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Institutos de idiomas apostam em atividades culturais em Salvador

Cenário abrange jovens e adultos que buscam melhor qualificação profissional

Publicado domingo, 28 de abril de 2024 às 08:00 h | Autor: Gilson Jorge
Professora residente Huda Tayob
Professora residente Huda Tayob -

O ano de 2024 começou com mudanças importantes para o Goethe Institut no Brasil. A unidade de Curitiba foi encerrada no último dia 17, após 52 anos de existência, e o charmoso casarão amarelo do Corredor da Vitória, que abriga há mais de seis décadas o Goethe Salvador, antigo Icba, não vai mais oferecer os cursos regulares de idioma.

A maioria dos baianos que quiserem aprender presencialmente no instituto a língua de Karl Marx e Thomas Mann, vai ter que viajar para São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre ou no exterior. E quem decidir fazer cursos online do Goethe terá que entrar em contato com a unidade paulistana.

Com os professores de Salvador, aulas só serão ministradas a profissionais qualificados que estiverem em processo de migração para o país europeu. "Devido à forte demanda por trabalhadores qualificados na Alemanha, o Goethe-Institut Salvador, como um centro de aprendizagem de alemão, está agora se concentrando exclusivamente no ensino de idiomas na migração de trabalhadores qualificados", afirma a diretora do Goethe Institut Salvador, Friederike Möschel, em resposta a A TARDE por e-mail. A executiva, que assumiu o posto em 2021, respondeu às perguntas em seu idioma nativo, com tradução feita por funcionários do Goethe.

Com uma grande carência de trabalhadores em setores específicos, como TI, educação e enfermagem, por exemplo, a Alemanha está facilitando a migração de profissionais dessas áreas, mas exige que os interessados tenham um nível mínimo de conhecimento da língua.

O teatro segue com suas atividades normais e a biblioteca, agora no conceito kreativLab, um espaço de aprendizagem criativa, continua aberta ao público, mas diminui o sobe e desce de escadas em direção às antigas salas de aula.

Se a presença de jovens no pátio do imóvel se cumprimentando com Guten abend antes das aulas vai fazer falta, a boa notícia é que o programa de residência artística Vila Sul, o primeiro do Goethe no Hemisfério Sul, consolida a capital baiana como um importante centro de intercâmbio cultural.

Inaugurada em 2017, a residência artística assume o posto de atividade mais importante do instituto em Salvador e este ano tem como tema Desenvolvimento Urbano e traz à cidade, ao longo do ano, pesquisadores e artistas da Alemanha, Brasil, África do Sul, Cabo Verde, Canadá, Nigéria e Porto Rico, que desenvolvem trabalhos nessa área.

"Com o programa de residência internacional, estamos abrindo uma janela para o cenário artístico e cultural da cidade e do Estado e deixando entrar novas ideias e novos estímulos", declara a diretora, ressaltando que além do desenvolvimento urbano, os artistas residentes do Vila Sul costumam focar em temas que estão sendo debatidos globalmente, como sustentabilidade e estudos pós-coloniais, uma tendência seguida por outros grandes centros culturais presentes em Salvador, como o Instituto Cervantes e a Aliança Francesa.

Uma das integrantes do primeiro grupo de artistas residentes do Vila Sul deste ano, a professora sul-africana de teoria e história da arquitetura, Huda Tayob, já havia trabalhado em 2022 com uma colega da Ufba, a professora Gabriela Pereira, que publicou no jornal acadêmico Ellipses, da África do Sul, o artigo Ruínas do Atlântico Sul, em uma edição que teve Huda como responsável.

O contato contribuiu para que a acadêmica sul-africana, professora de Estudos Arquitetônicos na Universidade de Manchester, aceitasse o convite ao ser selecionada pelo júri internacional do Goethe Institut que escolhe os residentes. "O trabalho de Gabriela é maravilhoso", declara a residente.

Huda chegou a Salvador no dia 4 de abril, tempo suficiente para arriscar uma análise do que viu em termos de urbanismo. A professora descreveu uma cidade interessante e bela, mas também claramente estratificada, tanto historicamente quanto no presente. "É óbvio que há uma batalha constante pelo direito de viver na cidade. Essas tensões urbanas que existem soam familiares para mim, que venho da África do Sul", afirma a acadêmica, que permanece na cidade até 6 de junho.

Na galeria da Aliança Francesa, uma atração cultural que entrou em cartaz essa semana é a exposição Fanm fó, uma série de autorretratos da fotógrafa, artista visual e ativista francesa Adeline Rapon, que tem como temas centrais em seu trabalho o feminismo, os direitos da comunidade queer, ou LGBTQIAPN+, e o decolonialismo. Esse último, fruto de sua ligação direta com o departamento ultramarino francês de Martinica, ilha caribenha onde nasceu o seu pai.

A série Fanm Fó é uma parte da exposição Legado Perdido, em cartaz desde 28 de março na Aliança Francesa de Botafogo, no Rio de Janeiro, a convite da Embaixada da França no Brasil. Esse recorte do seu trabalho que veio à Bahia é composto por releituras de imagens antigas de mulheres de Martinica, em contraposição à sua própria imagem.

"Meu trabalho busca quebrar o estereótipo das mulheres de lá", explica a artista, que relata uma sociedade ainda tolerante à violência doméstica e de rua contra as mulheres. Uma pauta que, naturalmente, não é só do Caribe, mas que lhe toca profundamente pelos laços familiares.

Vozes

Sobre a população queer martinicana, Adeline relata que, historicamente, há uma invibilização, mas que as coisas estão mudando. "A sociedade agia como se essas pessoas não existissem, mas cada vez mais há vozes se colocando", afirma a artista, que começou sua carreira profissional como blogueira em Paris aos 18 anos e acabou se tornando conhecida.

"Eu queria publicar textos e fotos, como todo mundo, e a internet se mostrou um veículo possível", conta a artista, que com o tempo abriu caminho para trabalhar também como fotógrafa de moda. Sobre a relação da França com as ex-colônias, Adeline demarca a diferença entre a independência formal obtida por países africanos e a extrema dependência dos territórios americanos que continuam sob o domínio formal de Paris na forma de departamentos: Martinica, Guadalupe e Guiana Francesa.

"Não há movimentos independentistas fortes, até porque a dependência econômica é muito forte e as pessoas temem a experiência do Haiti", avalia Adeline. Primeiro país das Américas a lutar pela independência, essa ex-colônia francesa sofreu historicamente com o boicote econômico das potências ocidentais e nunca se recuperou.

Sobre as ex-colônias francesas na África, a fotógrafa revela que não conhece a realidade local, mas considera positivo o distanciamento de países como Niger e Senegal. "É bom que se lute contra a posição imperialista da França. Alguns países ainda usam o franco centro-africano", assinala a artista.

Diferentemente do Cervantes e do Goethe, a Aliança Francesa Salvador não foi criada por um governo estrangeiro. Trata-se de uma associação civil franco-brasileira, que tem seu próprio conselho de administração integrado por cidadãos residentes na cidade, de forma voluntária.

A participação do governo francês resume-se ao pagamento do salário do diretor, que tem mandato de dois anos, renováveis por mais dois, uma espécie de Reda europeu. A França também apoia a associação em demandas específicas. Com o aumento da demanda por cursos online, por exemplo, o governo francês investiu em equipamentos.

Ações

Presidente do Conselho de Administração há 12 anos, o ator e diretor Fernando Marinho destaca o amplo imóvel ocupado pela associação, em um casarão tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac), a poucos metros da moderna sede do Cervantes. "A gente tem espaço para além das salas de aula, temos um pequeno auditório, uma galeria, um cine-teatro e um café, esse bem mais comercial, mas onde também promovemos ações", destaca Fernando.

O presidente do conselho afirma que os espaços da Aliança são abertos a propostas de qualquer pessoa ou grupo, do Brasil ou do exterior. "É possível realizar eventos de qualquer área: acadêmicos, literários, filosóficos", declara Fernando, que está respondendo mais diretamente pela Aliança desde janeiro, quando o último diretor voltou para a França, e até que seja designado o próximo executivo.

Seja por interesses estratégicos, como no caso do Goethe Institut Salvador, seja pela mudança de comportamento dos estudantes de idiomas, os principais centros de estudos vinculados direta ou indiretamente a países europeus estão passando por mudanças na oferta de cursos presenciais, mas apostam na oferta de atividades culturais para manter sua relevância e manter laços entre os dois lados do Oceano Atlântico.

Parceria

Um detalhe interessante desse intercâmbio é que muitas atividades são promovidas em parceria entre os institutos, como o Festival de Cine Europeu em Salvador, que este ano chega à sua décima edição. A programação, que acontece de 5 a 9 de maio, inclui a exibição gratuita de um filme um por dia no Cinema do Museu, no Corredor da Vitória, sempre às 19h. Recomenda-se chegar pelo menos uma hora antes para obter o ingresso. O tema deste ano é Mulheres Empoderadas.

Além do Instituto Cervantes, do Goethe Institut e da Aliança Francesa, o festival conta com o apoio do Consulado de Portugal e da Associação Cultural Ítalo-Brasileira Dante-Alighieri, que representam os cinco principais idiomas da União Europeia presentes no Brasil. O Reino Unido, onde se fala inglês, deixou o bloco em 2020. Os filmes deste ano são, pela ordem de apresentação, Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush (Alemanha), Annie Colère (França), Mar (Portugal), Primadonna (Itália) e Los Buenos Modales (Espanha).

No último dia 20, o Instituto Cervantes, mantido pelo Governo da Espanha, promoveu com três dias de antecedência a comemoração pelo Dia do Livro, com uma palestra sobre Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez, feita pelo colombiano Dani Velásquez Romero, doutor em literatura e cultura e professor da Ufba. Depois de sua fala, trechos do livro foram lidos nos mesmos cinco idiomas do festival de cinema.

Sobre a importância do intercâmbio cultural com o Brasil, o diretor do Cervantes, Daniel Gallegos Arcas, lembra que há um pouco de trabalho diplomático nas missões culturais internacionais. "O Brasil é um país estratégico para a Espanha. O Cervantes está presente em oito capitais. Em nenhum outro lugar do mundo há tantos Cervantes", destaca Daniel.

Sobre o aumento de cursos de idiomas online, o diretor do instituto espanhol assinala que a virtualidade veio para ficar e que os centros culturais precisam se adaptar. "A gente deu uma resposta bem satisfatória. Depois da pandemia, evidentemente, a demanda de cursos online era muito maior. Mas, aos poucos, isso está virando. Atualmente, a demanda por cursos presenciais é um pouco maior", afirma Daniel.

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