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17/06/2023 às 20:46 • Atualizada em 18/06/2023 às 15:04 | Autor: Gilson Jorge

MUITO - ABRE ASPAS

“Havia uma reivindicação justa por mais política", avalia pesquisador

Thiago Ferreira é pesquisador e jornalista

Thiago Ferreira
Thiago Ferreira -

O jornalista e pesquisador com doutorado pela Ufba, Thiago Ferreira, estava no mestrado quando o país entrou em ebulição em 2013 com as Jornadas de Junho. De uma hora para outra, o Governo Dilma passou de muito bem avaliado a alvo de manifestações cada vez mais agressivas. A experiência vivida há 10 anos foi duplamente marcante para o jornalista. Primeiro, como cidadão que aderiu inicialmente aos protestos e se recolheu quando viu a extrema-direita tomar conta da agenda política em aliança com os setores mais conservadores da sociedade. Depois, como pesquisador que dedicou o seu doutorado a entender como as relações de afeto determinaram o engajamento de extremistas de direita e de minorias políticas nas discussões sobre o futuro do Brasil. Nesta entrevista, Thiago, que é assessor da vereadora licenciada e presidente da Funarte, Maria Marighella, admite que a pauta das manifestações de 2013 eram difusas, mas não considera um erro que democratas tenham puxado as manifestações por, segundo ele, mais direitos e mais participação política.

Dez anos depois das Jornadas de Junho, o PT está de volta ao poder e retoma a linha das políticas que estavam no bojo da contestação feita a partir de 2013 pela extrema-direita, que por sua vez parece estar mais arrefecida nesse momento. Expoentes desse pensamento político, como Bolsonaro, Moro e Dallagnol, enfrentam problemas e aparentemente nas redes sociais o barulho está menor. Você trabalhou a relação entre afetos e políticas. Como enxerga o atual momento da extrema-direita? Vê possibilidade de novos protestos no horizonte?

Primeiro, vou voltar lá. Quando eu faço a tese, tem uma grande provocação de saída, que era não entrar muito no jogo de ganhamos ou perdemos. Eu tentava entender o que saía de transformação. A tese pensa quais são as transformações políticas e os afetos no Brasil a partir das jornadas, com dois eixos de transformação que, para mim, são fundamentais: tem ali uma relação com os movimentos autonomistas, uma reivindicação de organização mais horizontal da política, isso estava lá no Movimento do Passe Livre, tem a Mídia Ninja muito relacionada a um modo de contar história no nível dos manifestantes, isso tudo está lá. E no outro eixo está, o que talvez tenha sido a contribuição mais inédita da tese, o olhar da presença das minorias políticas. Eu entendo que há uma reivindicação que não é mais só de visibilidade, em que estão pessoas negras, LGBTQIAPN+, buscando participar, buscando presença, visibilidade e ação política. Junho contribui para isso e depois tem os desdobramentos. Tem o Ocupa Escola, o Ocupa Política, tem um movimento ali insurgente, que repercute nos anos seguintes. Só que isso tem reação. Aí chega ao que talvez no discurso mais hegemônico coloca a ascenção da extrema-direita em 2013. Tem um achado. Eles pegam esse questionamento à política institucional e se vendem como antissistema. Ainda hoje tem uma galera da extrema-direita que se vende como antissistema. Os que dizem que a Globo, o Judiciário e todo mundo está 'contra nós'. E na verdade eles estão muito articulados com o sistema. Tem um jogo aí que inclusive é global, para a gente entender o hoje e também o futuro. Eles continuam surfando nessa onda. Saiu uma pesquisa de popularidade digital dos políticos e a maioria dos que estão à frente é de oposição bolsonarista. Quando você fala dos afetos, eu entendo esses afetos como engajamento identitário. Há um grande autor que ajuda a pensar isso, Lawrence Grossberg, a relação dos engajamentos. É uma galera que consegue engajar, pessoas que têm lá suas pautas e que se identificam com elas. Mas há um pensamento identitário que se opõe a essa visada mais hegemônica de um bolsonarismo. Há um aumento de candidaturas negras, LGBTQIA+, algo que eu identifico com junho de 2013. Um espaço que a gente não disputou e que precisa disputar: o parlamento. Você tem a presença na institucionalidade com outros modos, candidaturas coletivas. Um outro modo de construir a política, o questionamento do que é vertical. Isso reverbera na maneira com que outros parlamentares vão disputar a presença nesse espaço. Há um fenômeno impensável há alguns anos, a deputada federal mais votada do país ser uma mulher trans (Erika Hilton, Psol-SP). Algo que muda a partir de junho de 2013.

Como você viveu aquele junho de 2013. Eu conheço pessoas que frequentaram a Universidade e foram às ruas naquele período sem noção do porquê estavam indo. E houve pautas muito distintas. Primeiro, a esquerda foi protestar e em seguida a rua foi dominada pela extrema-direita. Qual foi a sua visão do que estava acontecendo?

Eu fui para a rua. Eu estava no início do mestrado. Junho de 2013 acontece enquanto eu estava pesquisando outras coisas. Só tive consciência de pesquisar isso já no doutorado. Mas eu estava na rua. Eu vejo aquilo como uma grande possibilidade mesmo. Tem uma confluência de pautas. Tem a realização da Copa das Confederações, um momento de grande visibilidade, e aí, eu gosto de provocar um pouco, o próprio PT entende em algum momento que havia políticas da porta para dentro de casa. Fernando Haddad fez campanha para a prefeitura de São Paulo em 2012 falando isso, que havia políticas da porta para dentro, como o Bolsa Família, só que precisava de políticas da porta para fora, como o transporte público, que faz emergir o "Não é só 20 centavos", era uma reivindicação do Passe Livre como política, meio ambiente, uma série de reivindicações, saúde, educação. Havia esse entendimento em 2012. E aí em 2013 as pautas confluem para um momento de grande visibilidade e as pessoas vão para a rua. Acho que também há movimentos globais aí, desde 2008 com a crise em Wall Street, Primavera Árabe. Há uma série de manifestações no mundo reivindicando participação política e o Brasil não consegue ficar de fora disso.

Mas e você?

Eu vou para a rua entendendo que o governo havia oferecido políticas importantes, mas que havia reivindicações outras que não foram atendidas. Em certo momento, eu vejo que a pauta muda, fica nítido isso, quem estava na rua vê, e eu começo a segurar um pouco a minha presença na rua porque eu entendia que havia já ali, ainda em junho, disputas de outras vertentes. O Sem partido, Vem pra rua, o pessoal da direita chegando. O que eu entendo é que havia disputa na manifestação para afetar o governo que estava ali. O que é que se podia fazer? Acho que a disputa deveria ter sido feita. Algo ali não foi disputado. É difícil voltar para trás e dizer que foi um erro. Há uma confusão de saída porque não havia uma pauta de reivindicação. Eram muitas pautas. Não havia um órgão central dizendo quando ir para a rua, como ir. Quem vai contar melhor essa história, a Mídia Ninja, não investe na forma tradicional de cobertura. Não tinha como a Globo cobrir melhor do que quem estava lá dentro. A Globo reconhece isso e usa imagens da Mídia Ninja. Todo mundo é pego de surpresa, jornalismo, política.

Alguns pensadores políticos se manifestaram nessa efeméride argumentando que quem esteve na gênese das manifestações percebe que foi um erro, mas não tem coragem de admitir...

Eu acho que não foi um erro. Como disse, houve reivindicações justas por outros modos de participação política. A gente não pode entender isso como um erro. Alguns países conseguiram no bojo das manifestações ter um aumento da esquerda. Olha a Espanha. Quem sai como grande vencedor daquele momento, 2012, é o Podemos, que consegue avanços em um governo de coalizão com o PSOE. Também o que vem depois aqui no Brasil, a gente não consegue explicar que foi por 2013. A gente tem lawfare, um judiciário que exacerba em suas ações, tem o golpe jurídico-parlamentar contra Dilma Rousseff. Isso também tem que ser colocado na conta. Você tem uma presidenta que botou limites em um certo modo de fazer política e Eduardo Cunha reage. A ascensão da extrema-direita é uma reação às reivindicações, à presença das minorias, de pessoas negras na universidade. Eles se veem perdendo os seus direitos. Há pensadoras que falam em um recalque masculino.

Vou insistir um pouco mais nisso. A popularidade de Dilma Rousseff estava bem alta quando começaram as manifestações. Sem que ela fizesse nada o apoio a ela caiu drasticamente. Pouco depois, outra vez sem que ela fizesse nada a sua popularidade subiu. Claro que havia o contexto mundial, mas além do governo federal não ter feito nada em especial naquele momento que justificasse manifestações, era um governo que vinha em uma sequência de políticas inclusivas. Não foi realmente um erro? E em que momento específico você sentiu que as jornadas tomaram outro rumo?

Eu insisto que não é um erro porque havia uma reivindicação justa por mais política, por mais direitos. Você não pode achar que quem está reivindicando mais direitos e mais políticas está errado. É aí a minha divergência dessa avaliação de um erro. Houve disputa, houve apropriação e eu entendo essa apropriação quando eu estou numa manifestação no Campo Grande e vejo um cartaz que chamava Dilma de vaca. Foi o meu limite. Eu não posso estar num lugar reivindicando os meus direitos, convivendo com a extrema misoginia. Eu acho que 2013 coloca na cena pública em um dos eixos o questionamento ao modo de organização da política vertical e também à própria democracia. A democracia e o sistema representativo são colocados em xeque. E os movimentos históricos como Coalizão Negra e Movimento Negro Unificado, as articulações dos povos indígenas, os movimentos LGBTQIAPN+ têm uma confluência em 2013 e agora um governo que se apresenta como de esquerda e progressista tem de incorporar essas reivindicações que se tornaram presentes a partir daquele momento.

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