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MUITO

Irmã Violeta: uma missão de amor

Por Yumi Kuwano

04/04/2021 - 6:00 h
“A relação que vivo com Jesus é de esposa”, diz irmã Violeta
“A relação que vivo com Jesus é de esposa”, diz irmã Violeta -

Amor. Esta é a única palavra capaz de chegar perto de definir Violeta Schindler, brasileira de origem alemã, nascida e criada na rua Octávio Barreto, no Bonfim. Violeta sempre gostou de viver com a casa cheia. Cheia de gente, de bichinhos, de verde. E irmã Violeta, como é conhecida, transborda todo esse sentimento.

Usando vestes tipo hábito religioso, ao contrário do que muitos pensam, Violeta não é freira – porque nunca seguiu os trâmites oficiais da Igreja. E não só os trajes, mas a forma de viver faz com que essa mulher tenha algo de santa, como diz o padre Edson Menezes, da Basílica do Bonfim.

Há quase 30 anos ela descobriu sua vocação: ajudar pessoas espiritual e fisicamente. A Casa do Encontro e Oração, onde ela recebe quem precisa de cuidado, amor e alimento, abre as portas todos os dias, às 7h30, e fecha ao meio-dia.

Nesse tempo, tem café da manhã para quem chegar e almoço servido às 11h. Eles podem tomar banho e descansar também. “São todos meus filhos”, diz ela, com os olhos marejados sobre as pessoas que a procuram, a maior parte em situação de rua.

Pode até parecer, num primeiro momento, mas o trabalho da irmã Violeta não é como um projeto social, porque, como ela diz, tornou-se mãe dessas pessoas, e mãe dá mais que comida. Seja com palavras de carinho, abraços ou reclamações, que vira e mexe tem que fazer para manter tudo em ordem. Não se engane pela aparência frágil, ali dentro tem uma mulher com uma força e coragem gigantescas.

“Eu não quero ser exaltada porque dou comida para as pessoas. Nem quero meus filhos dependentes de mim. Minha alegria é vê-los chegar aqui e dizer que não precisam mais”.

Irmã Violeta não pede antecedentes criminais e nenhuma documentação dos que frequentam a casa. “Não quero saber o que eles já fizeram na vida. Se veio aqui foi porque Deus quis”, diz.

Em março, ela foi uma das dez homenageadas com o Prêmio Barra Mulher do Shopping Barra, mas acredita que isso só aconteceu graças aos seus filhos. Ela coleciona admiradores, mas prefere não levar o crédito por nada: “Eu assinei uma folha em branco e entreguei a Deus”.

Cuidar de verdade

Sobre o significado de cuidado, irmã Violeta diz envolver acolhimento e amor, pois só é possível cuidar de verdade de quem se ama: “Um carcereiro pode dar comida, mas ele não ama, isso não é cuidado”.

E a palavra passou a fazer ainda mais sentido em uma pandemia como a que estamos vivendo. Antes, eram 30 pessoas que passavam pela casa, agora são cerca de 150 que vêm tomar café e almoçar todos os dias.

Por isso, em setembro do ano passado, foi alugada outra casa na rua ao lado, a Guilherme Marback, para que ela pudesse atender à demanda, já que sua casa não comportava mais tantas pessoas. O aluguel de R$ 4.500 é pago por pessoas que se comprometeram todo mês a dar uma quantia.

Quem organizou tudo para que a nova casa fosse possível foi a empresária Sileide Abreu: “Ela me ligou dizendo que precisava alugar uma casa maior, já tinha pedido a Deus”. No início, Sileide ficou apreensiva, mas diz que as coisas foram acontecendo, como um milagre, aliás, como quase sempre acontece com irmã Violeta. O padre Edson se disponibilizou para ser o fiador e os doadores vieram logo em seguida.

“O que ela faz muda também o nosso ângulo de ver o ser humano, cada um tem uma história. O olhar carinhoso que tem para cada filho é admirável”, diz Sileide, que é católica e conheceu irmã Violeta após uma das palestras que ela ministra: “Sempre tive vontade de ajudar e, quando uma amiga nos apresentou, fiquei encantada. Ajudo como posso, estou sempre na casa no dia a dia”, conta a empresária.

Muitos “filhos” de Violeta estão em situação de rua, são dependentes químicos, outros têm problemas mentais, estão desempregados e, mesmo tendo casa, passam por dificuldades e buscam ajuda. Como o jovem Ângelo Silva, 23, que frequenta e faz refeições na casa há dois anos.

Ele diz que irmã Violeta é uma pessoa adorável: “Ela ama e abraça a todos, não julga ninguém. É como minha mãe mesmo”. Por causa de Alisson Cerqueira, 24, Violeta também já é avó. O jovem acabou de se tornar pai e está ansioso para levar o bebê para conhecer a irmã, já que desde criança a conhece. Ele diz estar sempre por lá, seja para se alimentar ou mesmo que não esteja faltando nada em casa, não deixa de visitar a mãe.

Já Cristóvão Bezerra, 55, está desempregado e com dificuldades financeiras, por isso está dormindo alguns dias na casa da irmã Violeta. Enquanto isso, ajuda nas tarefas da casa. “Estou passando por um período de vulnerabilidade, mas, além de comida e casa, aqui recebo um apoio emocional e espiritual. É muito importante”, diz Cristóvão.

Há quatro anos, irmã Juliana Araújo é uma das parceiras diárias neste trabalho. Ela conheceu a irmã Violeta e se encantou ao ponto de querer deixar de seguir a vida religiosa “oficial” para ficar ao lado dela. Mas foi aconselhada pela própria a seguir o seu caminho e voltar se tivesse vontade. Então, Juliana se tornou freira e depois de um tempo decidiu que iria sair do convento para trilhar ao lado da mulher que a inspira. “Estou aqui para aprender. Servir aos irmãos, aprender como amar o Senhor na figura dos outros”, afirma.

Desde muito nova Violeta gostava de ajudar outras pessoas. Deu muito trabalho para a sua mãe, que faleceu há um ano. “Ela dizia que eu dava trabalho porque pegava as crianças de rua e os bichinhos abandonados e levava para casa. Eu sonhava um dia crescer e poder ajudar as pessoas. Quando Deus coloca um sonho no coração da gente, ele não volta atrás”.

Passou por vários caminhos até chegar aonde está. Atualmente com 58 anos, Violeta era professora de inglês, já morou fora do país e foi casada por nove anos com o único namorado que teve na vida. Ela diz ter passado por caminhos que não compreendia o que Deus queria. Hoje, ela e o ex-marido, Paulo, são grandes amigos. “Não deu certo porque a minha vocação não era essa. Mas o que Deus une ninguém separa mesmo. Todo domingo eu vou almoçar com ele e sua mãe”, conta.

Com Paulo, Violeta também teve um filho, o médico Kurt Wolfgang, de 32 anos, que mora no Rio de Janeiro. Ele conta que desde sempre ela tem essa vocação e é bem religiosa.

Depois do divórcio, tudo que estava adormecido veio à tona. “Na época que ela estava casada já ajudava, era algo mais discreto, de forma mais contida, mas, quando se divorciou, ampliou isso”, diz o filho. Nem ele nem o pai nunca se incomodaram com o jeito de Violeta, pelo contrário, Kurt a admira muito.

Irmã Violeta gosta de dizer que Deus respeita o tempo da gente. Mas, quando houve a separação, Deus começou a mandar essas pessoas para procurá-la de maneira mais frequente.

“Nasci irmã Violeta de paraquedas, não passei pelos trâmites legais que as freiras passam, mas Deus colocou na minha vida o padre Pedro Maione. Ele me ensinou muito. Tudo foi se encaixando. Não foi nada que eu pensei, planejei, não tenho como receber aplausos, foi Deus. Da minha parte, foi apenas não resistir ao que Ele estava fazendo”.

Ao falar da escolha da roupa, ela brinca: “Eu era gatinha, não usava essa roupa. Não era muito vaidosa, mas usava pouca maquiagem. Quando tudo aconteceu, parecia que descobri o mundo e tudo que antes tinha brilho se perdeu”. Agora, ela usa uma roupa que mandou fazer quando fez voto de pobreza, obediência e castidade. Ela compara o seu relacionamento com Deus com uma relação de marido e mulher: “A relação que eu vivo com Jesus não é de amizade, é de relação de esposa, de cúmplice”.

Sacrifício nenhum

Sempre nas tardes de segundas e quartas-feiras acontecem oficinas de artesanato para mulheres, dadas por voluntárias. Muitas pararam de frequentar a casa pela manhã por causa da presença dos homens. Receio que a irmã Violeta não tem. “Já me disseram ‘não sei como a senhora aguenta’. Mas não é nenhum sacrifício para mim”.

Precisamos ser mais misericordiosos, é no que ela acredita. “Eu sei que muitos deles usam drogas, fazem coisas erradas, mas precisam ser vistos com um olhar que vai além de tudo isso. Eles são meus filhos e muito mais que o erro que cometeram”.

Apesar de católica, daquelas que vai à missa da Igreja do Bonfim todos os dias sem falta, Violeta não gosta de impor a fé a ninguém. Ela diz que Jesus veio para derrubar os muros, não levantar.

“Para mim, não tem diferença nenhuma se é agnóstico, ateu, budista, todos são filhos de Deus. Eu fico triste quando vejo na igreja tanto ódio, tanta divisão, eu não quero isso para mim”, pontua, acrescentando: “Minha missão nesse mundo não é doutrinar, converter, é falar desse amor, é dizer que é possível viver esse amor que Jesus falou, que não é utopia. Tenho pecados, fragilidades, cometo erros. Apenas aceitei o desafio de viver esse amor de que falo tanto”.

Quem também aceitou viver esse desafio ao lado de Violeta foi Iara Silva, 58, com sua filha Maísa Silva, 30. Elas estão há seis meses morando na Casa do Encontro e Oração, desde quando foi alugada. Antes, foram acolhidas pela irmã Violeta e passaram alguns meses em sua casa.

Iara é cozinheira e, quando saiu de seu último emprego, decidiu que abriria um restaurante de marmitas. Após uma sucessão de acontecimentos ruins em sua vida, o negócio faliu e ela e a filha se viram sem ter onde morar. Foi aí que conheceu irmã Violeta, que ofereceu a casa. Desde então, dedica seus dias para abraçar a missão da irmã. “Estou com ela para o que der e vier, é minha comadre, conselheira, mãe e amiga, tudo junto. Tudo que ele pega, ela transforma, promove muitos milagres aqui”.

Entre os milagres a que Iara se refere, ela cita os dias em que não há alimento para oferecer e no último minuto surge alguém com uma doação. Essas doações podem ser de todo tipo: sempre aos sábados, por exemplo, 11 casais católicos do Grupo Família da Paróquia São João Evangelista, em Vilas do Atlântico, se revezam para fazer e levar uma feijoada para irmã Violeta, há dois anos, sem falta. São

3 kg de arroz e 7 kg de feijão, que rendem 40 litros de feijoada, feita toda sexta-feira.

A gerente de vendas Fabiana Carvalho e o marido, Cláudio Monteiro, fazem parte do grupo que começou com apenas três casais: “Sentimos muito orgulho de poder contribuir um pouquinho com o trabalho dessa mulher incrível, que chamamos de santa na terra. É uma corrente que não pode parar, ela mesma fala isso para nós, que temos que dar continuidade a esse trabalho quando ela não estiver mais aqui”, conta Fabiana.

Mas, além de panelões, irmã Violeta diz ficar extremamente feliz quando alguém bate à porta com uma vasilha, com uma pequena porção de comida, porque isso mostra como todos podem fazer algo por quem precisa.

Solidariedade

Com a pandemia do coronavírus, ela diz que percebeu que as pessoas voltaram a se preocupar com o outro. “Começou a vir muita gente doar, querendo ser voluntário. O problema existe há muito tempo e há 30 anos ajudo as pessoas, mas parece que não tinham percebido. A pandemia tornou mais visível o drama das pessoas, e acho que, mesmo quando acabar essa fase, isso vai ficar”.

Sobre o momento atual, ela não se desespera: “O mundo é cíclico. Já passamos momentos difíceis no passado e estamos passando agora”. Irmã Violeta também ressalta que devemos valorizar a vida, o que é verdadeiro, perdoar o outro, relativizar o que não tem peso. “Não sou pessimista. Ainda tem muita coisa para viver, o mundo não vai acabar agora. Ainda vamos errar muito, aprender e amar muito”.

Mas ela confessa sentir que estamos vivendo tempos difíceis, não só pela pandemia, mas porque o mundo anda precisando de amor. “Nunca se falou tanto de Jesus como agora, mas nunca se amou tão pouco. Não basta gritar o nome dele, tem que amar como ele amava, sem discriminar. Estamos sedentos disso”, finaliza.

Entre uma história e outra, irmã Violeta diz que nunca estudou teologia, mas dá palestras e prega em retiros para padres. Em alguns desses retiros, quem estava lá era o padre Edson Menezes, reitor da Igreja do Bonfim.

“Ela tem uma espiritualidade muito profunda. Não fala de teoria, mas do que ela vive. É de pessoas assim, que possam testemunhar com a própria vida, que precisamos. Falando da sua experiência, ela nos estimula para que nós também sejamos coerentes e possamos dar um bom testemunho”, diz o pároco. Mesmo com tantos elogios, irmã Violeta diz ser tímida e que seu desejo era ficar escondida, “mas parece que ‘Ele’ não quer isso para mim, né?”, brinca.

O padre Edson conta que ouvia falar sobre Violeta antes de ir para o Bonfim, há 12 anos, quando outros religiosos admiravam o estilo de vida dela. “Quando a conheci, fiquei encantado. Uma pessoa muito doce, muito santa e muito humana ao mesmo tempo”, analisa.

De acordo com ele, o trabalho desenvolvido pela irmã Violeta é baseado na espiritualidade que brota da paixão de Cristo: “Ela tem uma intimidade muito grande com Cristo crucificado. Vivencia a afirmação de Cristo, faz pelos pobres com a certeza que está fazendo para o próprio Jesus”, completa.

Atualmente, irmã Violeta e a Igreja do Bonfim têm uma parceria: o trabalho dela complementa o Projeto Bom Samaritano, que ajuda famílias em vulnerabilidade, com encaminhamentos e orientações que promovam a inclusão, acolhendo as pessoas.

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