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MUITO

Honrar as dádivas: devoção e compromisso com o sagrado

No Brasil, a promessa é uma cultura comum entre devotos de diferentes religiões

Por Pedro Hijo

05/01/2025 - 6:00 h
Sálua Chequer
Sálua Chequer -

Há 17 anos, a baiana Bia Lola ganhou do irmão uma imagem de Nossa Senhora. Sem muita crença na pequena estátua da santa católica, a administradora deixou o objeto de lado e passou dias sem se importar com o presente. Foi após uma dança das cadeiras no trabalho que ela se viu perdida e, com o risco de se prejudicar no emprego, pediu ajuda a Virgem Maria. Comprometeu-se a seguir com fé na santa a partir dali se recebesse um sinal.

Na mesma noite, Bia sonhou com a imagem de Nossa Senhora indicando quais seriam os próximos caminhos que ela deveria tomar no trabalho. Ao acordar, a baiana se deu conta de que com fé – e com a ajuda de uma promessa – alcançaria o impossível. Assim como Bia, outros baianos também contam com a crença nas promessas para receber graças e alento.

A coordenadora de projetos culturais Sálua Chequer é outro exemplo dessa devoção. "Nos apertos da vida, recorro à minha crença", diz a baiana de Ibirataia, no sul do estado. Nascida no dia 28 de setembro, pertinho do aniversário dos santos Cosme e Damião – comemorado no dia 27 do nono mês do ano – Sálua leva a sério a tarefa de cumprir as promessas que faz. Há 30 anos, ela se comprometeu a oferecer caruru todo mês de setembro em homenagem aos gêmeos do catolicismo caso conseguisse comprar o primeiro apartamento. "Resultado: eu dou caruru até hoje", celebra.

Sálua não gosta de promessas que são calcadas na penitência. Prefere compartilhar a felicidade da graça alcançada por meio de celebrações. Daí que veio a ideia de montar a chamada "festa do alívio". "Minha maneira de pagar a promessa é sempre com alguma festa com os mais próximos", diz. Ela reúne amigos e familiares em casa, oferece comida, bebida e o espaço. "Tem festa que chega a ter cem pessoas".

Enfrentar situações adversas a partir da religiosidade é mais eficaz do que encará-las sem a crença em um poder superior. É o que explica a psicóloga soteropolitana Jéssica Plácido. De acordo com ela, acreditar que um deus pode interceder faz com que a pessoa tenha melhores reações diante das dificuldades: "Pensar na vontade divina antes de enfrentar uma dificuldade confere conforto e estabilidade".

No Brasil, a promessa é uma cultura comum entre devotos de religiões como o catolicismo, candomblé, umbanda e algumas vertentes do protestantismo. A crença de que a pessoa obterá bons resultados a partir de um sacrifício é um reflexo da devoção religiosa do país. "A promessa é uma forma de gratidão para com o sagrado", explica a psicóloga.

Com quatro décadas de união, Bia Lola e o marido se desentenderam há 15 anos. "Existem pessoas que estão há muito tempo casadas, mas não são felizes", opina a baiana. "Eu queria ser feliz e não só estar num casamento".

Foi aí que surgiu a ideia de fazer uma promessa para Nossa Senhora de Fátima. Bia pediu um sinal para a santa: se o casamento seguisse como o desejado, ela nunca mais comeria acarajé na vida. "É o meu prato favorito, eu comia quatro por semana", diz.

Desde então, ela se esquiva dos tabuleiros das baianas em Salvador para não cair em tentação. "Quando eu vou, como abará". Proprietária de uma empresa que entrega comidas por delivery, Bia não cortou o acarajé do cardápio dos clientes. "Nossa Senhora foi tão generosa que eu não me incomodo, se eu pudesse, faria a mesma promessa de novo", diz.

Para o reitor do Santuário do Senhor do Bonfim, padre Edson Menezes da Silva, a Igreja Católica “não aconselha o jogo de troca com o sagrado”: “Deus não faz barganha com ninguém”. Apesar da objeção, o padre entende a importância do sincretismo popular do qual as promessas fazem parte. “A fé orientada pela Igreja é diferente da fé que nasce da espontaneidade, isso é o que se chama de piedade popular”, explica.

O sacerdote pontua que a Igreja Católica não concorda com sacrifícios físicos que causem sofrimento ao devoto. “Aqui no Bonfim eu vejo algumas pessoas subindo a ladeira de joelhos”, conta. “Entendo que aquilo faz parte da religiosidade de um povo, mas não compactuamos”. Apesar da oposição, padre Edson, acredita que gestos de doação são válidos porque “podem se transformar em sinais de gratidão”.

A coordenadora Sálua Chequer concorda com o padre Edson. Por causa de uma promessa, a baiana já distribuiu mais de 20 cestas básicas para pessoas carentes. Ela conta sobre a vez que uma amiga ligou para ela e narrou o caso de um conhecido que estava desaparecido.

“Eu nem conhecia ele, mas prometi para meu Santo Antônio que, se ele voltasse, eu doaria mais cestas básicas”, conta Sálua. O rapaz apareceu no mesmo dia. “Ela nunca soube que eu fiz essa promessa, mas eu cumpri para agradecer ao universo”.

A devoção à fé é tanta que Sálua batizou os três filhos com os nomes dos santos juninos: Pedro, João e Antônio. As demonstrações de crença no sagrado começaram quando ela era ainda pequena. “Minha mãe tinha enxaquecas horríveis e eu pedia muito para Papai do Céu que a livrasse daquilo”, diz. “Eu prometia ser uma criança boa para sempre”.

Desde que percebeu que ao contar com a ajudinha do divino os objetivos eram alcançados mais facilmente, Sálua seguiu com as promessas. A cada nova meta, mais uma “festa do alívio” é oferecida. “A gente comemora todas as miudezas: comprar o apartamento, sair do aluguel, a recuperação da saúde do filho, tudo mesmo”, diz Sálua, que já realizou 12 festas até hoje. “É comum que as pessoas peçam para que eu converse com ‘meu’ Santo Antônio, como se o santo fosse um monopólio”.

Dinâmica

Para a psicóloga Jéssica Plácido, o hábito de fazer promessas pode se tornar uma fonte de estresse e culpa para quem apoia a resolução de seus objetivos no sacrifício. Essa dinâmica envolve duas possíveis situações: a primeira, quando a meta desejada não é alcançada, e a segunda, quando a pessoa cumpre o sacrifício mas não consegue honrar a promessa feita. “Em ambos os casos, a pessoa pode sentir um forte impacto emocional”, explica.

De acordo com a profissional, na primeira situação, a frustração por não atingir o objetivo pode gerar questionamentos sobre a existência de Deus, sentimentos de abandono divino e até a crença de que forças negativas estão agindo. “Esses pensamentos podem se transformar em uma sensação de culpa profunda, onde a pessoa se sente punida por não ter cumprido a promessa”, conta.

A psicóloga destaca que esse estresse está diretamente ligado à forma como a pessoa enxerga a relação com a religião e ao contexto espiritual em que está inserida. Jéssica ressalta que, dependendo da fé que professam, alguns indivíduos podem enfrentar uma pressão interna maior, já que algumas religiões adotam práticas mais punitivas do que outras, o que aumenta o sofrimento emocional.

Segundo o padre Edson, o catolicismo sugere algumas práticas que se assemelham às promessas feitas pelos fiéis. O jejum durante os 40 dias que antecedem a Páscoa, por exemplo, tem como objetivo a preparação espiritual para a celebração da ressureição de Jesus Cristo. A penitência, no entanto, segundo o padre, não deve ser um sacrifício. “Tanto que idosos e pessoas portadoras de necessidade estão liberadas desse jejum”, explica. “Eles devem fazer outros gestos que mostrem o agradecimento a Deus”.

Chances

Para Bia Lola, quanto mais difícil for a promessa, maiores são as chances do objetivo ser alcançado. A lista de juramentos feita pela baiana é extensa. Para estar bem de saúde no casamento da filha, ela prometeu parar de comer doces por um ano e manter o compromisso com a atividade física. “Eu pedi ajuda para Deus e parei com o brigadeiro”, diz.

Outra promessa feita por Bia envolveu as redes sociais. Ela sentiu que estava se excedendo no hábito de permanecer online e rezou para que se livrasse do "vício”. Como troca à graça a ser alcançada, se comprometeu a ficar 40 dias sem acessar nenhum aplicativo no celular.

A confiança na promessa funciona como um remédio placebo, de acordo com a psicóloga Jéssica Plácido. A eficácia do medicamento ocorre quando a pessoa acredita que está recebendo um tratamento eficaz e, como resultado, pode experimentar uma melhora nas condições de saúde, mesmo que o remédio não tenha ação direta sobre a doença. “Com a promessa funciona mais ou menos assim, também”, explica Jéssica. Segundo a psicóloga, entender que há um sentido na crença em algo superior aumenta a confiança e a resiliência do indivíduo.

Bia revela que nem sempre a fé que direciona aos santos por meio de promessas é compreendida pelas pessoas mais próximas. No ambiente de trabalho, por exemplo, era comum ouvir críticas de outros colegas. “Sofri preconceito demais. Algumas pessoas diziam que era maluquice minha ficar para sempre sem comer acarajé”, conta. Mas, Bia não se deixa abalar. “Sou aquariana, não dou ouvido a ninguém”, diz a filha de um pai ateu e de uma mãe que não tinha muito compromisso com a igreja.

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