MUITO
História da Inquisição na Bahia vai ganhar versão em HQ
Por Gilson Jorge
Quando os holandeses foram expulsos do Recife pelas tropas portuguesas no século 16 e a Inquisição da Igreja Católica iniciou a perseguição aos judeus, pondo fim a um período de liberdade religiosa em Pernambuco, entre 1593 e 1595, muitos emigraram para as colônias inglesas na América do Norte e 23 deles ajudaram a fundar Nova York.
Em Salvador, onde o judaísmo havia se mantido clandestinamente, o alvo dos inquisidores virou a comunidade homossexual. Padres que transavam com outros homens e mulheres como a portuguesa Filipa de Sousa, que foi processada por lesbianismo após se relacionar sexualmente com seis mulheres, além de povos originários como os tupinambás, que emulavam ritos católicos em seus próprios cultos na região de Jaguaripe, em que o chefe se autodenominava o Papa.
Baiano com família em Pernambuco, o escritor, filósofo e quadrinista Alexey Dodsworth começou a se interessar pela Inquisição portuguesa que terminaria há 200 anos, com a Revolução Liberal do Porto, por motivos pessoais. Ele é descendente de Branca Dias, uma senhora de engenho judia do interior pernambucano, processada pelo Santo Ofício por manter uma sinagoga em suas terras.
Mas a pesquisa em livros e documentos despertou o seu interesse para o que ocorria em seu estado natal, a Bahia. “A coisa aqui era mais picante. Filipa de Sousa foi condenada por seduzir mulheres casadas”, diz o roteirista do livro em quadrinhos Confissões da Bahia.
O projeto está sendo desenvolvido dentro do programa de residência artística do Instituto Sacatar, em Itaparica, juntamente com os também quadrinistas Kirnna Schaun e Hugo Canuto, ambos baianos, e a escritora paulista Cristina Lasaitis, responsável pela análise crítica e revisão dos textos.
Torre do Tombo
Dodsworth realizou a pesquisa principalmente atrás dos documentos digitais do site do Arquivo Nacional Torre do Tombo, instituição oficial do governo de Portugal, que reúne vasta informação sobre o período colonial no Brasil, e também nas pesquisas realizadas pelo antropólogo e historiador Luiz Mott.
O romance gráfico Confissões da Bahia pretende reproduzir os processos inquisitórios desse período histórico. “As pessoas normalmente pensam em bruxas sendo queimadas, mas a inquisição ficou enlouquecida na Bahia. Era para durar um mês, eles ficaram dois anos, destruindo os índios, combatendo padres”, salienta.
O roteirista, que mora em São Paulo há 15 anos, não conhecia o Sacatar até receber na caixa de e-mail informações sobre o edital que havia sido aberto. De fato, o instituto foi criado seis anos antes de sua mudança para o sudeste por uma dupla de filantropos dos Estados Unidos.
O cineasta Mitch Loch, que tinha experiência em programas de residência artistica, e o arquiteto Taylor Van Horne, que trabalhou na Bahia por mais de uma década, tiveram a ideia de trabalhar juntos na primeira residência do gênero na Bahia. Acabaram identificando na ilha um sítio com um casarão que havia pertencido à família Martins Catharino. O instituto foi batizado em homenagem à Trilha Selvagem Sacatar, parque da Califórnia onde surgiu a ideia.
Na atual turma de bolsistas do programa, iniciada em 23 de agosto e que segue até 18 de outubro, estão ainda a escritora sudanesa exilada na Alemanha, Umnyia Najaer, e a jornalista e cineasta baiana Luana Rocha. A segunda prepara o roteiro de um longa-metragem baseado em histórias de vingança protagonizadas por mulheres.
Relatos de fúria
Uma das histórias que inspiraram Luana a fazer esse roteiro foi o caso real de uma septuagenária que, durante a pandemia, teve um surto psicótico e deixou a sua rotina em Salvador após décadas de casamento para viver em Itaparica.
“Sempre gostei de histórias de vingança e vingar-se não é apenas matar. Uma ruptura pode ser uma vingança simbólica”, explica Luana, que admite a influência do filme argentino Relatos Selvagens nesse trabalho, batizado de Relatos de fúria.
Com mais de 12 anos de experiência em redações e assessorias, Luana migrou para o setor audiovisual e estudou na prestigiosa Escola Internacional de Cinema e TV, em Cuba, e também se mudou posteriormente para São Paulo.
Umnyia, por sua vez, desenvolve dois trabalhos, um sobre a repressão política em seu país, que foi governado entre 1989 e 2019 pelo ditador e criminoso de guerra Omar al Bashir, e um segundo sobre mulheres e adolescentes da diáspora africana durante o período colonial. “Eu me candidatei ao Sacatar em 2018, mas foi difícil encontrar um tempo para vir antes por causa do PhD em que estou”, explica.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes