Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email
26/03/2015 às 10:12 • Atualizada em 28/03/2015 às 8:46 - há XX semanas | Autor: Tatiana Mendonça

MUITO

Era uma vez um rio

Rio Cascão
Rio Cascão -

O pesquisador Luiz Roberto Moraes caminha por Salvador como um médium, vendo coisas que quase ninguém mais vê. Por causa disso, sofre todo tipo de escárnio, até de parentes. Outro dia, passeava com o neto pela avenida Centenário e a certa altura comentou: "Pedrinho, olhe, isto daqui é um rio". No mesmo minuto, o menino de 6 anos retrucou: "Você está é maluco, meu avô". Para provar sua lucidez, Moraes o levou até a desembocadura do rio dos Seixos, onde pôde apontar para a água que corria debaixo de todo aquele concreto. "O homem é tão estúpido que fez isso!", protestou para a diminuta plateia.

Enquanto as grandes cidades do mundo trabalham para restaurar seus rios e devolvê-los à vida urbana, Salvador segue tapando o nariz e fechando os olhos para eles. Já foi assim com o rio dos Seixos, na Barra, e com o rio das Pedras, no Imbuí. O próximo alvo é o Camarajipe, que será parcialmente coberto na região da avenida ACM para a implantação do corredor exclusivo para BRT (Bus Rapid Transport), ligando a Estação da Lapa ao Iguatemi.
Ao sumiço físico dos nossos rios antecede-se um outro, simbólico, talvez mais grave porque o autorize. Eles perderam o nome próprio e até o comum - passaram a ser chamados de canais em documentos públicos e de esgotos à boca graúda. É no que muitos, infelizmente, transformaram-se. A principal fonte de poluição dos rios de Salvador é o lançamento de esgoto doméstico, esse serviço básico que soa tão século passado.

Em fevereiro, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) finalizou mais um relatório de monitoramento dos rios da cidade. O documento mostra que a qualidade da água foi considerada ruim ou péssima em 76% dos 47 pontos analisados. Apenas três trechos das 13 bacias hidrográficas estudadas foram classificados como bons (Cascão, no Cabula; Passa Vaca, em Patamares; e Cobre, em Fazenda Coutos), e um foi apontado como ótimo (rio dos Macacos). Eles atravessam locais em que ainda há mata preservada e baixa ocupação residencial.

A comparação com o relatório divulgado no ano passado poderia indicar uma esperançazinha num cenário dominado por más notícias. Em 2013, 81% das áreas monitoradas eram ruins ou péssimas. Há que se notar, no entanto, que os rios analisados não foram os mesmos. O estudo de 2014 incluiu, por exemplo, a bacia do rio dos Macacos, a mesma considerada ótima em um dos seus trechos e que faz divisa com o município de Simões Filho.
Para Eduardo Topázio, coordenador de monitoramento de recursos ambientais e hídricos do Inema, os rios precisam ser recuperados não por "questões ambientais bobas", mas para transformar a nossa qualidade de vida. "Essas áreas poderiam ser transformadas em parques horizontais".

EIS A QUESTÃO

Para tentar entender como os nossos rios chegaram ao estado deplorável em que se encontram, é preciso analisar outros números, os que mostram como a cidade investiu em saneamento. Na década de 1970, quando foi feito o primeiro grande aporte no setor, Salvador tinha um índice de cobertura de pouco mais de 24%.

Duas décadas depois, por meio da implantação do programa Bahia Azul, de 1995, houve um avanço expressivo, e hoje 82,39% dos domicílios da cidade são ligados à rede coletora de esgoto, de acordo com dados da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa).
O índice coloca Salvador numa posição privilegiada em relação às capitais brasileiras: perde apenas para Belo Horizonte (100%), Curitiba (98,48%) e São Paulo (96,48%), de acordo com o "Ranking do Saneamento 2014" do Instituto Trata Brasil, que estuda o tema.


E daí surge uma pergunta intrigante que Moraes, professor do programa de pós-graduação em meio ambiente, águas e saneamento da Ufba, repete sempre na sala de aula e em palestras. "É a grande interrogação que eu coloco: os dados oficiais mostram que 82% dos domicílios em Salvador estão ligados à rede coletora pública de esgotamento sanitário. Só sobram 18%. Como é que esses 18% poderiam gerar esse impacto em todos os rios da cidade?".

Ele especula que haja pontos críticos na rede, carentes de infraestrutura, o que impediria que parte do esgoto coletado fosse previamente tratado e encaminhado ao mar pelos emissários submarinos do Rio Vermelho e da Boca do Rio. A segunda parte da resposta refere-se aos milhares de moradores de Salvador que não ligam suas casas à rede de esgoto, contrariando leis federal e estadual que determinam essa obrigatoriedade, ou moram em áreas irregulares onde a rede sequer está disponível.

MARCO CIVILIZATÓRIO

Júlio Mota, superintendente de esgotamento sanitário da Embasa, diz que a empresa vem fazendo a ampliação necessária do sistema de saneamento, mas é difícil competir com a ocupação irregular. "Nosso grande entrave é a cidade informal. As pessoas vão morando onde podem, nos fundos de vale, nas encostas, em lugares onde não existe urbanização. E nós não conseguimos fazer rede de esgoto sem urbanização".

Ele defende a criação de um pacto entre o governo, a prefeitura e a população para que o problema seja solucionado. "A prefeitura precisa disciplinar, de fato, o uso e ocupação do solo na cidade. Além disso, é preciso investir numa política habitacional eficiente. Ninguém mora em local insalubre porque quer".

Também não é "por querer" que muitos deixam de ligar suas casas à rede de esgoto. A taxa pelo serviço corresponde a 80% do valor da água. E quem não pode pagar, como é que faz? A socióloga Elisabete Santos, que organizou o livro O caminho das Águas de Salvador, de 2010, defende que o estado crie condições para que o morador conecte-se à rede. "Água não pode ser uma mercadoria. Nossas empresas de abastecimento e saneamento não estão aí para dar lucro. Elas precisam atender a essa demanda social revendo os custos".


Júlio relativiza a questão dizendo que a Embasa oferece uma tarifa social, que pode ser requerida por famílias de baixa renda. "Quem não tem R$ 15 por mês para pagar a taxa? Aposto que para a cerveja não falta".


Em meio a mapas da região metropolitana de Salvador e dezenas de pastas atulhadas de estatísticas, ele conta que trabalha com uma meta clara. "Minha perspectiva é pescar e nadar nos rios de Salvador". Inspirado pela visão, apela para metáforas: "Os rios são como veias do corpo humano. Se eles estão poluídos, significa que aquele corpo está doente. O saneamento é uma espécie de um marco civilizatório, é uma questão de saúde pública. Se você entra numa cidade com esgotos a céu aberto, essa não é uma cidade civilizada".


Um projeto-piloto pode começar a transformar em realidade o "I have a dream" da pesca e nado. A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) coordena, em parceria com a prefeitura, a Embasa e o Ministério Público, a recuperação do rio Pituaçu, principal afluente do rio das Pedras, que nasce próximo à BR-324. O objetivo é sanear os bairros do entorno, intensificar a coleta de lixo, envolver a comunidade e estabelecer áreas de proteção. O termo de referência do projeto já está pronto, mas as obras e serviços ainda não foram licitados.

CAMINHO TURVO

Antes de virarem estorvos malcheirosos, que volta e meia alteram a balneabilidade das praias, nossos rios tiveram papel de destaque na história da cidade. O rio dos Seixos servia como defesa natural da aldeia onde vivia Caramuru, no Porto da Barra, e o Camarajipe, aquele que se vê em frente à rodoviária, foi um dos principais mananciais de abastecimento da cidade do final do século 19 até meados do século 20, quando, acredite, ainda se podiam pescar ali peixes e pitus.


Essas informações estão reunidas no livro O caminho das águas em Salvador, produzido a partir de uma pesquisa coordenada pela Escola de Administração da Ufba. Além de apontar a qualidade das águas de rios e fontes, o grandioso estudo propôs uma nova delimitação de bacias hidrográficas (12) e bairros (160) - que ainda não foi institucionalizada pelo poder municipal - e uma série de intervenções para recuperar e monitorar os rios urbanos.


Algumas delas serviam mais como lembretes, pois já estavam previstas em lei. "Não faltam estudos, não faltam ideias, mas falta ação", registraram os autores, um tanto aflitos. Sabiam onde navegavam. Cinco anos após o lançamento do livro, Elisabete Santos afirma sem rodeios que quase nada foi feito. "Nós estamos assistindo à morte dos rios e ao agravamento do problema da escassez de água. Existe um movimento de reflorestamento de certas áreas da cidade, mas não é algo sistemático. Não há um planejamento".

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Publicações Relacionadas

A tarde play
Rio Cascão
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

Rio Cascão
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

Rio Cascão
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

Rio Cascão
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA