MUITO
Iniciativas reforçam importância de projetos afrocentrados no ensino de crianças
Por Maria Clara Andrade

“Um povo sem conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”. A frase é de Marcus Garvey, famoso ativista jamaicano, morto em 1940. Garvey lutava pelo acesso dos negros ao conhecimento da sua ancestralidade. Oitenta anos se passaram e a luta continua viva, agora com outros combatentes.
A disseminação da chamada educação afrocentrada é o que move as professoras do ensino infantil Caroline Adesewa e Nini Kemba. Cada uma com seu projeto, ambas têm o objetivo de apresentar para crianças negras e não negras novas visões de mundo, baseadas sobretudo na ancestralidade.
“Eu estava bem insatisfeita com algumas coisas que eu via dentro da escola, algumas relacionadas à educação, principalmente a exclusão da participação africana em relação à contribuição científica e tecnológica no mundo, e eu queria que fosse diferente”, conta Caroline, que em 2017 criou o projeto Afroinfância.
Desde 2003, a Lei 10.693 garante o ensino da temática história e cultura afro-brasileira nas escolas de todo o país. No entanto, as professoras percebem uma grande dificuldade dos educadores em pôr o que a lei diz em prática.
“Hoje, já temos 17 anos de implantação dessa lei, infelizmente dentro das escolas ela ainda é vista de forma pontual, como um apêndice dentro dos currículos”, conta Caroline.
O Afroinfância nasceu no Instagram, com postagens em que Caroline compartilhava o cotidiano de suas práticas em sala de aula, em que as narrativas da literatura africana ganhavam mais espaço.
Com o tempo, o projeto foi se desenvolvendo, e já são diversas atividades realizadas, desde oficinas de contação de histórias, passando pela recém-criada caixinha da autoestima – a criança recebe em casa uma caixa com diversas cartas que estimulam o desenvolvimento da autoestima, além de outros artefatos e instruções de brincadeiras – até um livro que ainda está no forno.
Erê
O mesmo princípio de educação afrocentrada orienta Nini Kemba, que usa a citação de Marcus Garvey na abertura deste texto para explicar o propósito do seu projeto, Literatura de Erê. “Uma criança que não conheça a sua verdadeira história, cultura e origem que está no continente africano, cresce sem autoestima, não constrói a sua identidade porque fica num lugar de não ser, ela fica em um não lugar”, explica Nini.
Nini criou o próprio projeto para ajudar outros educadores a desenvolverem práticas de educação afrocentrada. A professora baseia a sua maneira de contar histórias na forma que os Djelis, tradicionais contadores de histórias do Mali, passavam as tradições dos seus povos através da oralidade.
“Sou uma contadora de histórias, mas não sou contadora de qualquer história, sou contadora de histórias pretas. Então, eu estudo a oralidade africana”.
Inclusão de legados
Diferentemente do que muitos podem supor, a educação afrocentrada não pretende colocar as vivências africanas acima das outras, conforme explica a professora doutora Maria Anória Oliveira: “Em síntese, uma educação afrocentrada não visa à hierarquização do conhecimento, como aprendemos através das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2004). Visa à equidade, à inclusão de legados socioculturais, históricos e suas epistemologias distintas que remetem às matrizes africanas”.

E, de acordo com as mesmas diretrizes, Anória afirma que “essa pedagogia tem o objetivo de fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra”.
Além disso, as professoras acreditam que essas práticas têm o poder de mudar a forma como a criança negra se enxerga, fugindo do debate que, por vezes, se encontra restrito ao racismo.
“Para além de se falar sobre a problematização do racismo, nós devemos falar sobre a nossa história, falar sobre a nossa cultura, identidade e potencialidades, principalmente com as nossas crianças, para que a nossa história não seja reduzida a um ponto específico, que foi o embargo histórico e social que foi a escravidão”, explica Caroline.
Experiência
Com apenas 4 anos, Zion, pode ser considerado um dos principais selos de qualidade das atividades desenvolvidas por Caroline, no projeto Afroinfância.
Por ser uma criança “muito falante”, segundo a mãe Taísa Ferreira, o menino sempre dá os seus “feedbacks” em relação às novas iniciativas em andamento e é um dos primeiros a ficar sabendo das novidades do projeto.
Junto com a mãe, Zion tem se divertido com as atividades propostas na caixinha da autoestima, tendo até dividido a experiência com a classe em uma das aulas virtuais da escola.
“Apesar de a gente já ser uma família que já tem essa perspectiva de educação afrocentrada, o projeto a potencializa. Eu acho o trabalho da Carol bem bacana, um trabalho que valoriza essa identidade da criança negra e, de toda forma, da família também”, afirma Taísa.
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