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Homenagem à resistência cultural no 6º Festival Paisagem Sonora

Na variada programação do festival, estão diferentes gerações de artistas negros baianos

Por Gilson Jorge

01/12/2024 - 6:00 h
Festival Paisagem Sonora, que tem como uma das atrações a cantora Mariella Santiago
Festival Paisagem Sonora, que tem como uma das atrações a cantora Mariella Santiago -

Seis anos depois da criação do bloco Ilê Aiyê, fundado em 1974 no Curuzu, o artista visual J. Cunha foi convidado a colaborar com o primeiro bloco para negros do Carnaval baiano. Surgia, assim, de sua criatividade, o Perfil Azeviche, a máscara negra que se tornaria identidade visual do Mais Belo dos Belos. Eram tempos duros.

O Ilê se erguia como bastião da luta contra o racismo que excluía a maior parcela da população soteropolitana dos desfiles. Negros não eram admitidos como integrantes das agremiações carnavalescas. E no final da década de 1970 e início da de 1980, ainda sob a ditadura militar, insurgir-se contra a opressão era bem perigoso.

"Nós fazemos parte de uma comunidade de resistência", qualifica o artista, cujo período de colaboração com o Ilê, entre 1980 e 2005, ganhou as páginas do livro J. Cunha e o Carnaval negro, com curadoria de Danillo Barata. A obra vai ser lançada na próxima quinta, dia 5, às 18h, na Galeria Paulo Darzé, mesmo dia da abertura da exposição J. Cunha - Ritmo e Revolução.

Ambos eventos integram a programação do festival artístico Paisagem Sonora, criado há 15 anos por professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e que, este ano, aporta na capital baiana com o tema Organizações da Resistência. O festival acontece de quinta-feira a domingo, com atividades gratuitas no Museu de Arte Contemporânea (MAC), na Graça, e na Galeria Paulo Darzé, na Vitória.

Na variada programação do festival, estão diferentes gerações de artistas negros baianos que, a seu modo, são símbolos de uma cultura que resiste, como Mateus Aleluia, Mariella Santiago e Viviam Caroline, entre outros.

Contexto

Sobre a ideia de ser da resistência, J. Cunha lembra o contexto de formação do Ilê, que completa agora 50 anos, em um momento em que o Governo Federal estava longe de incentivar as artes. Bem ao contrário, o setor cultural enfrentava perseguições e censura.

"A arte era praticamente proibida aos brasileiros. A ditadura tem ódio de artista, inveja de artista. Vai dizer que vida de militar é boa? Aonde? Ficar obedecendo ordens, com aquela roupa o tempo inteiro", pondera J. Cunha, emendando que os artistas desconstroem essas condições.

Co-curadora da exposição de J.Cunha, a galerista Thaís Darzé destaca a importância de homenagear um artista que é histórico mas também atual: "Ele está no ápice de sua produção, com uma qualidade muito grande". Ela sublinha a importância da presença do artista no Carnaval negro da Bahia também como um ato que vai além da arte. "Todos os pilares, o pensamento político, o pensamento estético, estão unidos dentro dessa obra", afirma a curadora.

Quando se fala em resistência na cena cultural soteropolitana na década de 1980, é difícil contornar a força do samba-reggae, criado por Neguinho do Samba, e a sua influência perene no Pelourinho, mas também em toda a cidade.

A música que catapultou o Olodum e trouxe a Salvador os ícones mundiais Paul Simon e Michael Jackson teve grande importância na manutenção de espaços negros no Centro Histórico. Uma área da cidade que, com a reforma dos casarões coloniais na década de 1990, passou por um período de elitização. Neguinho do Samba, aliás, foi mestre de percussão no pioneiro Ilê Aiyê antes de migrar para o Olodum.

Ex-integrante da Banda Didá, a percussionista, jornalista e pesquisadora Viviam Caroline estudou o samba-reggae no seu mestrado na Ufba e tem uma compreensão teórica e empírica do movimento.

"A minha pesquisa sempre observou o samba-reggae por esse olhar, pois para além do fenômeno musical há o fenômeno social, histórico, político e geográfico. É um conjunto de transformações que a comunidade do Pelourinho vivencia a partir da organização dos tambores feita por Neguinho do Samba", pontua a pesquisadora, ex-companheira do músico e que no dia 7 participa de um seminário sobre samba-reggae com o artista sonoro e pesquisador Edbrass e a antropóloga e pesquisadora Goli Guerreiro.

Uma das mudanças no Pelourinho destacadas por Viviam é a identidade dos percussionistas, homens e depois também mulheres. "Esse corpo que toca estava dentro de uma comunidade invisibilizada, marginalizada. Essa virada de chave tem o samba-reggae como protagonista, como trilha sonora da mudança", afirma a jornalista, que desde março deste ano está de volta ao Pelourinho com a nova sede da sua banda feminina, Yayá Muxima, na Rua da Ordem Terceira. A instituição oferece também cursos e oficinas para mulheres e crianças.

Viviam, que está se preparando para fazer um doutorado-sanduíche em Nova York, também sobre o samba-reggae, aponta a singularidade desse ritmo que está absolutamente vinculado a Salvador, a partir da ressignificação de elementos da ancestralidade africana. "Eu, que acompanhei Neguinho por 16 anos, tenho certeza que no modo dele viver e sentir o ritmo era fundamentalmente um resgate de identidade. Não algo sistematizado, mas empírico. Algo que o corpo dele como líder insistia que acontecesse", reflete a pesquisadora.

Shows e debates

Tanto na parte de debates quanto de apresentações musicais, o Paisagem Sonora é fortemente marcado pela contribuição de repertório acadêmico e cultural entre um grupo de intelectuais e artistas que se relacionam há cerca de duas décadas.

O show da cantora Mariella Santiago, por exemplo, trará vestígios da convivência de Mariella com o professor e pesquisador alagoano Cláudio Manoel, um dos criadores do festival e integrante do Coletivo Pragatecno DJs, criado em 1998 e responsável pela disseminação da música eletrônica em Salvador na virada do milênio.

O repertório do show foi determinado a partir de uma residência artística que a cantora fez no Instituto Sacatar, na Ilha de Itaparica, entre março e abril deste ano. A residência desaguou no projeto Aqualtunes, que usa como referência Aqualtune, guerreira negra e uma das lideranças do Quilombo dos Palmares. "Temos essa correspondência semântica. Aqua remete a água no português. E ‘tune’ remete a canção, em inglês", explica a cantora.

O show da cantora terá duas canções compostas nesse período: Iyá Ori e Airada, além de músicas que integram o repertório de Mariella, como Eu Sou Negão, de Gerônimo, do primeiro disco da cantora, chamado Mariella. "Essa música tem a ver com a retomada da música dos anos 1980, que virou axé-music. E essa celebração dos 11 anos do Paisagem Sonora tem muito a ver com isso", declara a cantora.

O show terá duas loop stations, que são estações sequenciadoras portáteis. "Quando você insere a voz no dispositivo, muda o som da voz, brinca com ele de uma forma digital, com todos os efeitos que você pode aplicar numa guitarra, num piano. Você traz essa brincadeira para a voz", explica a cantora, que tem trabalhado na interlocução entre o analógico e o digital.

Um dos curadores do festival, o professor Claudio Manoel explica que dessa vez foi necessário pensar no formato a ser aplicado em Salvador, com uma retomada do modelo original. "Quando a gente fez a proposição dele, em 2013, havia o conceito de entender o Paisagem Sonora como algo mais complexo. Além do conceito mesmo de qualquer tipo de som na paisagem, a gente também trabalhou o tema da paisagem, entrando nos campos do áudio e das visualidades", afirma o pesquisador.

Antes da formalização como Paisagem Sonora, o grupo funcionou por quatro anos como Coletivo Xaréu, uma iniciativa do professor e artista Danillo Barata, com a participação de Claudio Manoel e dos professores Jarbas Jácome e Fernando Rabelo, todos professores da UFRB, que formaram uma banda, que posteriormente passaria a promover um festival.

Discurso

Sobre o tema do festival, As Organizações da Resistência, Cláudio destaca os 50 anos do Ilê Aiyê. "Eles que fizeram esse discurso das organizações da resistência, com a fundação de um Carnaval negro. E J. Cunha está lá presente na trajetória do Ilê como designer", assinala o professor.

Como o Paisagem Sonora, mesmo em Salvador, recusa-se a deixar para trás o Recôncavo, onde foi gestado, a curadoria trouxe para a programação o mestre cachoeirano Mateus Aleluia. "Ele talvez seja hoje o grande símbolo vivo dessa música coletiva, que vem de Os Tincoãs e da pesquisa diaspórica. Junto com ele, um outro destaque é Mariella Santiago, uma mulher negra, artista da Bahia, que sempre faz essa conexão entre os temas locais e os temas universais", afirma.

Na primeira edição do Paisagem Sonora, em 2013, o festival levou a Cachoeira e São Félix a mostra Retreks UnSung City, com artistas sul-africanos. "Essa mostra só tinha sido exibida como instalação em Joanesburgo, na África do Sul, e em Amsterdam, na Holanda. Com a parceria que a gente tinha com uma fundação holandesa, a gente conseguiu trazer essa mostra", lembra o professor, artista, curador e pesquisador Danillo Barata, ao salientar que o coletivo sempre quis aproximar o que o Recôncavo tem de potencial de artistas de outras partes do mundo.

Barata afirma que depois da pandemia o coletivo passou a pensar o Paisagem Sonora para além de um festival. "Pelo fato de estarmos ancorados em uma universidade, pensamos em ações formativas, com oficinas e seminários. Com o apoio da Funarte, ele virou um programa de longa duração", explica o professor.

A parceria entre as duas instituições foi firmada em dezembro de 2021 com o Programa de Promoção da Música do Recôncavo da Bahia. "Nós passamos a ter bolsistas e o Xaréu virou uma grande banda formada por estudantes do Recôncavo", afirma o professor, que também é curador da exposição de J. Cunha na Galeria Paulo Darzé. As atividades no Paisagem Sonora são gratuitas e não há necessidade de inscrição prévia. Mas para os seminários no MAC há uma capacidade limitada a 80 pessoas.

*Confira a programação completa do festival Paisagem Sonora no site www.festivalpaisagemsonora.org e no Instagram: @paisagemsonorabahia.

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