MUITO
Foi um hit que passou em minha vida
Por Tatiana Mendonça
Depois de imensa visibilidade como revelações no Carnaval baiano, artistas que emplacaram músicas de sucesso avaliam o desdobramento de suas carreiras
Ziguiriguidum, ziguiriguidum, ziguiriguidum, ziguiriguidum. No Carnaval de 2013, não teve quem não cantasse e dançasse o hit da Filhos de Jorge. A banda ganhou fama e troféu revelação. Nos dois anos seguintes, desfilou novamente no circuito oficial. E depois não mais.
Sou um gordinho gostoso, gordinho gostoso. Sou um gordinho gostoso. No Carnaval de 2015, não teve quem não cantasse e dançasse o hit de Neto LX. O cantor ganhou fama e troféu revelação. No ano seguinte, desfilou novamente no circuito oficial. E depois não mais.
Pega metralhadora! Trá, trá, trá, trá, trá. As que comandam vão no trá, trá, trá, trá. No Carnaval de 2016, não teve quem não cantasse e dançasse o hit de Tays Reis, da banda Vingadora. A cantora ganhou fama e troféu revelação. No ano seguinte, desfilou novamente no circuito oficial. E depois não mais.
Feito refrão de música-chiclete, a história se repete. Nos últimos carnavais de Salvador, tem sido efêmero o percurso daqueles que se tornam estrelas em cima do trio elétrico. A festa revela, no maior dos palcos, mas parece se cansar rápido, menos piriguete e mais fiel aos artistas de sempre, alguns já sessentões.
Mas sempre há vida depois dos holofotes fulgurantes – que, a bem da verdade, nem somem, só ficam um tanto menores. E as lições vão crescendo pelo caminho. Gileno Gomes, que em 2009 fundou a Filhos de Jorge, conta com voz serena que eles não estavam prontos para o sucesso. “A gente não estava preparado para dar o segundo passo. A gente colocou a cabeça de fora, mas não pulou. Hoje, se a banda tiver que tocar 30 shows no mês, a gente sabe que já tem as músicas prontas para trabalhar. Naquele momento, não era assim. A gente não tinha planejamento. E aí a chance de errar é muito maior”.
Além do repertório curto, é o cantor que começa a fazer muito show e fica rouco, é o produtor que passa a ficar mais tempo na estrada do que pensando novos projetos, são os músicos que vão cansando do ritmo pesado, são as brigas que começam com os sócios. Gileno foi enumerando as situações comuns às “bandas de uma música só” com a sinceridade de quem olha um passado a que julga não pertencer mais. “A música sempre foi o nosso lado mais forte. Nunca perdemos a qualidade do som, do show. Então, como essa matéria-prima é muito forte, ela acabou nos reerguendo aos pouquinhos”.
A banda está em uma nova produtora, a mesma de Durval Lelys e Saulo Fernandes, e dois novos cantores, Daniel Vasco e Arthur Ramos, além de Marta Lan, a única ali, ao lado de Gileno, a viver o Ziriguidum. A música chegou a ser acusada de plágio, mas Gileno diz que, na verdade, era uma versão, feita por ele e o irmão, de uma música cubana dos anos de 1950.
Ziriguidum não tocava no rádio, mas ganhou força nos shows e ensaios no Mercado Modelo. Foi eleita a música do Pré-Caju, o evento pré-carnavalesco de Aracaju, sem que a banda nem estivesse lá. No Carnaval de 2013, Martinha lembra ter cantado o hit no percurso “mais de 30 vezes”. “Foi muito emocionante. A gente ganhou todos os troféus”.
Nos dois anos seguintes, voltaram a desfilar apostando numa outra canção, Molinho, e depois veio a fase difícil que Gileno já falou. Continuaram participando do Carnaval de Salvador de forma mais tangencial, digamos, com shows em camarotes.
Martinha acredita que a dificuldade em voltar aos circuitos oficiais da festa passa muito por certa “desunião” dos artistas da axé music. “Muitas vezes, é mais fácil mostrar o nosso trabalho fora do que aqui. Não dá nem para explicar... Falta vestir mais a camisa um do outro”.
Neste ano, eles também devem fazer shows fora do estado nos dias de Carnaval. Juram que não estão em busca da nova Ziriguidum. Querem desenvolver um trabalho consistente, não sazonal. A aposta da banda agora é a música Saudade de você, uma canção levezinha de amor – ou dor de cotovelo – que tem bem pouco a ver com o Carnaval como o conhecemos. “O axé precisa voltar às raízes. Falar de amor, de positividade, para voltar a ganhar força”, diz Arthur.
E entre um momento e outro de crise, resiliência, como lembra Gileno, encerrando a conversa: “Música não é fácil. E o sucesso pode vir de vários lugares. Uma música, um refrão, uma melodia, uma dança, uma letra bonita, um ensaio que deu certo. Pode vir de qualquer lugar e ninguém sabe de onde vem”.
Melhor hoje
Nascido em Ilhéus, Elmiro Neto só conhecia o Carnaval de Salvador pela televisão. A primeira vez que veio ver a festa de perto não foi como folião, mas como artista. Em 2015, aos 26 anos, quem apareceu por aqui foi Neto LX, o Gordinho Gostoso.
Um ano antes, em 2014, tinha lançado seu primeiro disco solo com músicas que investiam no arrocha ostentação (sim, eis o nome do ritmo). Sem se “aceitar” ainda como gordinho e com receio de que o povo ficasse rindo dele, Neto nem queria gravar o hit do álbum, composto por DJ Ivis. Mas foi convencido. Acabou transformando a música em alcunha e foi ela quem o trouxe ao Carnaval de Salvador.
Se a ideia era ostentar, ele veio a caráter. Os sites divulgaram que as joias que usava quando subiu ao trio valiam R$ 100 mil e ele estourou espumantes para luxar na performance.
Lembra de ter cantado com Anitta, com a Timbalada, de ter ouvido sua música na voz de “todos os artistas”. Mas o momento mais surreal para ele foi quando Ivete Sangalo o chamou para substituir Márcio Victor, do Psirico, num show que faria no camarote da cantora, o Cerveja e Cia.
Naquele ano, o Márcio Victor foi diagnosticado com apendicite e precisou ser operado às pressas. “Ela me deu um cachê muito bom só para eu fazer uma participação. Me disponibilizou mais de 80 policiais e 50 seguranças, porque eu tive que cruzar o circuito Barra-Ondina no sentido contrário até chegar ao camarote. Cantei três músicas, fui muito bem recompensado, e ela ainda me emprestou o jatinho dela para eu viajar pra o show que ia fazer no outro dia”. Não teve dúvidas. Estava famoso.
Depois que acabou a festa, foi colher os louros. Naquele ano chegou a fazer 25 shows por mês, com cachês que iam de R$ 50 mil a R$ 75 mil. “O Carnaval me rendeu o Brasil de brinde”. E um pedaço do mundo, também. Em 2016, quando voltou a se apresentar no Carnaval, partiu em turnê pela Europa, onde fez show em 10 países. “De lá para cá, todo ano a gente vai”.
Nesta época, Neto deixou o sul da Bahia para viver em Salvador. Depois, se desentendeu com o sócio – “algumas coisas que prefiro não citar” – e voltou para Ilhéus, onde mora hoje com a mulher e o filho de 3 anos. Diz que prefere assim, porque é lá que estão suas referências musicais. Na cidade, montou um escritório, a LX Produções, e uma produtora de vídeos, a Kond King, inspirada na Kondzilla, maior canal do YouTube no Brasil.
Empresário de si mesmo, conta que melhorou a infraestrutura da banda – comprou ônibus, painéis de LED – mas os shows diminuíram. Hoje, são cerca de 10 por mês. “Acho que não tem necessidade de fazer mais do que isso, porque eu tô sozinho. O dinheiro tá suficiente”, ri. O cachê também caiu, ele admite, mas não tanto. Ainda faz shows por R$ 60 mil, embora sejam mais comuns os de R$ 25 mil, R$ 30 mil. “Faço apresentações aqui num final de semana, dois, três shows, e aí somando fico com R$ 70 mil, R$ 80 mil livres. Isso eu não ganhava lá num mês. Então, pra mim, hoje é muito melhor, com toda a sinceridade”.
No Instagram (@netolxoficial), ele costuma postar fotos exibindo roupas de marca e carrões. “Ontem eu vi ela na vitrine, hoje tou com ela. Deus me dá tudo que peço. Obrigado Meu Deus por mais uma conquista”, postou outro dia em frente a uma L200 Triton, o texto acompanhado por emoticons de mãozinhas em agradecimento.
Também sinceramente, Neto diz que não tem mais muita vontade de participar do Carnaval de Salvador. “Para uns dá dinheiro, não sei a quem... É mais mídia. Prefiro tocar em outros lugares”. Este ano, vai fazer shows em Minas Gerais, Alagoas e Ceará.
Experiência para agarrar
Conterrânea de Neto LX, Tays Reis também não conhecia o Carnaval de Salvador até se tornar estrela da festa, em 2016. Já tinha prometido vir de qualquer jeito quando Paredão Metralhadora, música da sua banda, A Vingadora, estourou no país. Tinha acabado de fazer 20 anos e cantava há pouco mais de seis meses.
Tays fazia faculdade de jornalismo e sonhava ser artista. Um amigo comentou que um rapaz conhecido seu queria montar uma banda de arrocha com mulher. Ela se candidatou e foi vivendo tudo meio sem acreditar. “É até difícil explicar. As pessoas pensam que é brincadeira”.
Paredão Metralhadora, composta por Tays e pelo seu empresário, Aldo Rebouças, fez sucesso primeiro no sul da Bahia e depois ganhou a internet. Ivete começou a cantar, Wesley Safadão também, Anitta postou vídeo dançando a coreografia. A música chegou a ser criticada por quem achava que a letra fazia apologia a armas e violência, mas Tays rebatia que queria “valorizar o poder feminino”.
E aí “do nada”, como diz Tays, Aldo lhe avisou que ela iria “pegar um trio” no Carnaval de Salvador. “Eu falei: Meu Deus, agora é valendo”. Foram dois trios, na verdade. Um na Barra, outro no Campo Grande. Tays tava morrendo de medo de não aguentar o tranco. “Eu pensei: meu Deus, vou me cagar toda, não vai dar certo. É muito punk, são muitas horas. Achei que não ia segurar a onda. Eu já estava muito cansada porque a gente vinha de uma maratona de shows”.
Mas o cansaço ficou em segundo plano quando ela se viu vivendo um sonho. “Foi uma experiência perfeita, velho. Na hora, você nem sente nada. A dor vem depois. Foi mágico, eu só tenho que agradecer a Deus”.
Tays se arrepia quando lembra da hora em que Ivete passou no trio e a avistou no camarote da Band, ao vivo para todo o Brasil. Ivete parou para cantar com ela e declarou que Paredão Metralhadora era a música do Carnaval, não tinha para ninguém. “Tinha muita gente mafiando para minha música não ganhar. A gente estava chegando, uma banda do interior... Era um nada para quem já estava aqui. Eles estavam incomodados. E isso é ruim, né, velho, porque o espaço é aberto pra todo mundo. Mas quando Ivete falou aquilo, acabou. Ave Maria, o povo que estava com raiva, acho que triplicou. Mas eles iam se meter com a rainha? Não, né? Aí eu pensei: chupa!”.
O ano seguiu com a agenda cheia de shows, no Brasil e também na Europa. No ano seguinte, ela voltou ao Carnaval com um novo hit, Calcanhar de Prego, e desfilou num dia no Campo Grande. Alguns dos jornalistas que cobriam a festa acusaram Tays de esnobá-los, como se a fama já tivesse subido à cabeça. A artista diz que não foi bem assim: “Quando a banda está no momento, as pessoas usam de má-fé, inventam coisas. Eu tentei ao máximo atender a todo mundo, mas é um turbilhão de coisas acontecendo ao mesmo tempo”.
No começo do mês, Tays gravou em Itabuna, onde vive com a família, o videoclipe da nova música de trabalho, Guitarrinha, composta por ela. Diz que costuma fazer muitos shows na região. No Carnaval, deve tocar fora do estado. “É muita micareta, muito ensaio. A gente vai ver o que consegue fazer”.
Quando compara os dois momentos da carreira, o do começo e o de agora, Tays acredita que ela e sua equipe não souberam aproveitar as oportunidades por falta de experiência. “A gente era muito novo no mercado. Faltou alguém que tivesse mais experiência pra agarrar. Por ser leigo, a gente acabou se passando. Mas tudo é aprendizado”.
Desses ensinamentos, diz que um dos principais foi aprender a ser mais política, a ponderar mais antes de falar. “Eu falava o que queria, sem pensar muito. E nem sempre dá para ser assim. A gente amadurece. Agora eu estou dando opiniões sábias”.
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