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MUITO

Entre receitas tradicionais e invenções, cozinha árabe ganha espaço em Salvador

Por Daniel Oliveira

12/09/2018 - 9:00 h | Atualizada em 21/01/2021 - 0:00
Filha de pai libanês e mãe de origem síria, Zeina Chalub criou o Arabesque para ir além do quibe e da esfirra
Filha de pai libanês e mãe de origem síria, Zeina Chalub criou o Arabesque para ir além do quibe e da esfirra -

A gastronomia árabe é presença notável em Salvador. Há uma expressiva quantidade de comerciantes – donos de restaurantes, lanchonetes e autônomos – nos bairros, shopping centers e ruas da cidade, oferecendo produtos dessa cozinha de diferentes maneiras. Iniciativas estabelecidas a partir de vínculos afetivos variados com a cultura árabe, entre eles ligações familiares (pais e avós imigrantes), de gosto e até antigas paixões.

Comer esfirra há muito tempo deixou de ser um evento exótico na vida de qualquer soteropolitano, seja de carne ou coalhada seca, fruto de receita que atravessou os séculos e o Atlântico, ou adaptações contemporâneas com muçarela, chocolate, doce de leite com banana e mesmo creme de avelãs.

A proprietária do restaurante especializado Arabesque, Zeina Chalub, nota que, embora já exista um conhecimento, sobretudo de quibes e esfirras, ainda hoje poucas pessoas na cidade conhecem uma grande variedade de receitas da cultura árabe.

“A ideia do Arabesque veio com essa proposta, comecei com o pão sírio, mas não fiquei satisfeita apenas com ele e quis expandir e apresentar outras coisas dessa cultura gastronômica. Sabia que iria dar certo, porque as pessoas aqui se interessam bastante”, diz a filha de pai libanês e mãe de origem síria, que logo em seguida menciona o aumento do faturamento em mais de 50% nos últimos dois anos.

De acordo com Zeina, a relação entre a capital baiana e o universo das comidas árabes, assim como os seus desdobramentos em novos pratos, produtos e alimentos, é muito antiga. Pontua que o acarajé é um dos casos mais emblemáticos dessa ligação, pois “derivou do falafel [bolinho frito feito com grão-de-bico]”. Melhor, então, explicar essa história.

“Alguns africanos que vieram escravizados tinham contato anterior com a cultura e a culinária árabes. Em seus países, não achavam grão-de-bico para fazer o falafel. Assim, substituíram o ingrediente pelo feijão. Como também não tinha azeite de oliva, fizeram o falafel com dendê, que é o acarajé encontrado aqui em Salvador”, afirma Zeina, reportando-se a uma das versões acerca da origem do quitute.

“Vieram muitos portugueses e espanhóis para o Brasil e, especificamente, para a Bahia, que tinham contato com a cultura árabe e a trouxeram para cá. E os povos africanos também”.

O cantor e compositor Tom Zé já citou, em muitas entrevistas, a sua experiência de infância no município de Irará, na Bahia, ressaltando a importância que a cultura moçárabe (de árabes ibéricos) exerceu no lugar e na sua formação. No período de lançamento do disco Tropicália Lixo Lógico, de 2012, argumentou que essa conexão contribuiu até na existência do movimento Tropicalista, do qual participou com Caetano Veloso e Gilberto Gil no final dos anos 1960.

Entre raízes e misturas

Os processos culturais em todo o mundo geraram e continuam produzindo misturas. Com a globalização e a circulação cada vez mais rápida de informações, isso vem ganhando uma dimensão ainda maior. E a culinária árabe, evidentemente, também faz parte desse contexto.

Imagem ilustrativa da imagem Entre receitas tradicionais e invenções, cozinha árabe ganha espaço em Salvador
| Foto: Joá Souza / Ag. A TARDE
O Kibe Montado é uma das opções do Kiberia, que tem quatro lojas em Salvador

Mas há quem defenda que as suas raízes devem ser preservadas e cultivadas na prática, “principalmente em Salvador, uma cidade de gastronomia própria, forte e muito particular”, como acredita Zeina. Já Ricardo Cury, sócio da Kiberia, neto de avó síria que veio ao Brasil nos anos 1920 para fugir da guerra, acredita que “buscar soluções é ser árabe”. A lanchonete-restaurante se encontra em quatro espaços: Mercado do Rio Vermelho (antiga Ceasinha), Aquarius (Pituba), Alphaville e Shopping da Bahia.

“A nossa receita é tradicional, costumo dizer que fazemos uma comida árabe caseira, pois tentamos ser fiéis ao máximo aos ensinamentos de minha avó. Por outro lado, temos quibes de queijo (catupiry e muçarela), e algumas pessoas questionam ‘ah, mas isso não é árabe’. Porém esses quibes foram criados por ela para um público específico de crianças e pessoas que não comem carne”, explica Ricardo, que exalta o sabor e o cheiro afetivos dessa culinária.

“A minha infância tem um cheiro específico, da massa do trigo, do preparo da carne. Hoje, quando chego à produção da Kiberia, sinto o mesmo cheiro. Minha avó fazia quibes para todos os aniversariantes, amigos que pediam, imploravam”, lembra.

De algum modo e em diferentes graus, seja por conta da ausência de um tempero ou pela dificuldade de importação, seja para atrair e/ou satisfazer clientes, todos acabam adaptando e transformando um pouco as receitas. Ocorre também de alguns acrescentarem opções no cardápio que não compõem a tradição da gastronomia árabe.

O moderno Farid (restaurante árabe no Salvador Shopping), tal como o Arabesque, tem os tradicionais baklava (doce folhado) e ninho (à base de knaff), mas acrescenta também petit gateau e torta de biscoito.

Para o dono, Marcelo Rangel, que não possui um vínculo direto com a cultura árabe senão como apreciador e, quando abriu o restaurante, há 12 anos, contratou um chef especialista nessa culinária, as transformações e apropriações não devem ser tratadas de maneira rígida ou ortodoxa. Afinal, é o gosto mesmo que importa.

“Não vejo problema em adaptações, se forem para melhorar e criar algo que as pessoas gostam. Mas tentamos ser fidedignos com a culinária árabe-libanesa. Fizemos uma opção. Temos o charutinho da folha de uva, por exemplo, que não encontramos em Salvador. Pagamos frete aéreo, um custo maior, porque queremos manter esse diferencial. Tem restaurante que usa a folha de couve e não a da parreira. É uma questão de opção de fomentar o tempero”.

Na opinião de Marcelo, o soteropolitano identifica-se com a gastronomia árabe por conta dos condimentos e do hábito do happy-hour. “Muita gente gosta de comer um quibe e beber um chope, ou seja, da pimentinha que combina com o chope, com as miniesfirras. Fora que o mundo ficou pequeno. Você sabe hoje o que está acontecendo em São Paulo ou Nova Iorque”. No Farid, o cliente também tem a possibilidade de consumir arak, bebida destilada árabe. No entanto, o dono fala que, por conta da falta de costume, sai pouco. “É uma bebida muito forte”.

Diferentes relações

São múltiplas as possibilidades de acesso aos alimentos árabes em Salvador. Frequentar um restaurante, como o Arabesque, e comer um cordeiro assistindo a um show de dança do ventre; fazer um happy-hour depois do trabalho no Farid; ou então passar no Mercado do Rio Vermelho para comer um quibe de receita centenária no Kiberia.

Mas é possível também encomendar os pratos com Samia Kalid, formada em psicologia e atualmente em atividade na área de gastronomia. Fez o perfil no Instagram Kalid – Cozinha Árabe e lá atende os clientes que enviam mensagens pela rede social.

“A minha comida é de família, não sou formada em gastronomia. É a comida que aprendi na minha criação, porque meus avós eram árabes. Vivi comendo e aprendendo a fazer. Não é uma comida com acesso fácil, não é como pizza. É mais incrementada, e o árabe é muito farto. Amo cozinhar”.

Imagem ilustrativa da imagem Entre receitas tradicionais e invenções, cozinha árabe ganha espaço em Salvador
| Foto: Joá Souza / Ag. A TARDE
Samia Kalid investe nas receitas de família e recebe encomendas pelo Instagram

No cardápio online, quibe cru, quibe de assadeira, coalhada seca, cuscuz marroquino, saladas como tabule e fatouche, charutinho e esfirras, além de doces, como beleua (variação da citada baklava) e mahmoul (à base de semolina, leite e manteiga – espécie de sequilho árabe) com recheios de goiaba e castanha.

Mas Samia também faz torta sertaneja, de frango, quiche de bacalhau, segundo ela, “mais uma forma de poder ter acesso às outras coisas. As pessoas buscam. Se eu ficar só na comida árabe, nesse momento, não vou ter muitas encomendas. Aí vou diversificando”. Sobre as misturas, pensa que é uma característica da própria cultura árabe. A avó, quando chegou, já foi adaptando e modificando as receitas.

“O árabe mistura muito. O quibe não era exatamente igual. Não é perfeito, bonitinho, como é feito hoje. O pessoal enrolava de qualquer jeito e estava pronto. Com o tempo, foi afinando, modelando e tendo um cuidado maior na hora da fritura”, relata, antes de complementar que os cadernos de receitas da avó, das tias são “bens preciosíssimos”.

Árabe itinerante

No epicentro da boemia do bairro do Dois de Julho, Ginna D’Mascar, drag queen e vendedora autônoma de esfirras e quibes, salva muita gente da vontade de se alimentar durante a noite e também na madrugada adentro. Natural de Maceió, conheceu as receitas com um namorado árabe e aprendeu a fazer “com a massa original”.

Resolveu iniciar as vendas no final do ano passado para não depender financeiramente somente de shows. Atualmente, tem uma clientela que consome as suas esfirras de carne, bem como as adaptações de frango e bacalhau.

Circula pelo bairro,prezando sempre a elegância, e às vezes estende o comércio para outros lugares do centro da cidade. Vai à rua Carlos Gomes, onde, inclusive, está situada a lanchonete Good Day, ou simplesmente “Gudêi”, que faz uma das esfirras mais antigas e famosas da capital baiana. Termina a noite, muitas vezes, na casa de show Âncora do Marujo.

“Já trabalhei como gerente de bar e tive o meu próprio no Beco dos Artistas. E sempre fiz show. Mas queria que isso fosse apenas diversão, porque é difícil e muito cansativo viver das apresentações. E como faço de tudo na cozinha, vi essa solução. Além disso, as pessoas sentem falta de algo diferente e saudável para comer à noite. Por isso comecei a fazer as esfirras”.

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