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19/03/2023 às 6:00 | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Festival de Graffiti reúne mais de 100 artistas em Salvador

Colombiana Uncanny atravessou a fronteira do Brasil em 2020 para expandir sua atuação como artista nômade

Na foto a artista colombiana Uncanny
Na foto a artista colombiana Uncanny -

De origem indígena, a colombiana Uncanny atravessou a fronteira do Brasil em 2020 para expandir sua atuação como artista nômade, processo iniciado em 2017, quando começou a fazer graffiti profissionalmente. Veio passar um tempo, mas com o início da pandemia de Covid-19 e as limitações de viagem que se seguiram, acabou fixando residência no país, que tem percorrido com regularidade.

Em solo brasileiro, viveu a maior parte do Governo Bolsonaro e se chocou, este ano, com a dimensão da tragédia humanitária vivida pelos yanomamis na fronteira com a Venezuela, ali bem pertinho de seu país natal. "Sobre os povos originários, o graffiti é importante porque o que a arte urbana faz é mostrar todo o contexto social, espiritual ou mental nos diferentes cantos do mundo", diz ela, que aos 22 anos colocou a mochila nas costas e deixou o seu país para experimentar crescimento profissional como artista autodidata.

Dedicada principalmente aos murais, a colombiana tem usado seu tempo na estrada para entender novas linguagens, mas ao mesmo tempo em que absorve informações vai deixando um pouco de si pelos lugares que visita. "O principal foco da minha arte é me conectar com minhas emoções, com o que vai dentro de mim", diz.

Uncanny aprecia a solidão dos momentos em que está com uma lata de tinta em frente a um muro prestes a receber sua intervenção. Por isso, resiste em participar de trabalhos coletivos. Mas, neste fim de semana, a colombiana abriu uma exceção.

Convidada da sexta edição do Festival de Graffiti Bahia de Todas as Cores, cujo tema é Viva a Arte Consciente, que acontece desde quinta-feira e se encerra hoje, Uncanny participa de mutirões para pintar fachadas de residências na comunidade Solar do Unhão e o muro do Terminal de São Joaquim. O evento conta com o apoio da rádio A TARDE FM.

Surgido em Nova Iorque na década de 1970 como expressão individual de ira contra o sistema, como o pixo, o graffiti mantém os códigos criptografados pelos quais os pixadores buscam o reconhecimento de seus pares. Mas é cada vez mais também uma arte que levanta bandeiras.

A edição deste ano do BTC, por exemplo, trouxe a ativista indígena Vanda Witoto, candidata a deputada federal pelo Amazonas em 2022. Outro convidado do festival, o grafiteiro paulista Mundano lidera há mais de uma década um projeto de valorização dos catadores de material reciclável chamado Pimp my Carroça, através do qual o veículo de trabalho dos catadores é grafitado. E um conterrâneo seu aproveitou a descoberta de seu daltonismo para enveredar por políticas de inclusão no graffiti.

Aqui na Bahia, o coletivo Musas (Museu de Arte de Rua de Salvador) usou o graffiti como ponto de partida para a valorização da comunidade do Solar do Unhão, que nos últimos anos atrai pessoas de outros bairros e até de países para frequentar os restaurantes criados por moradoras e que se tornaram referência gastronômica. O restaurante de Dona Susana, por exemplo, aparece na segunda temporada da série Street Food (comida de rua), exibida pela Netflix.

Não à toa, foi feita a escolha do Museu de Arte Moderna, vizinho ao Solar do Unhão, para sediar parte da programação do festival em sua primeira edição pós-pandemia. O próprio museu tem se aberto mais à comunidade do grafite nos últimos meses, com a instalação dentro de sua estrutura de uma residência artística para artistas de rua. Há arte mais moderna do que o grafite, afinal? Durante este mês, a residência está sendo feita por integrantes do Musas, o grupo que ajudou a revitalizar a comunidade do Solar do Unhão.

Mas antes desse encontro entre o BTC e o MAM, houve outra sigla, aquela mesma que assustou a todo o mundo nos últimos três anos, a Covid-19. "A sexta edição do BTC teria ocorrido em 2020 em Itaparica, com o apoio da prefeitura de lá. Veio a pandemia e precisamos suspender. Agora, o festival volta com o apoio da Fundação Gregório de Mattos", explica o escritor Evanilton Gonçalves, integrante do grupo Vai e Faz, que desde 2015 promove o BTC.

Gonçalves, que também publica crônicas no caderno Muito+, justifica a inclusão de pautas humanitárias na programação do festival. "Nós pensamos nisso desde 2020, quando a edição foi suspensa, e consideramos oportuno trazer Vanda Witoto", explica o escritor.

O convite à liderança indígena, assim como toda a programação e a distribuição de tintas aos artistas só foi possível graças ao apoio da FGM através de edital, o que só foi anunciado oficialmente há menos de um mês.

Diferenças

Embora o movimento de arte de rua englobe todo mundo que use uma lata de graffiti para se expressar, há diferenças técnicas, estéticas, econômicas e de status. Um garoto que se arrisque a subir no alto de um prédio apenas para marcar sua assinatura com um pixo busca, principalmente, o respeito e a admiração da comunidade grafiteira pela sua ousadia.

A pessoa que elabora em casa um desenho e o transpõe para um muro urbano sem a autorização do proprietário é um grafiteiro. Se o desenho for autorizado e o artista receber remuneração pelo trabalho, ele se transforma em um muralista. A autorização ou não de um desenho demarca a linha que separa um protesto de um mercado de trabalho. Ambos, pixadores e muralistas, buscam de seu jeito um reconhecimento, seja dos seus pares, seja da sociedade.

"O graffiti tem como um dos papéis principais o poder de transformação e ele bate em temas importantes que a sociedade precisa escutar, assuntos que precisam estar sempre em pauta, como violência, ocupação urbana, questões socioambientais", afirma Galvão, um dos muralistas mais atuantes em Salvador. É dele a imagem de uma baleia que estampa a fachada da sede do jornal A TARDE, no Caminho das Árvores.

Diferente da maioria dos participantes do festival, que chegaram na quinta e viajam entre hoje e amanhã, e foram alojados no Colégio Ypiranga, na rua do Sodré (Dois de Julho), o paulista Mundano fica na Bahia por 10 dias.

No próximo fim de semana, ele participa de uma ação em Alagoinhas e antes disso vai refazer a pintura de um mural que fez há 14 anos na Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava (Caec), uma atividade com a qual tem familiaridade.

Desde 2007, em São Paulo, Mundano realiza intervenções com graffiti em carroças de catadores de material reciclável. Um projeto que nasceu por iniciativa pessoal e que se tornou um programa maior, com a participação de outros grafiteiros, em 2012. Sob o nome de Pimp my Carroça, e com financiamento coletivo, o evento passou a ser realizado no Vale do Anhagabaú, incluindo a oferta de serviços de saúde e ações culturais.

De lá pra cá, foram mais de 10 mil intervenções em carroças, não apenas na capital paulista, mas em outras cidades, como o Rio de Janeiro. "A sociedade precisa dos catadores para ajudar na redução das emissões de gás carbônico", afirma Mundano, ao ressaltar a importância de tratar com dignidade esses trabalhadores.

Inclusão

Também paulistano, Bangu One começou a pintar muros de sua cidade em 1994, inspirado por artistas que despontaram à época, como Os Gêmeos. O apelido carioca tem origem em um episódio da infância. Quando tinha 12 anos, seus cabelos ficaram infestados de piolhos e o seu pai não teve dúvida em lhe raspar a cabeça. Era também a época em que o conhecido criminoso Escadinha fugiu da prisão. Para perturbar o jovem, um vizinho pegou em sua cabeça e disse que ele estava parecendo um presidiário. O garoto chorou e o apelido ficou definitivo.

Aos 19 anos, e já ativo no graffiti, Bangu One descobriu durante uma aula de biologia que era daltônico. "Nesse processo, eu desenvolvi uma metodologia que me permite trabalhar com cores que eu não consigo identificar. Assim, surgiu o meu projeto Graffiti Inclusão - Humanização através da arte”, explica o grafiteiro, que também conduz um canal no YouTube, Bate-papo com Graffiti, em que aborda o trabalho de artistas de rua de todo o país e do exterior. "Tenho mais de 300 artistas em documentos biográficos em forma de podcast", diz ele.

Com o respaldo das conversas que manteve com centenas de artistas sobre seus trabalhos, o paulistano vê na pintura de muros urbanos uma alternativa de dar um recado à cidade.

"O graffiti é uma arte que surgiu de uma forma protestante, de dar uma voz, e junto com o hip hop virou um grito para que todas as pessoas ouçam", declara Bangu One, que vê no grafite uma possibilidade do que classifica como protesto limpo.

Ativo no graffiti desde 1998, o soteropolitano Vidal celebra o crescente envolvimento de jovens com a arte de rua na cidade. "Muitos de nós da minha geração não temos mais a mesma disposição de antes. Precisamos trabalhar, criar filho, e a gente observa com alegria a chegada dos mais novos", afirma Vidal, que faz parte do Vai e Faz.

Com trabalhos espalhados por São Cristóvão, Cajazeiras, Águas Claras e Lauro de Freitas, Vidal considera que o festival é uma oportunidade de integração entre quem já foi lá e fez e quem está começando a enfrentar os muros e paredes da cidade, com o pixo ou com o graffiti.

E entre os códigos criptografados do primeiro e a arte por vezes hermética do segundo, Vidal aponta o tipo de intervenção que mais lhe agrada. "Eu gosto de trabalhos simples e diretos, são os mais democráticos", considera o jovem veterano, que tem como temática favorita os pássaros.

Quando o sol se pôr neste domingo, o BTC 2023 terá lançado luzes não apenas nas cores soteropolitanas, como também nos rastros que os artistas de várias procedências deixam nos muros, para que a cidade os decifre.

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