MUITO
Frank Menezes passa os dias em casa, pensa em novos projetos e fala sobre a classe artística
Por Yumi kuwano

Acabei de descer do telhado, estou todo suado e com a lombar gritando”, foi assim que Frank Menezes atendeu à nossa reportagem. Em sua casa de cinco quartos, em Salvador, onde mora com a tia de 78 anos, que tem mal de Parkinson, o ator soteropolitano, 58, fica encarregado de cuidar dos problemas do lar. “Quem mora em casa tem que ser safo”, diz, ao contar sobre a calha que enferrujou, furou e agora vaza na garagem a cada vez que chove. Antes de fazer teatro, com 17 anos, Frank ingressou no curso de desenho mecânico, então diz entender um pouco sobre o assunto.
O teatro sempre fez parte da família de Frank, e ninguém se espantou quando ele quis desbravar o mundo artístico. O avô foi criador da filarmônica de Alagoinhas e a tia-avó, autora do primeiro hino do Bom Jesus dos Navegantes. “Todos negros, numa época que eu fico imaginando como era a ascensão do negro a partir da educação, porque nossa abolição ainda é algo recente, ainda mais naquela época”.
Ele e o irmão foram educados consumindo cultura e arte, mas o contato técnico e teórico com as artes cênicas ele só teve quando entrou no Curso Livre de Teatro, na época ministrado pelo Teatro Castro Alves. Frank também já foi funcionário público do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), o antigo INSS, e um dos criadores do espetáculo A Bofetada, no fim da década de 1980.
De lá para cá, já são 37 anos de carreira, 25 espetáculos, além de filmes (Shaolin do Sertão, A Coleção Invisível e Capitães da Areia), minisséries e novelas, como Gabriela e I love Paraisópolis.
Triste
Apesar de ser um artista com o talento de fazer pessoas rirem, Frank não tem visto no mundo motivos para rir atualmente. “Está tudo muito triste”, se emociona. “Eu nunca pensei que fosse viver um momento como esse. De ter que consolidar a ideia de que nós somos profissionais, que o que eu faço é trabalho”, ressalta.
Sem ter ideia de quando o trabalho nos palcos poderá ser retomado, ele, em conjunto com um grupo de profissionais independentes que vivem de bilheteria, pede que as autoridades olhem para os artistas como trabalhadores, que também precisam de apoio nesse momento de pandemia.
Por isso, foi criado o Plano de Crise para as Artes Cênicas da Bahia, para pensar sugestões de como utilizar a verba da Lei Aldir Blanc, que foi aprovada e precisa ser sancionada pelo presidente.
“Os governos estadual e municipal já estão nos ouvindo, por causa de ações nas redes sociais, mas é uma emergência, nós já estamos parados há meses”, diz o ator, que gravou um vídeo e publicou nas redes sociais no dia 6 de abril para chamar a atenção dos governantes e só agora estão sendo ouvidas as solicitações.
“Eu estou vivendo da minha família. A área de teatro já vem sofrendo financeiramente há muito tempo. O entretenimento é sempre o primeiro a ser cortado, porque não é uma necessidade”. A última vez que esteve em cartaz, com O Corrupto, foi em outubro do ano passado.
Protocolo
“Eu tiro de letra ficar em casa. Fico tenso quando tenho que sair na rua, porque me preocupo com a nossa ingenuidade em subestimar o que estamos vivendo”. Diabético e hipertenso, Frank é do grupo de risco, então, para sair de casa todo um “protocolo” precisa ser seguido.
Só usa chinelos, roupas leves e, antes de sair, deixa três baldes logo na entrada: um para a máscara, um para a roupa e outro para os chinelos. Entra pela área de serviço e vai direto para o banheiro, sem tocar em absolutamente nada da casa.
Um dia precisou ir ao bairro da Boca do Rio comprar materiais para consertar o problema do telhado e ficou dentro do carro, apavorado, esperando o movimento diminuir, mas desistiu. “Se eu enlouquecer, eu vou pegar a roupa de Vixe Maria! Deus e o Diabo na Bahia, em que eu fazia o diabo, e vou sair mandando todo mundo pra casa”, brinca.
Entre uma receita caseira e outra ensinada durante a entrevista, o ator conta que gosta de cuidar da casa e cozinhar, mas, na hora da limpeza, diz que divide a casa em setores: “Um dia varro uma parte, outro dia, outra, e assim vai. Se soubesse que ia ter a pandemia, tinha alugado a casa e ido morar em uma quitinete com minha tia”, brinca.
As ideias durante a pandemia são muitas: “A cabeça não para de pensar”. Agora, a mania é recitar trechos de músicas de forma séria, que publica nas redes sociais. Frank também conta que discute um projeto para fazer teatro no momento, mas diz que, para a iniciativa acontecer, precisa de recursos. “A gente não tem uma ‘gordurinha’ pra usar agora. Fazer qualquer coisa nesse sentido é muito difícil”.
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