MUITO
Empreendedores revelam seus desejos para 2024
Muito ouviu empreendedores de diversos segmentos na capital baiana
Por Gilson Jorge
Sentada em uma cadeira plástica branca, sob uma fina e solitária sombra de uma planta em um vaso no Largo do Cruzeiro de São Francisco, Centro Histórico – para amenizar o impacto do sol do meio-dia – Telma Santos não se queixa do tempo.
Vestida com volumosas camadas de renda, ela tira parte do sustento da família caracterizada como baiana, tirando fotos ao lado de turistas. Uma lembrança da Bahia pela qual cobra R$ 5. Uma jornada que leva, às vezes, o dia inteiro, enquanto houver luz solar.
Mas hoje, quando encerrar o trabalho no Pelourinho, Telma ainda vai em busca de um dinheiro extra. "Aqui no Centro Histórico na hora da virada não tem nada", explica a baiana. Há tempos, ela passa a noite de Réveillon na praia de Stella Maris para vender colares.
A escolha do ponto não foi, certamente, por causa da rima. Telma já vendeu seus produtos na Barra, mas resolveu mudar de ares. "Eu moro por ali, quando termina o trabalho estou perto de casa", afirma a baiana, moradora de São Cristóvão.
Ao responder sobre o seu principal objetivo para 2024, Telma deixa escapar um palavrão e depois se corrige com uma palavra bem parecida: "Poxa, desejo ter bastante saúde para continuar a trabalhar e levar dinheiro para casa".
Telma perdeu dois dos cinco filhos, mas ainda ajuda na criação de 12 netos e seis bisnetos. Uma filha e uma neta trabalham como ela, de baiana, pelas ruas do Pelourinho.
No Cento Histórico, aliás, o trabalho deve seguir correndo bem até depois do Carnaval, quando se encerra a alta temporada.
"O movimento está bom porque está tendo navios. Vamos ver depois", afirma, referindo-se à chegada de cruzeiros, as gigantescas embarcações que aportam no vizinho bairro do Comércio e despejam hordas de passageiros pelas ruas centrais da cidade.
Por falar em navegação, há outros pequenos negócios que, surgidos no Pelourinho, se lançaram ao mar, ou pelo menos à praia, para expandir os horizontes. Este é o segundo verão em que o pernambucano Gérson Andrade, um ex-mecânico de automóveis, comanda no Farol da Barra a primeira franquia do Suco de Limão com Coco, produto que é servido há duas décadas no Pelourinho pelo seu sogro, Milton Cavalcante.
Em uma viagem a Pernambuco, sua filha, Alba Lima, conheceu Gérson e os dois começaram a namorar. O amor fez o jovem pernambucano deixar o trabalho na oficina mecânica do pai, no município de Lajedo, e vir para a capital baiana.
Gente caminhando
Além de uma filha de quatro anos, o casamento rendeu a venda de garrafas e copos da bebida criada pelo sogro em um dos principais cartões-postais de Salvador. Onde sempre há gente caminhando, especialmente nessa época do ano.
Os ônibus de turismo em fila perto do Farol da Barra roubam parte da paisagem, mas alimentam os comerciantes de clientes e histórias. Perto do carrinho de Gérson, uma mulher caracterizada de baiana, que vai consumir o suco, queixa-se com um vendedor de artesanato que recebeu um golpe de uma turista. A mulher não teria concluído o pagamento por pix depois de receber fitas do Senhor do Bonfim e subiu no ônibus às pressas antes que a baiana percebesse.
Gérson, que havia acabado de vender um copo de suco no pix a uma turista, disse que recebeu o valor devido. O pedido modesto do comerciante para o Ano Novo também é saúde. Mas, juntamente com o sogro, Gérson sonha alto.
"A gente pretende abrir outras franquias e também industrializar esse produto", afirma o pernambucano, que já tinha vindo a Salvador a passeio e agora se estabelece na cidade atendendo a outros turistas.
Hoje à noite, depois que terminar o serviço na Barra, Gérson pretende se juntar a Milton no Pelourinho e continuar vendendo o suco, como faz em outros dias de jornada dupla.
"O verão representa mais da metade das vendas. É um período que a gente precisa aproveitar bastante", afirma Gérson.
Com a oscilação de movimento nas diferentes estações do ano, a dupla de empreendedores precisa espremer cada possibilidade de venda, como quem aproveita a fruta até o final.
"Este ano mesmo, depois do verão, foi um Deus nos acuda. A gente trabalhava para cobrir os custos do material e pagar as dívidas", afirma o novo baiano.
Turismo
Outro caso de turista que se tornou empreendedora de turismo na capital baiana, a paulista Ângela Bitencourt se mudou definitivamente para Salvador há dois anos e, em setembro de 2022, assumiu um ponto de frente para o Farol da Barra, onde funcionava um restaurante especializado na culinária nordestina.
Sob sua administração, o lugar passou a se chamar Pico da Barra, servindo café da manhã a partir das 10h e refeições e petiscos até às 22h. Hoje, naturalmente, o bar funciona até a madrugada. Seu maior desejo para 2024 está justamente ligado à sua nova empreitada: "Eu quero que esse seja um cartão-postal de Salvador".
Decepcionada com a falta de fogos de artifício no Farol da Barra durante o Réveillon passado, a comerciante mantém esperança de uma festa mais bonita hoje à noite. "Infelizmente, a prefeitura deixou a desejar. Não teve fogos. Os clientes variaram. Ficou uma coisa ridícula para a Bahia, o lugar mais bonito do Nordeste", diz a comerciante.
Para o verão como um todo, Ângela espera que haja um maior policiamento para mudar a imagem de insegurança. "Infelizmente, a imprensa está queimando muito a Barra e o turismo está mais fraco do que no ano passado. A Barra é o cartão-postal de Salvador", declara a paulista.
A Barra, aliás, é uma das principais apostas para o ambulante Ercival Conceição, que mora no Garcia e trabalha em distintos locais, desde o Porto da Barra e Piatã até a orla de Madre de Deus, na Região Metropolitana de Salvador.
"Eu acho lá um lugar melhor de trabalhar", declara o ambulante sem explicar exatamente o porquê da afirmação. Seu esquema de trabalho não tem um método muito claro.
"Eu trabalho de veneta, saio a hora que quero e decido na hora para onde ir. Às vezes, acordo tarde para ir a Madre de Deus e não quero ir para Piatã", afirma Ercival, que também altera eventualmente o conteúdo que carrega consigo para vender. Eventualmente, ele comercializa artesanato.
Esta semana, investiu em óculos de sol e protetor solar, apostando nas altas temperaturas que têm marcado Salvador desde a Primavera.
"Em um dia bom, consigo vender sete ou oito óculos, mas depende que o sol esteja forte”, declarou o ambulante, por volta das 9 horas da manhã da última terça-feira, enquanto aguardava, sentado em um batente do Porto, que aparecessem clientes e que o mormaço que tomou conta do Porto se desfizesse e abrisse espaço para o astro-rei.
Ercival não vai trabalhar na noite de Réveillon e conta com o incipiente verão e com a ajuda divina para aumentar as vendas. "Vamos ver o que Deus manda para mim", declara o ambulante, que não acredita em desejos e resoluções para o Ano Novo.
Com um sorriso, ele descreve seu descrédito com a tradição. "Eu não faço porque não muda nada. Todo ano é a mesma coisa ou pior", diz um homem determinado a não planejar onde vai trabalhar no dia seguinte ou o que esperar de 2024. Amanhã vai ser outro dia e também um outro ano. Mas, para ele, a vida segue igual.
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