vemos e percebemos o mundo. Partindo de um fenômeno natural conhecido muito antes de Cristo, a camera obscura, assim chamada em latim, já era utilizada na Ásia Oriental, como um ponto de observação para eventos astronômicos.

O filósofo grego Aristóteles descreveu que ao furar um pequeno orifício na parede de um quarto escuro, a paisagem exterior era projetada de maneira invertida na parede oposta do recinto.

Entretanto, só no século 10 que o arabe Ibn Al-Haytham, chamado no ocidente como Alhazen, desenvolveu um dos mais importantes tratados sobre a ótica. Embasado pelo efeito da câmara escura, foi possível explicar particularidades do funcionamento da visão.

Em seus experimentos e estudos sobre a natureza da luz, ele constatou que a propagação retilínea dos raios luminosos permitia criar uma imagem invertida por meio de um simples furo.

Como instrumento óptico, a estrutura da câmara e do olho têm funções bastante semelhantes. Muitas são as comparações entre o globo ocular e as características de uma câmera escura, a citar: os raios luminosos que entram pela pupila atravessam a lente e, ao chegar à retina, paredes do olho, uma imagem de cabeça para baixo é projetada.

No Renascimento, artistas substituíram o quarto escuro por uma tenda e o furo por uma lente de vidro, dispondo do efeito da projeção em um dos lados da câmara para elaboração da perspectiva de seus desenhos e pinturas. Posteriormente, a câmera escura foi reduzida a uma caixa portátil com as paredes internas escuras e um melhor sistema óptico.

Além de sua função científica e artística, a câmera escura nos séculos 17 e 18, foi também utilizada por mágicos e charlatões em espetáculos ilusionistas com o objetivo de criar “aparições”.

Hoje, com todas as transformações tecnológicas da fotografia, artistas continuam interessados pelos efeitos promovidos pela câmara escura. Um exemplo conhecido internacionalmente é o artista cubano Abelardo Morell.

Mestre em Artes Plásticas pela Universidade de Yale, Morell foi professor de fotografia no Massachusetts College of Art. Nos anos 1990, em uma de suas aulas, ao demonstrar os princípios da câmera escura, ele começou a se interessar pelo processo e transformou alguns cômodos de sua casa em uma câmera.

Para conter a incidência de luz, ele cobriu as janelas e fez um pequeno furo em um dos lados do revestimento. Com uma máquina de grande formato e filme preto e branco, fotografava as imagens projetadas no interior dos recintos. Todo o procedimento carecia de longa exposição, cerca de três a cinco horas.

Inicialmente, o artista produziu uma série intitulada Camera Obscura – viajava e escolhia para se hospedar em lugares estratégicos no sentido de criar suas composições.

Muitas vezes a paisagem externa selecionada eram cartões-postais: a famosa ponte de Manhattan; Coliseu, em Roma; os campos bucólicos da Toscana; Central Park, Nova York, entre outros. Em seguida, ele aprimorou sua técnica com um prisma, corrigindo a inversão da imagem e começou, também, a fotografar a cores e com a tecnologia digital, fato que possibilitou o uso de tempos mais rápidos com o obturador.

Continuando com suas investigações, deu início a outro projeto denominado Tent Camara. Realizado em um ambiente escuro de uma tenda, Morell trocou, como pano de fundo para as projeções, a superfície plana da parede pela textura do chão. A aparência subjetiva das fotografias é resultado da mistura da reflexão da paisagem de fora com a estrutura do solo.

Pinhole

É importante ressaltar que existem muitas possibilidades de se construir uma câmera escura, suas dimensões podem variar do tamanho de um quarto até uma caixa de fósforo. Eu, particularmente, gosto muito de uma lata. Sem dúvida, os experimentos e a notável obra de Morell despertam muita curiosidade e servem como influência para vários artistas.

Adelmo Santos é um de muitos artistas que admira as fotografias de Morell. De volta para o ponto de partida da história da fotografia, ele usa o recurso em suas poéticas, bem como oferece cursos com a temática.

Adelmo conta que desde cedo foi seduzido pela fotografia. Quando criança, usava a máquina de seu pai, uma Kodak Instamatic de filme cartucho 126 que fazia os registros de momentos especiais na família. Contudo, seu interesse se solidificou no período que cursava arquitetura e teve como professor Jamison Pedra, arquiteto, artista e fotógrafo.

Jamison foi também correspondente de uma das principais revistas nos anos 1970, chamada Realidade. Tinha um currículo fotográfico com premiações em salões e ainda a participação na 12ª Bienal Internacional de São Paulo com trabalhos fotográficos experimentais.

Foi nas aulas da disciplina de Plástica que Adelmo decidiu se aprofundar na técnica fotográfica com o incentivo do nobre professor. Logo, Adelmo acabou migrando da carreira de arquiteto para fotógrafo profissional.

“A arte fotográfica me conquistou quando descobri por meio da história da fotografia todo o processo do seu surgimento e o princípio da formação da imagem através da câmera obscura. Então, comecei a pesquisar absolutamente tudo sobre a fotografia estenopeica, conhecida por fotografia pinhole”, afirma.

Derivado da língua inglesa, pinhole significa furo de alfinete e se refere a uma câmera artesanal. Um dos primeiros a utilizar a expressão foi o escocês David Brewster, em 1856. É sabido que no final do século 19 a técnica se tornou popular nos clubes de fotografia pelos praticantes do movimento Pictorialista por produzir um efeito que se aproximava das pinturas impressionistas, a exemplo de George Davison, um dos fundadores da Linked Ring, sociedade britânica dedicada ao avanço da fotografia artística.

Há cerca de 20 anos, Adelmo pesquisa sobre a técnica pinhole capturando imagens com papel fotográfico em qualquer tipo de película, como também com a câmera digital. Para ele, produzir imagens através de processos históricos o conduz a caminhos nos quais sua poética conquista características que não seria possível estabelecer por outros meios de produção. “As fotografias são desprovidas de apuros técnicos e esse primitivismo despojado me conquista na minha produção imagética,” declara.

Com especialização em arte e educação e mestre em Artes Visuais, Adelmo descreve sua experiência com muitos dos seus estudantes sobre a técnica pinhole. Ele percebe que os alunos se deslocam de um contexto linear e tecnológico, no qual estão inseridos naturalmente, e se transportam para a produção de um universo baseado nos primórdios da fotografia. Esta vivência proporciona que o participante estabeleça novos sentidos e compreensão da fotografia.

Algumas das séries primorosas concebidas com a câmera estenopeica são cenas urbanas em lugares conhecidos que proporcionam ao espectador desvendar camadas do tempo frequentemente não percebidas no frenesi do cotidiano.

Portanto, a subjetividade de experienciar a fantasia da realidade proporcionada pela câmara escura pode ser um instrumento profícuo para despertar a consciência transitória do passado e do presente.

*Doutora em Artes Visuais e professora da Escola de Belas Artes (Ufba)

*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE

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