VISIBILIDADE DIGITAL
Experiências de ativismo de pessoas trans nas redes sociais
Pessoas transexuais e travestis encontram nas redes sociais espaço para amplificar vozes
Por Álene Rios
Nas suas casas as pessoas deixam entrar só o que querem, mas quando o assunto é TV e internet nem tudo pode ser filtrado – e os impactos causados pela ‘novidade’ acabam gerando debates, para o bem ou para o mal, e o que não era visto passa a ser discutido. A edição deste ano do reality Big Brother Brasil trouxe, depois de 11 anos, outra trans para o programa: Linn da Quebrada.
Linn é travesti e atende pelo pronome ela, literalmente tatuado em sua testa, mas ainda assim os participantes da casa insistiam em errar. Assim como ela, muitas outras pessoas, transexuais e travestis, possuem a sua identidade desrespeitada todos os dias, mas, algumas encontram nas redes sociais um espaço para amplificar as suas vozes.
Saman Ferreira, 24, bacharel em humanidades e estudante de Ciências Sociais na Ufba, criado numa família politicamente engajada, sempre foi envolvido com questões sociais. A sua participação na militância se dava principalmente de forma presencial, mas em 2018 começou o seu envolvimento com as redes sociais.
Com a chegada da pandemia, ele sentiu uma necessidade mais forte de produzir conteúdos para os espaços digitais, através de vídeos, lives e posts. Embora tudo pareça positivo, Saman conta que esses espaços não são um ambiente seguro para muitas minorias, não só para pessoas trans, e que inclusive precisou se afastar por um tempo devido à transfobia.
Comentários
A internet, que foi vista durante muito tempo como ‘terra de ninguém’, faz com que muitos usuários se sintam no poder de deixar qualquer tipo de comentário nas publicações – dos mais inconvenientes e violentos, até os criminosos.
“Quando utilizo as redes sociais é para fazer com que esse tema, que é tão delicado até os dias de hoje, possa ser tratado da forma mais leve possível, que não seja cheio de termos acadêmicos difíceis e complexos, que seja uma coisa simples para que seja aceito também”, diz ele.
Para o produtor audiovisual, fotógrafo e estudante de Comunicação João Hugo, 28, no início o Instagram foi uma ferramenta para compartilhar o seu processo de transição, mas há 5 anos ele decidiu usufruir da rede como um instrumento para levar informações.
Ele também conta que não considera as redes sociais um local seguro devido à alta exposição, e ressalta que são poucas as pessoas trans que se expõem publicamente na internet devido à violência.
De lá para cá, o produtor explica que percebeu uma mudança de comportamento positiva por parte dos seguidores, mas não é algo que engloba a totalidade do público, visto que alguns seguem mas não consomem conteúdos com questões sociais, por exemplo.
“As pessoas continuam errando os pronomes porque elas querem mesmo, porque preferem fechar os olhos e seguir com a transfobia, porque a transfobia é um sistema. Assim como a cisgeneridade é um sistema, a transfobia está dentro desse sistema que é a cisgeneridade", explica.
Poder das redes
Quando começou a utilizar as redes sociais, Alana Carvalho, 40, era mais conhecida por ser mameto de inkissi – ialorixá zeladora de um terreiro de nação angola da comunidade do Calabar. Hoje, com mais de 24 mil seguidores, ela passou a utilizar o poder das redes sociais para ajudar moradores de rua e debater sobre a vulnerabilidade da população LGBTQIA+.
Para ela, o Instagram e o Facebook foram canais para impulsionar as distribuições de alimentos que passou a organizar desde o início da pandemia.
Segunda mulher trans em Salvador a ter o reconhecimento com o título de Ialorixá e educadora social dentro da Fundação Cidade Mãe, Alana conta que ainda falta muito dentro das redes sociais para a aceitação dos corpos enquanto mulheres travestis e transexuais, visto que a população cisgênero é mais aceita nesses espaços e a sociedade ainda vê essas mulheres como objeto de prazer, por mais que não estejam no papel de profissionais do sexo.
“Vem dando uma melhorada… de 0,2%, porque se você pegar a margem da população brasileira de travestis e transexuais, 0,2% dessa população está inserida na Universidade e 0,3% da população de mulheres travestis e transexuais está inserida no mercado formal", argumenta.
É importante lembrar sempre de uma das palestras mais assistidas do TEDx Talks, em que a escritora e feminista nigeriana Chimamanda Ngozi alerta para o perigo de uma história única. Por isso, mais do que nunca, é necessário se informar e ouvir diferentes vozes.
“Apesar de a gente parecer essa muralha, esse ícone de representatividade, a gente cansa, é muito cansativo você carregar uma bandeira e as pessoas lhe procurarem como se você pudesse responder por todas as pessoas trans, eu respondo por mim, Saman Ferreira, pela minha individualidade, cada pessoa é um mundo”, desabafa.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes