ANO NOVO
Estrangeiros que moram em Salvador revelam tradições de seus países
'Muito' encontrou a diversidade de costumes e tradições relacionadas às comemorações de fim de ano
Por Vinícius Marques

Em cada família, as comemorações de final de ano são diferentes. Grandes reuniões ou coisas mais íntimas, só com aquele núcleo familiar, são algumas das diversas configurações de festas que encontramos por aí.
Ainda há aqueles que passam essas datas de forma mais solitária, seja por escolha ou não. As possibilidades são inúmeras. Ampliando isso a nível global, encontramos costumes e tradições numa multiplicidade ainda maior.
Há 22 anos, a argentina María Carolina Viganó veio morar no Brasil e conta que, de cara, se apaixonou pelo réveillon de Salvador: “Todo argentino que vem para cá se apaixona e pega esse costume de usar branco”. A professora de espanhol destaca que o uso de roupas brancas na virada de ano no seu país de origem não era comum, mas percebeu que, de uns anos para cá, isso se tornou frequente.
Entre comparações mais diretas, ela pontua a queima de fogos. Quando morava ainda em Buenos Aires, o evento começava bem antes da virada de ano, antes mesmo do Natal. Segundo María Carolina, os fogos começavam a explodir com um mês de antecedência.
“Era o dia e a noite soltando fogos. Na noite de Natal e Ano-Novo, à 0h, se você saísse para os telhados das casas, era um espetáculo impressionante. O céu, para onde olhasse, você via fogos em 360º. Era uma coisa impressionante, linda. E aqui você só vê na orla”, explica. Apesar dos pontos estratégicos de fogos em Salvador, especificamente voltados para o mar, ela revela que é por conta das praias que mora na capital baiana.

Outra comparação que a professora faz é quanto aos pratos servidos. No Brasil, ela se acostumou a ver grandes banquetes, com comidas sendo preparadas e servidas, seja no Natal ou Ano-Novo. Na Argentina, segundo ela, os pratos são sempre de frios. “Várias comidas típicas argentinas, mas tudo frios”, brinca.
Ela ainda conta que as festas fora de casa são frequentadas mais pelos jovens, que ao bater dos sinos, vão se encontrar nas baladas.
Algo parecido acontece no Senegal, como conta o consultor e facilitador cultural Mamadou Gaye. De acordo com ele, lá os jovens se referem à festa como “Sair no 31”, que significa estarem bem-arrumados para a virada do ano.
Colaboração
No Senegal, ele lembra que toda a família e, às vezes, até mesmo vizinhos, se juntam e cada um colabora com uma quantidade em dinheiro para que uma pessoa organize toda a festa.
Uma pessoa fica responsável pelas comidas e bebidas e a festa começa. Não há um código de vestimenta, a não ser o “sair no 31”, onde todos se empenham em ficar ainda mais bem vestidos.
“O Senegal é um país muçulmano, a gente ora para os outros, a gente se deseja um bom ano, começando com saúde. Não temos essa conexão com o mar, como existe aqui no Brasil, por exemplo”, conta Mamadou.

Ele, que se considera “franco-senegalo-baiano”, ainda tem a experiência dos réveillons franceses. Na França, diz ele, a comida toma um lugar maior na celebração da virada: “Lá tem um menu com salmão defumado, frutos do mar, várias coisas bem específicas que compõem a ceia do réveillon”. De resto, tudo muito parecido.
Mamadou levou tanto para a França quanto para o Brasil a tradição senegalesa de tomar a frente e organizar as festas de réveillon. Ano passado, convidou amigos, cada um fez uma contribuição e ele cuidou do resto.
“Isso vem do Senegal, essa ideia de que juntos somos mais fortes. Não dá para partilhar a minha identidade, é uma coisa completamente misturada, como você pode perceber”, celebra.
Já na Espanha, segundo Esther Blanco, que também é professora de espanhol, existem algumas tradições que fazem falta quando se muda de país. Por exemplo, as Campanadas de Nochevieja, ou as Badaladas da Véspera de Ano Novo, que consiste em comer 12 uvas enquanto tocam os sinos do relógio localizado na praça Puerta del Sol, em Madrid.
“As pessoas vão à praça e assistem às badaladas. Mesmo que a maioria das pessoas estejam em festas ou em casa, ainda assim ligam a TV para ouvir as badaladas e chupar as 12 uvas, uma para cada badalada”, explica Esther.

A tradição é tão forte que eles não se perguntam 'Onde você passou o réveillon?', mas 'Onde passaram as campanadas?'. Esther conta que achava sem graça não assistir o momento da virada no relógio, com as badaladas. “As pessoas começavam a se abraçar e eu sentia falta, porque lá essa cultura é muito marcada. Virava o ano e vinham as badaladas. Achava isso diferente, sentia falta”.
No entanto, logo se acostumou com as tradições locais. Antigamente, ia ao mar, pulava as sete ondas e assistia aos fogos. Uma vez chegou até a passar a virada de ano em Copacabana, no Rio de Janeiro. Hoje, prefere o conforto de casa, com os amigos mais próximos.
“Às vezes, faço essa tradição de pular as ondas no dia seguinte quando vou ao mar. Mas ficar procurando sair, ver os fogos, já fiz, hoje não faço. Prefiro ficar na intimidade de casa. Me visto de branco normalmente, quando estou com mais pessoas”, diz a professora.
Presentes
As tradições na Espanha seguem fortes até o Dia dos Reis Magos, em 6 de janeiro, que é quando as crianças abrem os presentes, diferente do Brasil, por exemplo, que é durante o Natal. Ela conta que na noite do dia 5 de janeiro todas as cidades da Espanha recebem uma espécie de desfile de carros alegóricos, que se chamam Cabalgatas, representando a chegada dos Reis Magos na cidade para repartir os presentes.
“É uma grande tradição, eles chegam de barco, de avião, o prefeito dá as boas-vindas e depois eles desfilam com carros alegóricos por toda a cidade e as famílias vão ver. É bem bonito. À noite, as crianças vão dormir, escrevem uma carta, e pela manhã do dia 6 encontram os presentes“, conta.
Com tradições mais voltadas para o Natal, a filha de um alemão, Janie Hohenstein, que nasceu no Brasil mas logo cedo se mudou para a Alemanha, diz sentir falta dos festejos natalinos, apesar do frio. Sempre indo e vindo, a antropóloga, curadora de arte e documentarista pôde experienciar as festas de final de ano dos dois países com o passar do tempo, e enquanto prefere o Natal alemão pelas comidas e intimidade, prefere o réveillon do Brasil, mais especificamente o de Salvador, pelo calor e pelas tradições.
“Em comparação com o Brasil, o réveillon na Alemanha é totalmente chato. É frio. Natal é muito lindo lá, mas o réveillon é chato porque é um frio danado e na maioria das vezes você faz dentro de casa ou num restaurante. Não tem uma Iemanjá na Alemanha”, brinca.
Para ela, o réveillon brasileiro é uma festa mística que você faz com seus amigos e família, com todo mundo vestido de branco, rezando, pedindo coisas para o Ano-Novo. “Tem uma estética maravilhosa”.
Apesar da falta de misticismo no réveillon alemão, ela acredita que o natal de lá consegue suprir essa lacuna. “O ritual de Natal da Alemanha é mais complexo e muito bonito, às vezes, sinto falta. Gosto da intimidade, das decorações, das bebidas quentes”, diz.
Ela se recorda que entre as tradições natalinas estão, no final de novembro e início de dezembro, os calendários do advento, onde todo dia uma data pode ser aberta contendo um pequeno presente. Há também as guirlandas natalinas com quatro velas, que começam a ser acesas, uma de cada vez, quatro semanas antes do Natal, marcando a chegada da data.
“É algo mais íntimo. O que determina é a temperatura, com o frio fica aquela coisa mais íntima. Tem o cheiro gostoso, aqueles bolinhos que fazem com canela, aquele cheiro de Natal em casa. É lindo”.
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