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Imigrantes ratificam escolhas diante da conjuntura nacional

Brasileiros migraram em busca de oportunidades e de realização profissional

Publicado segunda-feira, 17 de janeiro de 2022 às 08:00 h | Autor: Bruna Castelo Branco

Em 1941, o escritor austríaco Stefan Zweig jurava que o Brasil seria o “País do Futuro”. Talvez, em tempos melhores, tenha até sido, mas, nesta última década, muitos brasileiros começaram a sentir que o futuro já passou. Isso porque, de acordo com um levantamento do Ministério das Relações Exteriores, de 2012 para 2020 o número de brasileiros vivendo em outros países saiu de exatos 1.898.762 para 4.215.800 – um crescimento de 122% em 8 anos.

E tem mais: segundo uma pesquisa do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, publicada em 2021, 47% dos brasileiros entre 15 e 29 anos sairiam daqui se pudessem. Parece que, se o que pedia aquela propaganda da Ditadura Militar que dizia: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, fosse possível para todo mundo, não ficaria muita gente por aqui.

O baiano Reginaldo Gomes, engenheiro químico, está entre esses mais de 4 milhões de pessoas que decidiram ir para longe. Para ele, que é pesquisador na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e trabalha com ciência, sair daqui era um “caminho natural”: “O que me fez querer sair do Brasil foi o caminho natural de todo cientista, que é buscar as instituições que oferecem os melhores recursos para nos ajudar a expandir a fronteira do conhecimento”.

Para chegar lá, Reginaldo fez um caminho longo – e não só literalmente falando. Já no Ensino Médio, o cientista se envolvia com pesquisa, o que o levou a, mais tarde, fazer a graduação na Universidade de Campinas. Quando teve a chance de fazer doutorado, pensou logo nos Estados Unidos – e, como ele mesmo diz, essa migração de cérebros tem se tornado o caminho mais natural, esperado, desejado.

E não é por falta de motivo, não: atualmente, o Brasil tem o menor investimento em ciência e tecnologia dos últimos 12 anos, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em números, corrigindo os valores de acordo com a inflação, fica assim: em 2009 o governo federal investiu R$ 19 bilhões em pesquisa. Em 2020, esse número caiu para R$ 17,2 bilhões.

Lá nos Estados Unidos, a história é diferente: depois de ser aprovado no doutorado, Reginaldo conseguiu uma bolsa de estudos da universidade e um suporte com a mudança. E, como já é de se imaginar, esse investimento reflete na qualidade das pesquisas e no desenvolvimento dos pesquisadores.

“O ambiente de pesquisa aqui é muito estimulante, você sente como se estivesse no olho do furacão, onde tudo acontece ao mesmo tempo e você é capaz de discutir projetos que foram publicados há uma, duas semanas. É uma das coisas que mais gosto aqui”.

Para ele, uma das principais vantagens de pesquisar lá fora é a garantia de que a pesquisa não vai ser interrompida de repente, por falta de recursos. “As bolsas costumam ser mais generosas e lhe permitem ter uma boa qualidade de vida mesmo como  estudante de pós-graduação. E a estabilidade e robustez do sistema de pesquisa garantem que você possa fazer um bom trabalho do início ao fim”.

Atualmente, de acordo com dados publicados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a bolsa de doutorado no Brasil é de R$ 2.200.

Depois de dois anos longe, Reginaldo conseguiu vir a Salvador para ver a família. Ele conta que sente muita saudade e não nega a possibilidade de voltar para ficar um dia, mas lamenta.

 “Gosto de deixar as portas abertas e sempre ficar atento às oportunidades, mas o cenário atual brasileiro é bastante desmotivador devido aos cortes constantes na verba para a pesquisa científica, e também pelo fato de não haver nenhum canal para a captura de cérebros, para atrair os expatriados que estejam realizando pesquisas no exterior”.

Trabalho

Depois de se formar em direito, Caroline Pagel logo viu que a situação para os profissionais recém-formados não eram lá as melhores por aqui. Por isso, enquanto trabalhava em um escritório grande de advocacia, a advogada já começou a pensar em fazer mestrado e, mais para a frente, entrar na carreira acadêmica.

“Notei que as condições de trabalho dos advogados recém-formados não são favoráveis e as perspectivas de crescimento, mesmo em escritórios grandes, são pequenas. Por isso, comecei a pensar em dar aulas”.

E aí, nessa busca, ela lembrou de um professor de lá de trás, do primeiro semestre da faculdade: “Tive um professor que fazia doutorado em Portugal. E saber que eu tinha a opção de estudar Direito fora do Brasil, algo que é considerado tão engessado e particular de cada país, sempre despertou meu interesse”.

Na época, ela comparou os preços das mensalidades dos mestrados do Brasil e de Portugal, que eram quase os mesmos – hoje, com o real bem mais desvalorizado, a história poderia ser diferente. Resultado? Ela foi.

 “Além de estudar, vindo para cá teria a oportunidade de viajar, conhecer uma cultura nova e crescer como ser humano em geral. E, assim, comecei a me planejar”.

Caroline viajou sozinha. Em Lisboa, tinha apenas uma conhecida que, por sorte, tinha um quarto para alugar para ela. Um tempinho depois, o namorado se juntou a ela e, mais tarde, alugaram um apartamento juntos. “Se não fosse isso, talvez eu tivesse voltado depois do período presencial obrigatório do mestrado”.

Hoje, já com o curso concluído e um emprego do qual gosta, ela já não pensa mais em mudar de volta para cá, mas reconhece: casa, mas casa mesmo, a gente só tem uma.

 “Ser imigrante é saber que você nunca vai estar completamente em casa. Na melhor das hipóteses, você ganha uma casa nova e aprende toda uma nova forma de viver, mas isso vai sempre coexistir dentro de mim com a minha casa Brasil. Mas são muitas as pessoas que vêm, não conseguem se adaptar e voltam. E muito disso é pela sensação de estar fora do lugar”.

Liberté

Antes de se mudar para Paris, na França, em 2019, a engenheira civil Helena Lubiana tinha, em uma mão, uma coisa que é o grande sonho de muita gente: um emprego público federal. Na outra mão, ela tinha outra coisa que também é o sonho de muita gente: um passaporte francês que reduz, e muito, a burocracia para quem quer morar na Europa.

O principal motivo que a fez sair foi, assim como Reginaldo e Caroline, uma vontade de crescer mais profissionalmente – coisa que, por aqui, estava mais difícil. “Eu amo o Brasil, eu vivia muito bem no Rio de Janeiro, mas estava muito insatisfeita com o meu trabalho, falta de metas de crescimento. Gostava muito de viver no Rio de Janeiro, sim, mas algumas coisas me incomodavam. Teve a questão política também, e a questão estrutural do país em termos de violência”.

Ela, que já tinha um mestrado aqui, decidiu ir para a França fazer um novo mestrado, agora em manutenção e operação aeronáutica. Inicialmente, ela pensava em ir para Nova Iorque fazer doutorado, mas depois teve dúvidas se queria realmente passar por mais quatro anos de estudos. “E, finalmente, como o meu pai é francês e eu já falava um pouco de francês, e não teria justamente essa questão de burocracia, eu resolvi vir para cá”. E a mudança foi bem rápida: depois de se candidatar ao mestrado e ser aceita, ela se mudou em um mês.

“Foi tudo lindo. Eu estava com esse mestrado, então os olhinhos brilhavam ainda com a mudança. O meu pai estava aqui na época em que eu vim, de licença, e ele tem vários amigos de infância, então eu tive uma rede de suporte aqui”.

Ainda durante o curso, Helena fez um estágio e, depois, levou seis meses para arranjar um emprego. Das coisas que mais gosta em Paris, a segurança é uma das que mais destaca: poder sair de bicicleta por aí, voltar para casa de ônibus à noite sem medo, e andar na rua com menos preocupação.

 “A gente paga muito imposto aqui, mas temos muitos direitos. A gente é muito assegurado, eu me sinto acolhida aqui, sabe? Me sinto segura. Isso, para mim, é liberdade”.

Nesse momento, a engenheira não sente vontade de voltar a morar aqui – visitar, sim, mas viver já é outra coisa. “Não sei nem se é tanto pelo país, mas pela política. Atualmente, não voltaria a morar. E em questão de evolução profissional, seria zero para mim. Aqui, mesmo durante a pandemia, por mais que demorasse, eu tinha certeza que iria encontrar um emprego. Não tem nem comparação”.

Em 1973, depois que o ditador Médici lançou o “ame-o ou deixe-o”, o jornalista e escritor Ivan Lessa, d’O Pasquim, respondeu: “O último que sair apaga a luz do aeroporto”.

 Hoje, com pandemia, negacionistas espalhados por aí, variante Ômicron, conta de luz mais cara, bandeira de escassez hídrica e vôos cancelados por todo o país por falta de tripulação, uma questãozinha vem a mente – muito pessimista, é verdade: e será que vai ter luz? E aeroporto?

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