MUITO
Humanidade em questão
Instituições de Longa Permanência para Idosos dependem de doações e voluntariado para acolher pessoas
Durante todo o período de fim de ano existe um despertar do espírito solidário. O Natal, data cristã que celebra a vida e a esperança, com certeza tem grande influência nesse momento de elevação dos sentimentos da empatia e da solidariedade.
Diversas instituições filantrópicas e ONGs aguardam com certa ansiedade a chegada dessas datas festivas para aliviar um pouco os problemas que enfrentam durante todo o ano, como é o caso das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs).
Em Salvador, por exemplo, há atualmente 68 unidades da rede de acolhimento para a população idosa, as ILPIs, de acordo com a Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre). Dessas, 64 são organizações da sociedade civil, sem vínculo com a secretaria.
O serviço de acolhimento institucional é previsto para idosos que não dispõem de condições para permanecer com a família, por vivenciarem situações de violência ou negligência, ou que estejam em situação de abandono devido aos vínculos familiares fragilizados ou rompidos, ou ainda que estejam em situação de rua.
Muitas dessas instituições enfrentam diversas dificuldades para se manterem. Faltam materiais de limpeza, medicamentos, dinheiro para pagar as contas de água e energia e uma grande lista de necessidades. No entanto, essas instituições continuam lutando para dar um espaço de paz aos idosos que lá se encontram.
No Lar Santo Expedito, localizado no bairro de Nazaré, em Salvador, a fundadora e cuidadora de idosos Regina Bárbara Santos Silva, conta que as doações pararam.
No local, atualmente, residem 32 idosos. Entre as maiores necessidades apontadas pela fundadora do lar está a falta de fraldas.
“Nesses anos que passaram, com a pandemia, as doações diminuíram muito. Estava fazendo estoque de tudo. Quando chega no Natal, a gente recebe doação para durar até o meio do ano seguinte. Na pandemia, muita gente ficou desempregada e foi muito difícil”, conta Regina.
Vontades
O Lar Santo Expedito foi fundado em 2006, quando Regina conheceu Dona Ester, uma senhora que foi morar no antigo lar em que Regina trabalhava. Ela lembra que a idosa era uma mulher rica, mas que ficou pobre e foi morar lá. Exigente, Dona Ester não aceitava morar no local. Regina, então, dava um jeito para ela ficar bem.
“O pouco de dinheiro que eu tinha na bolsa, eu fazia as vontades dela. Ela disse que eu não fazia pelo dinheiro, eu fazia pelo amor. Foi ela quem deu a ideia e o nome do lar, Santo Expedito, para eu fazer com amor como estava fazendo com ela. Até hoje eu gosto do que faço, mas não tinha curiosidade de ter um lar de idosos”, lembra.
A cuidadora de idosos, assim, alugou uma casa e transformou no Lar Santo Expedito, como proposto por Dona Ester. Mesmo sem dinheiro, ela decidiu tocar essa empreitada. O antigo local que ela trabalhava fechou e a maioria dos idosos que lá residiam foram para a instituição de Regina.
Ainda hoje há uma senhora que veio do antigo local e ainda mora no Lar Santo Expedito. A idosa tem 103 anos. “Ela é a fundadora do Lar Santo Expedito”, brinca Regina.
No total, a casa conta com 12 funcionários, entre cuidadores, técnicos de enfermagem, pessoal de limpeza, cozinheira e enfermeira. “Faltam pessoas, mas não tenho como colocar. Só se for voluntário, porque não temos como pagar”, lamenta Regina.
De voluntários, eles recebem estagiários de cursos técnicos de enfermagem e de cursos de cuidadores. Recebem também assistentes sociais e fisioterapeutas voluntários.
Regina Silva revela que gasta cerca de R$ 50 mil por mês com o lar. Nesse valor está incluso o aluguel do local onde funciona o lar, além do pagamento de funcionários, compra de alimentos e outros materiais.
“Alguns, com aposentadoria, ajudam a casa. Se não fosse por esses, seria mais complicado ainda”, constata. “Sem as doações, quando fechamos o dinheiro do mês, não dá”.
De acordo com o Estatuto do Idoso, as ILPIs podem ficar com 70% do valor do benefício do idosos para ajudar na manutenção da instituição.
O Colégio Perfil, de Lauro de Freitas, realizou no último mês uma ação solidária com o objetivo de arrecadar doações para o Lar Santo Expedito. Fabiana Maynart, orientadora pedagógica do colégio, conta que a ação foi feita com todas as turmas do sexto ao terceiro ano do Ensino Médio como um movimento de coordenação para fechar 2022.
O colégio realiza ações como essa durante todo o ano. Em outubro, para a festa do Dia das Crianças, pediram um quilo de alimento ou material de limpeza para doação.
“O importante é dizer que doações não devem ser feitas somente no Natal. As pessoas têm o costume de pensar nisso somente no final do ano, mas a fome aparece todos os dias. Por isso fazemos esse tipo de ação durante o ano inteiro”, diz Fabiana.
Outras habilidades
As ações realizadas pela escola fazem parte do programa institucional de trabalhar com os alunos outras habilidades e competências que não têm a ver somente com o conteúdo das disciplinas. No entanto, essas atividades ficam restritas ao ambiente escolar, sem muita divulgação.
Nesta última, para o Lar Santo Expedito, no entanto, decidiram mudar um pouco. Segundo Fabiana, a intenção com essas ações não é a de publicizar a escola, porém entenderam que ao divulgar podem acabar estimulando outras escolas a fazerem o mesmo.
“Às vezes, quando a gente não divulga o bem que fazemos, outras pessoas que não estão fazendo a mesma coisa não percebem que também podem fazer um movimento parecido. A intenção foi essa. Vamos mostrar para o mundo a força que temos. De gotinha em gotinha, devagarinho, ir contaminando as pessoas por essas ações boas”, conta a orientadora.
Uma das três unidades conveniadas com termo de colaboração em vigência com a Sempre, a Casa de Repouso Santa Clara, fundada há 68 anos, em Brotas, é uma das mais antigas em funcionamento em Salvador.
Com capacidade para abrigar 30 idosos, hoje cuida de 28. A diretora administrativa do lar, Selma Souza, conta que “a instituição luta para sobreviver, assim como todas as outras que passam por algumas dificuldades”.
Apesar das dificuldades, nunca aconteceu do lar ficar sem mantimentos. “Não permitimos isso”, afirma. Assim como as outras ILPIs, a Santa Clara pode ficar com 70% do benefício do idoso.
No entanto, a diretora administrativa diz que a instituição também está aberta para receber doações, a exemplo de materiais de higiene, como fralda, álcool, luvas e água sanitária.
Anexo
Selma começou a trabalhar na Casa de Repouso Santa Clara há 32 anos, quando começou como recepcionista. Foi por conta deste emprego que ela decidiu se profissionalizar para dar ainda mais suporte à instituição, que no início só atendia mulheres idosas, hoje já permitindo idosos do sexo masculino. No local, há também um anexo com uma clínica para atender os idosos residentes e também os idosos da comunidade.
Entre os 28 idosos que moram na Casa de Repouso Santa Clara, cinco deles foram encaminhados para o local pela parceria da instituição com a Sempre, através da Defensoria Pública da Bahia.
São idosos que não têm família, ninguém para cuidar, e alguns deles não possuem nenhum tipo de benefício. “Na pandemia, conhecemos idosos que não tinham nem documentação”, conta Selma.
A Sempre, em nota, afirma que “a demanda por acolhimento de pessoas idosas em situações de vulnerabilidades sociais, econômicas, vínculos familiares fragilizados ou rompidos, alto grau de dependência para promover o autocuidado, o autossustento e demais cuidados de maneira integral, tem aumentado na mesma medida em que é crescente o número da população idosa no município de Salvador, bem como, em todo Brasil, uma vez que o envelhecimento é um processo natural e contínuo, sendo que as funções do corpo e das atividades podem ser impactadas pelas mudanças ocasionadas nesta etapa da vida”.
Conforme dados de 2020, homens e mulheres acima de 60 anos representam, aproximadamente, 14,26% da população brasileira e, conforme projeções do IBGE, em 2060 as pessoas idosas devem ser cerca de um terço dos brasileiros (32,2% da população).
População idosa
Em pesquisa realizada em 2019 pelo IBGE, a população soteropolitana estimada naquele ano girou em torno de 2.872.347 habitantes, sendo a cidade mais populosa do Nordeste e a terceira mais populosa do Brasil. Deste universo, 265.538 habitantes correspondem à população idosa, 9,24% do total.
A Sempre destaca que existe uma escassez de vagas para acolhimento em ILPIs, e há uma quantidade significativa desta população em situação de rua que não adere ao acolhimento em ILPIs em virtude das características específicas do serviço, o que gera uma demanda reprimida por acolhimento.
Em Boca da Mata de Cajazeiras funciona há 16 anos o Lar Luna – Casa de Repouso para Idosos, fundado pela auxiliar de enfermagem Luna Santos e sua filha, Luciana Luna Santos, que faleceu em 2020 em decorrência da Covid-19. Luciana trabalhava no Hospital Couto Maia, além de ajudar a mãe na casa de repouso.
A experiência de Luna com idosos começou quando decidiu tirar um dia na semana para ser voluntária. Foi quando se inscreveu para o Hospital Aristides Maltês e viveu de perto os problemas enfrentados pelos mais velhos.
“Na época, abri a minha casa. Eram dois quartos, sala, cozinha pequena e um banheiro. Hoje, é o Lar Luna. Cresceu muito. Trabalhamos com tudo, só não temos atendimento de psiquiatria”, diz.
Luna se orgulha muito do atendimento que a equipe oferece para os idosos que residem na instituição que fundou com a filha. Hoje, há no local 32 idosos e ela diz que é muito difícil abrir uma vaga porque, segundo ela, lá eles são muito bem cuidados: “Com boa alimentação, plantonista, enfermeira e técnicas à disposição”.
Empréstimos
No entanto, ela lamenta que em alguns casos os filhos dos idosos quando os colocam no lar, tomam empréstimos e nunca mais aparecem. “A gente não pega o cartão do idoso. Cartão do idoso é do idoso, fica com os filhos. Em alguns casos, não recebemos nem os 70% do benefício. Tenho idoso que recebe R$ 500 por mês. Aí quando o filho quer, vai lá e deposita”.
Isso acaba dificultando o pagamento dos funcionários do local, além das contas de água, luz, telefone e alimentação. Mesmo com essas dificuldades, Luna garante que não falta nada para eles. “Muita gente nos ajuda. Pessoas que já conhecem nosso trabalho de anos, tipo a maçonaria, a Cidade da Luz, a comunidade. Eles fazem campanha e nos ajudam muito”.
Em 2021, Luna sofreu um acidente que a deixou acamada. Hoje, ela se locomove com cadeira de rodas, mas mesmo assim faz questão de estar perto dos idosos que vivem no Lar Luna. Ela recebe a ajuda dos três filhos para cuidar do local, além de ter que cuidar também dos netos, filhos de Luciana. Entre os materiais que mais precisam, Luna dá destaque para as fraldas.
“Eu vou lá de cadeira de rodas, deixo algumas fraldas. Tem fralda para hoje, para amanhã não tem”, lamenta. “Meu filho sai, compra feijão. Se falta, a gente compra. Compra carne, peixe, galinha. Mas, no momento, nossa maior necessidade é a fralda geriátrica. Tem que tirar do que tem, pegar dinheiro emprestado. A gente se vira. Nesse período que eu caí, meu filho queria fechar. Eu não fecho. E também não indico casa nenhuma para deixar meus idosos”, complementa.
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