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“Fazemos filmes para o nosso umbigo”: cineastas baianos lutam para chegar ao cinema

Bahia tem talento e histórias, o que falta é política cultural, dizem cineastas

Por Gilson Jorge

08/06/2025 - 7:00 h
Cena do filme baiano '1798 – Revolta dos Búzios', de Antônio Olavo
Cena do filme baiano '1798 – Revolta dos Búzios', de Antônio Olavo -

Tão logo o documentário 1798 – Revolta dos Búzios entrou em cartaz nos cinemas de Salvador há pouco mais de um ano, em 30 de maio de 2024, o diretor do filme, Antônio Olavo, começou um intenso trabalho de divulgação com mensagens pelo WhatsApp e abordagem de amigos e conhecidos na rua.

A cada semana, era um trabalho hercúleo para tentar garantir uma audiência suficiente para que as salas de cinema mantivessem na programação por mais sete dias o filme que conta a história de quatro homens que, inspirados pela Revolução Francesa de nove anos antes, sonharam em transformar a Bahia do fim do século 18 em uma república igualitária.

Sete semanas depois da estreia, uma sessão dominical no Cine Glauber Rocha, no dia 14 de julho, data em que se comemora na França a Queda da Bastilha, 148 pessoas lotaram a sala de cinema e ao final da sessão aplaudiram o filme.

O documentário de Olavo conseguiu, afinal, um feito e tanto. Ficou seis meses em cartaz em Salvador, além de ter sido exibido no interior da Bahia, além de outras 12 capitais brasileiras, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Sua última exibição no circuito soteropolitano aconteceu em 1° de dezembro de 2024.

Um mês antes que o Globo de Ouro de melhor atriz para Fernanda Torres desse uma injeção de ânimo no cinema brasileiro. No total, o documentário baiano vendeu 6.198 ingressos, segundo a produção.

Mas o que levou o filme de Olavo à improvável marca de um semestre em cartaz para um filme brasileiro e, especificamente, baiano? Além da importância da temática, o cineasta credita o sucesso de 1798 ao envolvimento da distribuidora.

"A Abará Filmes montou uma equipe muito dedicada que fez o filme circular nas salas de cinema em 13 capitais do Brasil", afirma Olavo. E, claro, o filme contou com o engajamento de intelectuais e militantes negros no boca a boca. O tempo em cartaz premiou a longa jornada do filme, premiado com R$ 300 mil pelo Edital do Irdeb em 2018, após uma pesquisa que durou 13 anos.

Veja o que está em cartaz em Salvador no Cineinsite A TARDE

Cineastas celebram conquistas internacionais, mas alertam para realidade no Brasil

O cineasta Antônio Olavo
O cineasta Antônio Olavo | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Sobre os prêmios internacionais concedidos ao cinema nacional este ano, Olavo afirma que o êxito de um filme brasileiro no exterior é importante, mas não pode causar a ilusão de que essa é a realidade.

O cinema nacional, bem como o cinema baiano, é também um contingente enorme de produções independentes, de baixíssimo orçamento, que têm muita dificuldade de adentrar ao circuito comercial
Antônio Olavo

Antônio Olavo destaca como positivo o fato de seis longas baianos terem chegado às salas de cinema do Brasil em 2024. "Este ano, já tivemos Café, Pepi e Limão e agora A Matriarca está em cartaz", pondera Olavo.

Café, Pepi e Limão é um drama baseado em fatos reais sobre três adolescentes que sobrevivem nas ruas de Salvador. Dirigido por Adler Kibe Paz e Pedro Leo Martins, o filme entrou em cartaz em Salvador, no Sala de Arte MAM, e em São Paulo.

A Matriarca, de Lula Oliveira, estreou em três unidades do circuito Sala de Arte e deve ficar em cartaz até o fim deste mês, pelo menos. Estrelado por Luciana Souza, Jackson Costa e Aicha Marques, o filme aborda o reencontro de parentes em uma cidade fictícia para celebrar os 90 anos da matriarca da família.

Para Lula, prêmios do nível de Cannes (Kleber Mendonça Filho como diretor e Wagner Moura como ator, por O Agente Secreto) e o do Oscar (Melhor filme estrangeiro para Ainda Estou Aqui) têm um impacto na cinematografia nacional como um todo.

Especificamente sobre o cinema baiano, o que eu entendo é que nós temos grandes ideias e um grande potencial. Temos todos os insumos necessários para que se façam bons filmes, e temos bons filmes
Lula Oliveira
Lula Oliveira, diretor de 'A Matriarca'
Lula Oliveira, diretor de 'A Matriarca' | Foto: Denisse Salazar | Ag. A TARDE

"Falta uma construção política para que os filmes ganhem visibilidade fora, porque as distribuidoras não vão dar conta disso sozinhas", afirma Oliveira. Para o cineasta, as produções locais trabalham com uma limitação orçamentária que inviabiliza o custeio da promoção da obra.

Incentivos insuficientes e desarticulação limitam alcance

Outro problema apontado por Oliveira, em face à escassez de recursos, é fragmentação do já precário ambiente cinematográfico com estratégias de divulgação por setor identitário. "Ninguém tem dinheiro sobrando, mas há uma dificuldade enorme em se pensar coletivamente. As entidades de classe que tentam fazer uma representação coletiva têm dificuldade em reunir todos, e cada um está defendendo o seu pedaço, o cinema negro, o cinema LGBT, o cinema do interior", avalia Oliveira, para quem o cinema é uma coisa só.

"Eu costumo dizer que o cinema baiano é um arquipélago com ilhotas que não dialogam entre si", completa o cineasta, para quem enquanto não houver uma estratégia comum as pessoas vão fazer filmes para o seu próprio umbigo.

A preparação de A Matriarca levou mais de 10 anos. O roteiro foi elaborado entre 2012 e 2015, em 2017 o filme ganhou um edital da Ancine e foi rodado depois da pandemia. "O filme chegou ao cinema, mas isso é um sucesso ou um fracasso? Um filme precisar de uma década tem um quê de fracasso também”, argumenta Oliveira.

Ex-colega de faculdade de Wagner Moura, o cineasta enaltece a generosidade do premiado ator. "Ele está sempre apoiando projetos culturais. Em 2023, ele e Sandra (fotógrafa Sandra Delgado, mulher de Wagner) foram ver o filme no Los Angeles Brazilian Film Festival e agora está apoiando o livro do jornalista Franciel Cruz", assinala Oliveira.

Como consolidar audiovisual fora do eixo RJ-SP?

Sergio Machado avalia projetos que não se concretizaram
Sergio Machado avalia projetos que não se concretizaram | Foto: Divulgação

Uma das organizadoras do 8° Festival Lugar de Mulher é no Cinema, que acontece de 23 a 25 de julho em Salvador, a cineasta Hilda Pontes considera que um dos grandes desafios para quem produz na Bahia é justamente o fato de estar fora do eixo Rio-São Paulo, onde abundam os recursos. "Por mais que pareça clichê, estamos em uma bolha. É preciso se destacar no cinema baiano para furar essa bolha", avalia Hilda.

O outro problema apontado por ela é a escassez de incentivos financeiros desde a produção do filme até a exibição. "Quem faz cinema na Bahia está sempre na resistência, tentando sobreviver", avalia Hilda.

O cineasta Sérgio Machado vibrou muito com os prêmios de O Agente Secreto, até por ser amigo de Kleber Mendonça Filho e de Wagner Moura, de quem também foi colega de faculdade e com quem costuma comentar os resultados dos jogos do Vitória, outra paixão compartilhada.

Sérgio, aliás, esteve em Cannes com Wagner e com Lázaro Ramos, outro rubro-negro, quando apresentaram no festival o filme Cidade Baixa. Apesar de morar em São Paulo, o cineasta mantém estreito vínculo com a Bahia e praticamente todo o seu trabalho conta histórias baianas.

Desde esse lugar de distância próxima, o cineasta avalia o cenário do audiovisual na sua terra natal: "O que eu sinto é que história claramente não falta. Salvador é uma cidade rica de cultura desde sempre. É a terra de Jorge Amado, João Ubaldo e Glauber Rocha. Um lugar onde não falta talento, nem faltam histórias. O que falta é uma política cultural, por parte de todos os governos", avalia Sérgio.

O cineasta destaca que ao longo dos anos, à direita e à esquerda, houve muitos ensaios de elaboração de projetos que não se concretizaram. "Eu já fui convidado para conversar por vários governos, para criar polos audiovisuais na Bahia e nunca vi isso sair do papel", conta Sérgio, que declara manter a esperança de que algo aconteça. "Tomara! No dia em que o pessoal descobrir a importância, vai pensar: caramba! Por que ninguém fez isso antes?", declara Sérgio, com a autoridade de quem trabalhou por sete anos na criação de polo de cinema no Ceará, o Porto Iracema das Artes, a convite dos cineastas Karim Aïnouz e Marcelo Gomes.

"Está dando frutos incríveis com um investimento relativamente pequeno. Eles fizeram um cálculo de que a cada real investido rendeu, sei lá, 20 reais", afirma o cineasta.

Para Sérgio, Salvador tem uma grande vocação para o audiovisual e poderia se gerar muito dinheiro com uma iniciativa semelhante.

Seria também uma forma de promover a cidade. Mas a gente vive mais de talentos esporádicos, que acabam saindo. Muita gente da minha geração foi embora. Wagner, Lázaro, João Miguel, Vladmir Brichta
Sérgio Machado

O cineasta, no ano passado, lançou os documentários 3 Obás de Xangô, sobre a amizade entre Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado, e A Bahia me Fez Assim, com artistas e coletivos de diferentes gerações, das Ganhadeiras de Itapuã e o Ilê Aiyê a Larissa Luz e Xênia França.

Outra criação recente de Sérgio Machado é a minissérie Maria e o Cangaço, sobre a vida sertaneja da jovem Maria de Dea, antes de se transformar em Maria Bonita. A série, que tem direção de Thalita Rubio, Adrian Tejido e do próprio Sérgio estreou em abril passado no canal Disney+ "Temos talento, iniciativas bacanas como o Panorarna Coisa de Cinema, mas não tem um investimento a longo prazo. Falta só isso para a coisa deslanchar", aposta o cineasta.

Diferente do que possa parecer, espaço para exibição de filmes nacionais, e baianos, não é um problema. Pelo menos nas salas alternativas. No início de junho, das 17 produções em cartaz no circuito Saladearte, 11 eram brasileiras.

"A gente não tem tela para exibir a quantidade de filmes nacionais que chegam. No ano passado foram produzidos quase 300 filmes brasileiros", afirma a diretora e sócia do circuito, Suzana Argollo, para quem a dificuldade é convencer o público a dar uma chance a essa produção made in Brazil. O que pode mudar com o recente sucesso de filmes brasileiros no exterior.

"Quando o cinema nacional começa a ganhar prêmios, especialmente em grandes festivais, como o de Cannes ou o Oscar, pode diminuir um pouco o preconceito que as pessoas têm", avalia Suzana, que vibrou muito com os prêmios de O Agente Secreto pela sua conotação sociopolítica.

A gente ainda vive sob o rescaldo de uma crise grave que houve no Governo Bolsonaro. Não foi só uma crise de falta de recursos. Foi uma crise de imagem. Eles resolveram colocar todos os artistas e fazedores de cultura como párias
Suzana Argollo
A diretora da Saladearte, Suzana Argollo
A diretora da Saladearte, Suzana Argollo | Foto: Divulgação

Um pleito dos exibidores é que as políticas públicas contemplem também as salas de exibição que não se rendam aos megasucessos de Hollywood e ofereçam filmes brasileiros à audiência.

Sobre a importância de oferecer o cinema nacional ao público, Suzana faz uma comparação com o estrondoso êxito de Ainda Estou Aqui. "É um filme bom. Mas fez sucesso porque teve dinheiro. Tem muitos filmes bons que não fazem sucesso", afirma a exibidora, que cita como exemplo de pérola do cinema nacional que passou despercebido o filme Mais Pesado é o Céu, do cearense Petrus Cariry, com Matheus Nachtergaele.

No que diz respeito ao cinema baiano, Suzana citou a boa performance nas bilheterias de Ó Paí, Ó 2, de Viviane Ferreira, e de Medida Provisória, de Lázaro Ramos. A exibidora declara-se esperançosa de que a anunciada Bahia Filmes [criada oficialmente em novembro do ano passado pela Assembleia Legislativa da Bahia e sancionada em fevereiro de 2025], uma estatal para a promoção do audiovisual, vingue.

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Ainda Estou Aqui Cinema Baiano Cinema Nacional Fernanda Torres Festival de Cannes Globo de Ouro lázaro ramos O Agente Secreto oscar wagner moura

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