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Entre sucessos e polêmicas, Jorge Sacramento investe para que o pagode reine absoluto em Salvador

Por Tatiana Mendonça

08/08/2018 - 9:00 h | Atualizada em 11/09/2018 - 9:41
Há dois meses, Jorge Sacramento inaugurou uma nova casa de shows na Pituba: "A festa da classe A só termina em La Fúria"
Há dois meses, Jorge Sacramento inaugurou uma nova casa de shows na Pituba: "A festa da classe A só termina em La Fúria" -

Jorge Sacramento chega numa picape vermelha e estende a mão para os cumprimentos. No pulso, um grande relógio dourado escapole do blazer. Distribui ordens aos funcionários reunidos na garagem, como se para recebê-lo, antes de adentrar propriamente a escuridão do GPS Music Bar, aberto há dois meses na Pituba. Naquela segunda-feira, a casa noturna não iria funcionar, mas ele parece estar sempre ocupado. Sobe uma escada caracol estreita e senta-se na sala da direção. É de lá, de costas para um Jesus Cristo crucificado, que Jorge Sacramento diz quem é: “Sou um vencedor. Negro, vindo de um bairro pobre, a Liberdade, mudei a minha história. Hoje sou um empresário, graças a Deus, e acho que renomado, né?”.

Quem conhece qualquer pouco da história recente do pagode baiano não há de contestá-lo. Pense numa banda famosa do gênero surgida nos últimos 15 anos. A Black Style, que revelou o cantor Robyssão? Sacramento estava por trás. A Bronkka, que alçou Igor Kannário ao estrelato? Sacramento, de novo. O Báck, do hit Lobo Mau, que Ivete Sangalo gostava de cantar? Coisa de Sacramento. A New Hit, que fez sucesso antes de os integrantes serem presos por estupro? Sim, Sacramento. A La Fúria, que arrastou uma multidão no Carnaval e agora aperta a mente de meia cidade interessada em saber quem é Manuel (Manuel/ Manuel/ Manuel /Ai, para, Manuel)? Sacramento, Sacramento, Sacramento (e alguns, críticos exaustos, até emendariam um: “Ai, para, Sacramento”).

Na última audição que fez para seu novo grupo, o Tá Tega, apareceram 115 artistas, a maioria de Salvador, mas também teve quem viesse de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Seguro. “Quer dizer, fica o pessoal achando que eu sou o rei Midas. Não sou. É muito trabalho para conseguir as coisas. E sou eu à frente de tudo. Monto a banda, escolho o repertório, escolho o nome. A La Fúria, mesmo, é uma homenagem à seleção espanhola de futebol”. Muitos cantores e bandas também o procuram tentando a sorte. Para dar provas, ele mostra o celular, com quase três mil mensagens não lidas no WhatsApp. Se uma delas for sua, melhor investir numa outra estratégia.

Atualmente, sua produtora, a Sacra Produções, gerencia a carreira de cinco artistas de pagode – um deles o seu filho, Hiago Danadinho, 15 – e uma banda de arrocha, a Kartlove. Jorge Sacramento também promove festas e dá as cartas no GPS Music Bar, que inaugurou no dia 25 de maio. Como se vê, uma cadeia completa. Na GPS, apresentam-se prioritariamente as bandas da Sacra, como qualquer um pode imaginar.

Na lateral da boate ficam cinco lounges vips que não conseguem se decidir entre a ostentação e a discrição: letreiros vermelhos piscantes mostram o nome do ocupante, ao mesmo tempo em que pode curtir a festa protegido por um tecido preto que esconde tudo que se passa lá dentro. Em cada lounge cabem 10 pessoas. O preço varia entre R$ 1.300 e R$ 1.500.

No seu propósito de dominar a cidade – “a matemática é essa” –, Sacramento não vê contradição entre promover bandas antes tão orgulhosamente associadas ao “gueto”, à “favela”, e comandar uma casa de shows na Pituba, este reduto classe média-média, classe média-alta da cidade. “Precisei dar esse passo para atingir outro público, mais refinado. Mas não deixo de tocar nas minhas origens. Minhas bandas tocam na Suburbana e em Vilas do Atlântico, em Narandiba e na Barra, na Liberdade e na Pituba. O que acontece é que a classe A só absorve o que está bem na classe C. A festa da classe A só termina em quê? Em La Fúria. Nas lanchas, todo mundo começa na ravezinha, tunz, tunz, tunz, e depois tá como? Manuel, Manuel, Manuel“, cantarola. “Para quebrar esse preconceito, foram muitos anos”.

Fenômeno

Antes de trabalhar com música, Sacramento atuava como policial militar. Como não é raro, montou uma empresa de segurança, especializada em festas. Num desses eventos no antigo Rock in Rio, no Aeroclube, conheceu Raquel Ferreira, da Piatã FM. Eles se afeiçoaram e dona Raquel, como é conhecida, vivia dizendo para que largasse aquela vida. “Ele acabou virando um filho para mim e eu ficava preocupada de ele se meter em briga, confusão. Queria que ele tirasse a cabeça desse negócio de segurança e aí comecei a influenciar uma sociedade nossa”.

Foi dona Raquel quem o apresentou ao “pessoal” que viria a integrar a Black Style, primeira banda empresariada por Sacramento, e que da sua memória surge qualificada como um “fenômeno”. “Foram nove anos de hegemonia total, uma parceria maravilhosa. Eu peguei a banda e montamos logo a gravação de um DVD na Ed Dez. Tinha aquela música, Não Te Quero Mais, Sai Daqui Piriguetona, depois veio Rala a Tcheca no Chão, e foi um sucesso após o outro”.

Dois anos depois do início da Black Style, de Robyssão, dona Raquel voltou a apresentá-lo a um artista desconhecido, o franzino Igor Kannário, que naquela época ainda não era Príncipe do Gueto e nem sonhava ser vereador. “Ela falou: meu filho, dê uma ajuda a ele. Aí eu dei. Fizemos a banda A Bronkka, que foi outro sucesso”, lembra Sacramento.

“Antes, era uma mesmice. Ele trouxe irreverência. E aí outros seguiram pelo mesmo caminho. Hoje, ele é o empresário mais forte do gênero”.

A fama trouxe também os rompimentos dos contratos com as bandas. Sacramento garante que não houve briga nenhuma e que mantém boa relação com os artistas até hoje. Dona Raquel explica o ocorrido de maneira bem menos política. “O que acontece com o sucesso é que os cantores querem ser os donos das bandas. Robyssão tirou ele, Igor tirou ele, e aí, por uma questão de fidelidade, eu também pedi para sair da sociedade”. Kannário e Robyssão não retornaram os pedidos de entrevista da Muito.

Aprendizado

Do que Sacramento, ele mesmo, não quer falar é da época em que empresariou a New Hit. Pede para “pular essa parte”. Em 2012, duas adolescentes de 16 anos, da cidade de Ruy Barbosa, acusaram nove músicos da banda de estupro. Elas tinham ido até o ônibus onde eles estavam para tirar fotos. Em 2017, os ex-integrantes do grupo foram condenados e chegaram a ser presos, mas foram liberados em março deste ano, após a Justiça conceder habeas corpus aos homens.

Sendo o assunto inevitável, ruma a filosofar. “A cada queda nossa, tem que levantar mais forte. É aprendizado. Se tivesse tudo sempre positivo, não ia ter graça. A New Hit, pô, foi um baque. Foi pesado. Você depositando tudo e acontece uma coisa daquela. Muito dinheiro que gastei com advogado. O psicológico também... A banda era única. Foi uma coisa que eu criei. Minha parte profissional foi feita”.

Em 2016, outra banda de Sacramento, a La Fúria, envolveu-se em polêmica (modo de dizer, claro está, que o caso anterior é crime grave, que nem cabe nesta categoria). A deputada Luiza Maia, autora da lei antibaixaria – que proíbe o uso de dinheiro público para contratação de artistas que desvalorizem a mulher –, entrou com uma ação no Ministério Público para impedir um show da banda em Arembepe, pelo “histórico de baixaria em seu repertório e coreografias”, declarou à época. A apresentação acabou acontecendo de todo jeito.

Com músicas como Pau nas putiane (Mas tem uma mina que é chata e de madrugada chora/ Não tem ninguém pra eu comer, vou tacar nessa idiota), de 2016, e Coloca nela (Ela fica de quatro/ Bota nela/ Fica de quatro/ Bota nela), de 2015, no repertório, Sacramento afirma, sério, que hoje a La Fúria pode “tocar em qualquer missa”. “Danço conforme a música. Acabou a ditadura, o povo tem que ter livre-arbítrio para ter o que quiser. Mas a gente vai se adaptando para tocar em qualquer ambiente”.

O empresário diz que mudou o estilo da banda, dando uma “limpada no duplo sentido”, claramente por conta de um reposicionamento de mercado e não por neoconvicções feministas. Em 2017, a La Fúria emplacou o hit Oêêê (A criança faz oêêê/ A vovó faz oêêê/ A titia faz oêêê/ Todo mundo tá fazendo o movimento do verão), e a atual música de trabalho é Manuel, cujo refrão já lhe ofertamos.

A festa da classe A só termina em quê? Em La Fúria. Nas lanchas, todo mundo começa na ravezinha, tunz, tunz, tunz, e depois tá como? Manuel, Manuel, Manuel

Para dona Raquel, Sacramento “repaginou” o pagode baiano. “Antes, era uma mesmice. Ele trouxe irreverência. E aí outros seguiram pelo mesmo caminho. Hoje, ele é o empresário mais forte do gênero”.

Metas e prioridades

No primeiro dia deste ano, Sacramento sofreu um princípio de infarto, quando estava saindo de um show. “Tive essa experiência fatal de que a pessoa morre e fica tudo aí!”, escreveu no seu perfil numa rede social, onde é seguido por 123 mil pessoas. No texto, prometia conciliar as atividades profissionais com as “prioridades” da família.

Mas os meses foram passando e ele continuou trabalhando igual. “Quando a pessoa faz o que gosta, é aquela coisa. Eu trabalho com amor, então não tem cansaço certo”. Diz ser perfeccionista e fazer de um tudo, de carregar instrumento a levar a mesa de som para consertar. “Outro dia mesmo vieram umas meninas me dizendo: ‘Ah, fale com Sacramento que eu quero tirar foto com ele’. E eu disse: sou eu, pô! Elas não acreditaram porque eu tava carregando os equipamentos. Se eu sou o dono, quem mais do que eu para carregar minhas coisas, batalhar?”.

Sacramento foi criado pela mãe, enfermeira, ao lado dos dois irmãos. O pai morreu quando ele tinha só 13 anos. Antes de entrar para a PM, trabalhou como vendedor de loja. Hoje, gosta de sair carregado de ouro nas mãos, no pescoço. Trocou a Liberdade pela “orla”, onde agora mora. Não responde se ficou rico, mas diz que “está bem”. “Nas graças de Deus, mudei minha história”.

E faz questão de enfatizar o elemento raça na sua trajetória de superação: “Sou um dos poucos empresários negros do mercado. Pra gente conquistar uma coisa, tem que ser dez vezes melhor”. Obstinado, vive para as metas que traça. “No ano passado, comprei um caminhão e um ônibus para a La Fúria. Este ano, peguei essa casa de show aqui, um investimento pesado. Mas é isso, a pessoa não pode viver na porra-louca. Tem que ter foco e se sobressair. Pode ter cinco pessoas que me detestam. Mas tem um milhão que gosta de mim. E eu agradeço a todas elas”.

Depois de se despedir, Sacramento lembra de uma das suas mais recentes criações, o Miami Sacra Club, um “clube de benefícios”. Vai passando o dedo pela tela do celular para mostrar as mulheres que se exibem ali de biquíni ou roupas mínimas. Explica que, para entrar de graça nas festas, elas precisam divulgar os eventos em seus perfis. “Tá vendo? Várias meninas, várias beldades”, diz, empolgado como nunca.

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