MUITO
Dimenti celebra trajetória com programação festiva
Evento ocorre entre os dias 4 e 7 de julho e enaltece potência criativa da produtora
Por Gilson Jorge
No final do ano passado, a Dimenti Produções Culturais precisou deixar o seu escritório nas dependências do Goethe Institut Salvador, que ocupou durante oito anos. A antiga escola de alemão mudaria seu foco de atuação na Bahia para a formação no idioma de enfermeiros que vão migrar para o país europeu e pediu o espaço de volta.
Depois de alguns meses à procura de um imóvel para instalação da sede própria da Dimenti, uma das integrantes da equipe, Larissa Lacerda, encontrou uma casa no Rio Vermelho que havia sido ocupada como garagem de um condomínio por 19 anos, sem grandes intervenções, e estava com equipamentos obsoletos.
Larissa fez um projeto de reforma para o espaço, alugado em abril deste ano, e esta semana será aberta ao público a Casa Arte dá Trabalho.
A inauguração do novo espaço será marcada por uma programação cultural que inclui quatro eventos. O primeiro, no dia 4 de julho, às 18h30, é a leitura da peça Chá de Cogumelo, o segundo espetáculo teatral produzido pela trupe, em 1999, quando o coletivo se chamava Grupo Dimenti. Na sequência, acontece a exibição da série audiovisual Web Strips e do longa-metragem Pinta, de 2013, no Cine Glauber Rocha.
Para completar a comemoração, nos dias 6 e 7 de julho será exibida a performance A Biblioteca das Crianças, obra inédita feita em colaboração entre os artistas brasileiros Jorge Alencar e Neto Machado, da Dimenti, e os alemães Melanie Mohren e Bernhard Herbordt, que se apresentam em vídeo desde Stuttgart.
Assim como aconteceu a parceria com os alemães do grupo Die Institution, a inauguração da Casa Arte dá Trabalho aponta para a colaboração entre a Dimenti e outras empresas do setor cultural atuantes em Salvador e em outros lugares.
"Pensamos em uma espécie de condomínio cultural", define Ellen Mello, uma das fundadoras da produtora, juntamente com Jorge Alencar.
Para satisfazer as necessidades do grupo, a nova casa precisaria ter um tamanho maior do que o espaço do escritório no Goethe. Porque embora, formalmente, a Dimenti ocupasse apenas uma sala no instituto, havia a possibilidade de uso das outras dependências, como o pátio, o teatro e a galeria.
"A gente já está começando a utilizar a casa para oferecer formação, pequenos cursos, oficinas, ensaios e palestras", pontua Ellen, ressaltando que o lugar não comporta espetáculos, mas pode abrigar pequenas mostras.
O nome Casa Arte dá Trabalho é uma referência ao lema da 14ª edição do IC Encontro de Artes, realizado em 2021, uma das principais atividades promovidas pela Dimenti, que está comemorando 26 anos de existência.
"Arte dá trabalho é um lema que a gente vem carregando há alguns anos e que surgiu durante a pandemia, quando a vulnerabilidade do setor cultural estava muito forte, flagrante, gritante", destaca Ellen.
Quando começou a dar os primeiros passos na produção cultural, em 1998, Ellen tinha 17 anos, era estudante de comunicação social e ainda se movia de forma intuitiva pela área, sem ter certeza de que era esse o seu campo de trabalho.
A jovem reuniu uns amigos e montou a sua primeira produção teatral, a encenação de O alienista, de Machado de Assis.
"Era um livro que caía no vestibular e a gente aproveitou esse mote. A Dimenti já surgiu com essa ideia de sustentabilidade. Era um trabalho que, provavelmente, teria a demanda de apresentação nas escolas", defende a produtora. A ideia deu certo e a peça ficou 10 anos circulando entre estudantes, com direção de Jorge Alencar.
O nome do grupo acabou surgindo em função da peça, pois o texto de Machado fala em loucura e demência. "A gente não sabia que formaria um grupo, mas havia o espetáculo e precisávamos de um nome. Aí surgiu Dimenti, que tinha a ver com demência", explica.
Entre os muitos estudantes que assistiram ao espetáculo à época, havia uma estudante de Letras que, por recomendação do ex-seu professor de redação no Colégio Sartre, Israel Adrião, foi ver a peça. Era a escritora Marina Martinelli, autora do livro de poemas Digamos que seja um caderno, contemplado pelo Selo João Ubaldo Ribeiro em 2023.
"Fiquei completamente fascinada pela 'sejogância' daquelas pessoas, adolescentes como eu", lembra Marina, que se tornou amiga de algumas pessoas do grupo e, anos mais tarde, foi convidada a integrar a equipe de produção do então Grupo Dimenti, onde permaneceu por quatro anos, até decidir se dedicar à escrita. "O amor continua, só retomei o meu assento na plateia", afirma Marina.
A escritora recorda com carinho de momentos de confraternização com membros da equipe de produção e também dos bastidores de espetáculos que ajudou a produzir, como o show de Tom Zé na Concha Acústica em 2021, dentro do 14° IC Artes. Assim como lembra do deslumbramento com produções do grupo.
"A corda que mais ressoa em mim é, sem dúvida, a artística. Foi um enorme privilégio poder colaborar criativamente com projetos belíssimos como Strip Tempo, Vermelho Melodrama, Arquivo Vivo e Arquivo de Espaço", destaca Marina.
Entre os fatores que considera como diferenciais da Dimenti, a escritora cita a longevidade. "É uma coisa doida essa teima de fazer arte e cultura acontecerem no Brasil. Chegar aos 26 anos não é para os fracos. E muitos fortes tombaram pelo caminho", afirma Marina, que cita ainda o compromisso com a irreverência e o tensionamento de bordas. "Há uma irrequietude que sempre me deixou maravilhada".
Questões técnicas
Responsável pelo projeto de reforma na sede, Larissa Lacerda chegou à Dimenti justamente para preencher uma lacuna que existia no grupo. Alguém que cuidasse de iluminação, som e outras habilidades necessárias a um espetáculo de arte, embora as possibilidades dessa profissional que começou a carreira como cantora possam ser descritas como quase infinitas.
Larissa, que estudou Letras e é doutoranda em artes cênicas, passou a trabalhar posteriormente também com iluminação, o que lhe permitiu uma maior inserção no mercado de trabalho do setor cultural. Ela inclusive fez curso de eletricista. "Eu chego à Dimenti como coordenadora técnica do IC. Antes, eu tinha uma relação de trabalho mais individualizada, apesar de já ter passado por alguns coletivos", conta Larissa.
A chamada "faz-tudo" do grupo também assina a codireção da série Web Strips, junto com Neto Machado, um artista curitibano que conheceu a turma da Dimenti durante o processo de inscrição para o edital Rumos Itaú Cultural, se apaixonou pelo projeto e por Jorge Alencar, com quem se casou, e veio morar em Salvador.
A série, com direção de Jorge, reúne seis vídeos-performances configuradas como stripteases. No elenco estão Fábio Osório Monteiro, Jaqueline Elesbão, João Rafael Neto, Jorge Oliveira, Lia Lordelo e o próprio Neto Machado.
É um espetáculo com censura de 18 anos e que só pode ser acompanhado pelos stories da página de Instagram da Dimenti: @dimentiproducoes, por quem estiver inscrito na aba de "amigos próximos".
As funções acontecem das 22h de 5 de julho às 22h do dia 6, com 24 horas ininterruptas de duração. O acesso custa R$ 26, ou R$ 25+1, em referência aos 25 anos do grupo, que começou a ser celebrado no ano passado. Para adquirir o passe, é preciso ir à Dimenti na plataforma sympla.com.br.
Jorge Alencar explica que para celebrar o 25° aniversário do grupo, ainda que com atraso de um ano, a Dimenti escolheu produções representativas. "A gente tentou jogar e mover com diferentes temporalidades para ter uma percepção mais complexa, mais ampla dessa temporalidade", diz ele, justificando o motivo da inclusão de Chá de Cogumelo, a segunda peça produzida pela Dimenti.
"Não é uma questão de nostalgia, mas de mostrar o que a peça pode dizer sobre quem a gente foi naquele momento, o que pode dizer ainda hoje, o que ela pede de atualização", declara Jorge. Sobre Web-Strips, o co-fundador da Dimenti explica que é a derivação de um espetáculo concebido para ser presencial, mas que foi alterado conceitualmente em função da pandemia e do isolamento social.
Futuro
A Biblioteca das Crianças é vista pela Dimenti como uma projeção de futuro. "É uma criação inédita, mas ao mesmo tempo o desdobramento de um projeto que estamos fazendo há muitos anos", explica Jorge.
E Pinta é o primeiro longa-metragem do grupo, produzido em 2013, quando a Dimenti completou 15 anos. Filmado em lugares representativos de Salvador, como o Clube Fantoches da Euterpe e a Praia do Buracão, antes da ameaça dos espigões, Pinta adapta conteúdos de produções cênicas do grupo e tem no elenco o falecido ator Haroldo Deda.
O curitibano Neto Machado, que mora em Salvador há 15 anos, chegou à cidade com a bagagem de participação no coletivo artístico Couve-flor. "Tínhamos alguns ingredientes que são muito fortes na Dimenti, como o interesse pela experimentação e a mescla de trabalhos em diferentes áreas".
Sobre a Biblioteca das Crianças, Neto destaca que Jorge e ele já trabalham há muitos anos com os artistas alemães, mas é a primeira vez que trazem ao Brasil o resultado desse trabalho. Jorge e Neto já estiveram em Stuttgart cinco vezes para colaborar com os alemães do Die Institution, a última em fevereiro deste ano.
A parceria com Goethe Institut chegou ao fim, mas o intercâmbio com aquele país continua. Está tudo bem com a Dimenti. Ou, em alemão, Alles Gute!
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