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CRÔNICA

Foi parar no beleléu

Confira a crônica da autora Luisa Sá Lasserre

Por Luisa Sá Lasserre*

08/09/2024 - 3:00 h
Imagem ilustrativa da imagem Foi parar no beleléu
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Sempre me intrigou o que acontece com as coisas que desaparecem. Assim, do nada. Sabe como é? Estava bem aqui, agorinha mesmo! E, de repente… pluft. Sumiu. Já era. Procura daqui, procura dali. Nem sinal. E agora? Fazer o quê? Aposto que também já aconteceu com você.

O meu filho coleciona uma lista de não achados e perdidos: duas camisas UV, um par de Havaianas pretas, uma toalha de banho verde-claro, um boné preto pouco usado, um estojo escolar com todos os lápis e canetas dentro. Aonde foi parar tudo isso?! Alguém viu por aí?

Quando eu era criança, tinha uma expressão que eu ouvia muito… ‘foi parar no beleléu’. Gostava de tentar imaginar esse lugar mítico, desconhecido, aonde iam todas as coisas perdidas. Mas quem as levou para lá? Por que, afinal de contas, desapareceram sem dar sequer satisfação? Encheram o saco dos seus usos pré-determinados? Dos seus donos distraídos? Deste mundo abarrotado de tantos similares por aí?

Restaurei essa expressão em casa, quando meus filhos eram menores. Só que, dessa vez, era um beleléu por interesse próprio. Eu queria dar sumiço em um brinquedo velho e barulhento, foi parar no beleléu. Queria esconder meu celular das mãozinhas ágeis e espertas deles, foi parar no beleléu. Mãe, cadê? Já procurei em tudo que é canto! Ah, minha filha, sei não, deve ter ido parar lá no beleléu!

Eles riam naquele misto de desconfiança e crença, cismados com o sumiço do objeto e, mais ainda, com aquele tal de beleléu do qual eu falava. Viviam me perguntando onde ficava, como chegava lá, o que tinha nele. Era um grande mistério. Eu deixava o suspense no ar e saía de fininho.

O mistério voltou a pairar sobre nossas cabeças outro dia, enquanto procurávamos a calça jeans nova da minha filha. Ela havia usado poucas vezes, e ninguém lembrava ao certo onde tinha visto a bendita pela última vez. Foi naquele dia que ela saiu para a casa da amiga! A avó jurava. A mãe da amiga garantiu que não, não estava lá. E ela ainda por cima tinha ido de calça legging.

Ah já sei! Deixou na casa da outra amiga, a do mesmo prédio, vivem pra lá e pra cá entre empréstimos de roupas, acessórios e maquiagens… não, também não foi. Esquecida em alguma mochila? Afundada no cesto de roupa suja? Por engano nas gavetas do irmão? Nada. É… não tinha outra explicação… a calça deu um perdido na gente e se mandou. Mal ganhou liberdade fora das prateleiras da loja, resolveu tentar a vida por aí. Foi parar no beleléu por vontade própria.

Comecei a suspeitar de que ela estivesse fazendo parte desse grande movimento articulado de objetos rebelados que simplesmente se recusam a cumprir suas funções estabelecidas. Seria tudo culpa do governo opressor, da sociedade consumista, do capitalismo sem dó, que vivem dizendo que calças, afinal, foram feitas para cobrir as pernas? Onde já se viu?!

Não, pensando bem, creio que o beleléu é só um lugar muito legal para se refugiar. As coisas sumidas adoram tirar férias lá, não me pergunte o porquê. Sabe aquela camisa que você amava vestir quando adolescente? Um dia se deu conta de que já não a via há um tempo, procurou no fundo do guarda-roupa, no cesto de roupa para lavar, na gaveta de meias. Aquela caneta douradinha que ganhou no amigo secreto, bem como o livro do Machado, a mesma coisa. Sumidos, nada. Um a um, fugiram todos para o beleléu.

Tem dias que dá até vontade de fazer igualzinho e meter o pé na estrada. Um sumiço de umas oito horas já seria até suficiente… só tirar uma sonequinha, ler um livro sossegada na espreguiçadeira da beira da piscina do beleléu, e pronto. Depois voltar como se nada tivesse acontecido, bem descansada feito a calça da minha filha que reapareceu duas semanas depois na maior cara lavada, arrependida, no amontoado de roupas para doação.

*Luisa Sá Lasserre é autora do livro Pensei, mas não disse (Ed. Patuá)

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Tags:

beleléu crônica Luisa Sá Lasserre

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