MUITO
Fãs celebram cultura pop no Dia do Orgulho Nerd
Data foi escolhida em homenagem a estreia do primeiro filme da franquia Star Wars
Por Vinícius Marques
O leitor provavelmente já se aventurou a assistir algum filme de ficção científica, ler histórias em quadrinhos ou um livro sobre o assunto. Mesmo que não, é possível até que em uma visita a um shopping da cidade tenha encontrado pessoas fantasiadas de personagens clássicos da cultura pop, como Darth Vader, de Star Wars, ou algum Vingador – principalmente em semana de estreia de filmes da Marvel.
Fãs desses filmes e séries são chamados de nerds há muitos anos, mais recentemente atualizado para geeks, e nesta semana eles celebram um dia inteiramente deles: o Dia do Orgulho Nerd.
Comemorado no dia 25 de maio, a data se mistura a dois grandes acontecimentos para os nerds. O primeiro, é que nesta data, em 1977, estreava o primeiro filme da franquia Star Wars.
A segunda, é para celebrar também o Dia da Toalha, uma forma de homenagem ao autor de O Guia do Mochileiro das Galáxias, Douglas Adams, que faleceu no dia 11 de maio de 2001, e em sua obra estabelece que o item mais importante para se ter em mãos, em qualquer lugar do universo, é uma toalha.
Aqui em Salvador, a data não passa em branco desde 2014, quando a jornalista e produtora de eventos, Ana Luiza Bélico, de 31 anos, realizou o primeiro encontro para festejar a data com outros grupos de fãs. Ela diz que este é um dia simbólico para se juntarem e comemorar a “nerdice” deles, porque, de acordo com ela, “somos nerds todos os dias”.
Nos encontros, ela conta que as pessoas vão de cosplay (costume play ou costume roleplay, algo como ‘encenação à fantasia’, em português) dos seus personagens favoritos. Há também desfiles e concurso desses cosplayers, além de bate-papos e outras atividades.
“É uma coisa muito especial, para mim, porque a gente sempre comemora e levamos o pessoal da comunidade de Salvador para comemorar junto. Chamamos convidados, como o pessoal do Conselho Jedi Bahia (Star Wars), do Magic Zoo (Harry Potter). Estamos sempre chamando o pessoal da comunidade para se reunir nesse dia e comemorar as coisas que a gente gosta, nossas paixões, nossos fandoms”, afirma Ana Luiza.
Os eventos aconteciam no extinto Teatro Eva Hertz, que ficava localizado na Livraria Cultura do Salvador Shopping, e fechou durante a pandemia. Nas edições anteriores, eles chegaram a lotar o espaço, com mais de 200 pessoas. Agora, sem o teatro, haverá neste ano um evento em menor escala. Será apenas um bate-papo, com o tema Fantasia – O retorno das produções de fantasia e a nova geração de fãs, que vai ocorrer na Livraria LDM, do Shopping Bela Vista, no dia 28 de maio, a partir das 16h.
Ana Luiza lembra que sempre foi uma criança nerd. Começou gostando das produções japonesas, como os animes e os mangás (desenhos animados e quadrinhos) e, aos poucos, foi enveredando para a parte mais ocidental de super-heróis, dos quadrinhos norte-americanos e, eventualmente, do cosplay. O cosplay, inclusive, chegou para Ana há 15 anos, a partir de uma revista.
“Descobri que existiam pessoas que se vestiam dos personagens que eu amava. Fiquei alucinada com aquilo, precisava fazer aquilo também”, conta ela. O primeiro cosplay dela foi a personagem Kagome Higurashi, do anime InuYasha, que ainda hoje guarda o cosplay e o usa quando acontecem encontros menores.
Power Rangers
Mas a virada na vida de Ana aconteceu em 2012, quando conheceu o atual companheiro dela, dono de um site sobre cultura nerd. Ele a convidou para escrever sobre cosplays no portal e, a partir daí, a coisa foi escalonando. Fizeram juntos um canal no YouTube, começaram a produzir críticas de cinema e, em dado momento, decidiram fazer um especial sobre os 20 anos de Power Rangers.
A coisa deu tão certo que o projeto anterior não fazia mais sentido para a dupla, que passou a falar apenas de Power Rangers, mudando o nome do portal de Mega Hero Brasil para Mega Power Brasil, em referência à franquia. Ana diz que hoje o projeto é basicamente seu único trabalho. No YouTube, há quase 150 mil inscritos e é onde publicam três vídeos por semana, além de um podcast, com atualizações diárias no site.
“O site tem muito acesso porque somos os únicos, temos acesso de outros países, pessoas que falam espanhol e de países de língua portuguesa, além dos gringos que acessam também, porque nos tornamos um portal de notícias que é respeitado nesses outros países. É meio insano, nunca pensei que quando eu brincava de Power Ranger, lá atrás, eu estaria no futuro trabalhando com isso”, diz Ana.
Um dos grupos sempre presentes nos encontros organizados por Ana Luiza é o Conselho Jedi Bahia (CJBA), um grupo de fãs de Star Wars que existe desde 2010. O atual presidente do grupo, o designer de 42 anos Paulo Márcio de Rocha, diz que os Conselhos Jedi tiveram início no Rio de Janeiro e em São Paulo, no final dos anos 1990, na reestreia dos filmes da franquia. E isso foi se expandindo para outros estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Ceará, Tocantins, Pará e aqui na Bahia.
O objetivo do grupo é, primeiramente, fazer eventos de ações filantrópicas. Paulo conta que fazem visitas em instituições de caridade, visitas a hospitais, campanha de doação de sangue e eventos beneficentes de arrecadação de alimentos. A segunda prioridade é fomentar um pouco dessa paixão que eles têm por Star Wars, é claro. “Mostrar um pouco disso para as novas gerações”.
Atualmente, o grupo é formado por cerca de 50 membros e cada um desempenha uma atividade. O papel dele como presidente é se comunicar com os outros Conselhos do país e se organizar com o grupo daqui, mas também há o setor de comunicação, os cosplayers e até mesmo pessoas que nos eventos estão ali para auxiliar quem se fantasia, seja para colocar ou retirar uma peça e até mesmo prevenir assédio dos curiosos.
Paulo não era nascido no lançamento do primeiro filme de Star Wars, mas lembra de assistir um dos filmes ainda pequeno e ficar com medo daquelas figuras de soldados e, principalmente, do imponente Darth Vader com aquela armadura negra.
“Ficava todo aquele fascínio, a curiosidade para saber mais. Um dia eu ganhei de presente uma espada que acendia, a partir daí me vi sendo um cavaleiro Jedi, brincando e assistindo aos filmes, colecionando e entrando de cabeça nesse universo”, diz ele.
Cultura
O presidente do CJBA considera que com a difusão da cultura pop pelos meios de comunicação, com as grandes editoras e produtoras trazendo e criando materiais pensando no público geral, houve, de certa forma, um abraço da sociedade para esse tipo de cultura nerd e hoje ele acredita que não exista tanto preconceito como antigamente.
“Pessoas que, normalmente, não gostavam desses filmes de fantasia, de ficção cientifica, de coisas fantásticas, agora começam a gostar de filmes de super-heróis da Marvel e DC, Harry Potter, Senhor dos Anéis, Star Wars. As grandes franquias vão ganhando espaço no coração de todo mundo”, reflete Paulo.
O psicólogo Patrick de Queirós, de 27 anos, é presidente de outro fã-clube, o Toca Bahia, dedicado a obra de J. R. R. Tolkien, autor dos livros de O Senhor dos Anéis. Patrick concorda que hoje não existe tanto preconceito assim, e ele mesmo nunca sofreu nenhum ataque por ser fã dessas séries da cultura pop.
Assim como o CJBA, o Toca Bahia também se dedica a atividades filantrópicas, como doação de sangue. Em fevereiro, fizeram doações para as campanhas das chuvas que afetaram parte do estado. O objetivo do grupo, para além de se dedicar ao trabalho de Tolkien, também é de ser um espaço para comentar outros trabalhos da cultura pop que os membros gostem.
Atualmente, o grupo é composto por 70 membro, mas, segundo Patrick, ativamente estão entre 20 a 25. Eles se comunicam por meio de um grupo no WhatsApp, onde todo tipo de assunto é permitido, exceto política e religião, que, de acordo com o presidente, pode “gerar desentendimento”.
Para além do trabalho de Tolkien, Patrick se dedica a fazer análises psicológicas, abordando algumas questões conceituais dentro da psicologia que aparecem em mangás, animações e alguns filmes em seu blog chamado Pausa Para Análise.
“Tento fazer uma pesquisa mais acadêmica tentando explicar para as pessoas o que acontecem nas obras e que muitas vezes não são explicados”, explica o psicólogo.
Ele também administra, junto a um amigo, a página Agenda Nerd Salvador, que como o próprio nome dá a entender, divulga os eventos nerds que acontecem em Salvador e na região metropolitana. Isso o deixa mais próximo de outros organizadores de fã-clubes da cidade, que ele considera ser um cenário bem diversificado.
“Talvez nós nos aproximemos mais de uma realidade de São Paulo e Rio de Janeiro, em termos de diversidade, do que outros estados, não só sobre Tolkien, mas sobre outras coisas também”.
No entanto, o presidente do Toca Bahia afirma que o público de Salvador não é muito participativo nas atividades propostas pelos grupos – ainda que a maior parte dos fã clubes da capital baiana façam atividades gratuitas.
“Normalmente, quem conhece, quem participa, são mais as mesmas pessoas. É uma questão, de certo modo, de nicho. Mas não por uma questão só de divulgação, é porque as pessoas não comparecem mesmo. Elas comparecem mais nos eventos grandes, que são o Bon Odori e Anipolitan, que são pagos, onde existe uma empresa por trás, uma divulgação maior”, explica.
Cosplay
O produtor cultural Victor Karl, de 27 anos, é um dos frequentadores desses eventos pagos que Patrick cita. Foi por conta desses eventos, inclusive, que ele conheceu a atividade do cosplay. Ainda no ensino médio, um amigo citou outro evento, o Anibahia, em que as pessoas iam de cosplay dos seus personagens favoritos.
Em 2011, Victor se organizou para ir de cosplay pela primeira vez em uma edição do Anipolitan. O personagem escolhido foi Albert Wesker, um vilão do jogo Resident Evil. O personagem usa um sobretudo preto, luvas pretas, camisa de gola alta e óculos escuros, roupas difíceis de se usar em Salvador por conta do calor.
Mas esse não foi o maior dos problemas de Victor, que teve de ir montando peça por peça, encontrando em brechós e lojas, até chegar ao material final. “Foi um quebra-cabeça que fui montando”, brinca.
Naquele ano, ele criou um grupo no Facebook, o Cosplayers Bahia, com as pessoas que conheceu no evento para que pudessem compartilhar dicas de locais para encontrar roupas, costureiras e outros detalhes para os anos seguintes.
O que era um grupo de cinco pessoas hoje tem mais de 4800. Apesar disso, Victor diz que no grupo do WhatsApp, onde estão os membros mais ativos, possui somente 80 pessoas; já no Instagram, há 1 mil seguidores.
Nesses anos todos, o grupo tem se organizado para participar dos eventos, das estreias dos filmes e dos anuais Bon Odori e Anipolitan, eventos dedicados à cultura japonesa. Nos encontros menores, somente para os membros do grupo, geralmente realizados nas praças Aquarius ou Ana Lúcia Magalhães, ele relata que vão em média 20 a 30 pessoas, não necessariamente fantasiados.
O próximo encontro do grupo inclusive já tem data: 5 de junho, na praça Aquarius, a partir das 14h. Esse será o primeiro encontro deles nesse momento de retomada depois do isolamento causado pela pandemia.
Antes disso, eles se encontraram na pré-estreia do filme Homem-Aranha Sem Volta Para Casa, em dezembro do ano passado; e mais recentemente, neste mês de maio, na pré-estreia do filme Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.
Victor inclusive conta que a pandemia fez com que as pessoas olhassem para os cosplayers com outros olhos, já que se fantasiar de seus personagens favoritos se popularizou em aplicativos como o TikTok e a ferramenta Reels do Instagram, onde as pessoas faziam vídeos vestidos de algum personagem e dublava algumas cenas, fazia uma dancinha ou um tutorial de maquiagem.
“Vejo bastante gente nova entrando no hobby. É um bom sinal. Hoje em dia as pessoas já sabem que é uma forma de se divertir. A pessoa coloca o cosplay para tirar fotos, celebrar uma situação, sair com os amigos de forma temática”, conta.
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