HISTÓRIA
Jornada acadêmica revisita os 400 anos da expulsão dos holandeses de Salvador
Visita da futura chefe de Estado coincide com a celebração dos 400 anos da expulsão dos holandeses de Salvador
Por Gilson Jorge
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A jovem Princesa de Astúrias, Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz, herdeira do trono espanhol, chegou a Salvador na última quinta-feira, a bordo do navio-escola Juan Sebastián de Elcano, e permanece por aqui até a próxima quarta-feira. Leonor, 19, está recebendo a mesma formação militar de seu pai, o Rei Felipe VI, o que inclui a viagem a bordo desse navio.
A visita da futura chefe de Estado coincide com a celebração dos 400 anos da expulsão dos holandeses de Salvador, que havia sido invadida em 1624. Foi uma super operação de guerra com 12.566 soldados portugueses e espanhóis, segundo pesquisadores.
"Foi a maior frota marítima a cruzar o Oceano Atlântico até então", aponta o professor David Garcia Hernán, catedrático de História Moderna da Universidade Carlos III de Madri, que amanhã, a partir das 8h30, participa da Jornada Acadêmica Salvador da Bahia e o seu "sítio empresa" de 1625.
Organizado pelo Instituto Cervantes Salvador, a pedido da Embaixada da Espanha no Brasil, o evento vai reunir professores e pesquisadores brasileiros e espanhóis no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, na Praça da Piedade.
Três dos participantes espanhóis da jornada estão trabalhando juntos há quatro anos na pesquisa sobre a expulsão dos holandeses de Salvador. Além do já citado David Garcia, o grupo é composto por José Manuel Santos Pérez, professor de História da América da Universidade de Salamanca, e Carlos Javier Castro Brunetto, professor de História da Arte da Universidade de La Laguna.
O ataque luso-espanhol aos invasores holandeses durou um mês, começando em 29 de março, aniversário da cidade, se estendendo até 30 de abril, com os derrotados se rendendo e indo embora no primeiro de maio.
Os pesquisadores consideram que esse tipo de operação, naquela época, trazia um alto risco de morte para a tropa ainda durante a travessia do Oceano Atlântico. "Os soldados faziam testamentos antes de embarcar", conta David Garcia.
No período da invasão holandesa e, posteriormente, da retomada de Salvador pelos colonizadores ibéricos, as coroas dos dois povos estavam unidas, após a crise dinástica desencadeada com a morte de D. Sebastião, soberano de Portugal, e a consequente anexação do território português pela Espanha, que durou até 1640.
A campanha militar luso-espanhola, batizada de Restauração da Bahia, usou uma estratégia planejada por três semanas, que contou com o apoio do Papa Urbano VIII e que consumiu muito dinheiro. Pesquisadores espanhóis avaliam que Portugal gastou com a guerra o equivalente à metade do que arrecadava em um ano no Brasil com a tributação do açúcar.
Operação arriscada
O que levaria, então, o Rei da Espanha e de Portugal a investir tanto dinheiro em uma operação tão arriscada, envolvendo 52 navios e mais de 1.500 canhões? Recuperar Salvador era fundamental para a então poderosa coroa espanhola e o sucesso da empreitada repercutiria em toda a Europa católica.
Em uma cidade bem servida de fortes militares, a estratégia usada pelas tropas ibéricas foi provocar algum dano às instalações e cercar o sítio para interromper a chegada de alimentos e fazer com que os holandeses fossem derrotados pela fome.
A retomada de Salvador foi importante para garantir, anos depois, a expulsão dos holandeses também de Pernambuco. Mas, além da tentativa de recuperação do controle sobre o comércio do açúcar produzido no Nordeste brasileiro, a luta em território baiano ecoava disputas políticas, econômicas e religiosas existentes em solo europeu.
Em 1556, o Rei Felipe II herdou de seu Pai, Carlos V, partes ocidentais do Império dos Habsburgos, que incluíam a Espanha, os Países Baixos (nome oficial da Holanda) e parte da Itália. As sete províncias dos Países Baixos, onde ocorria naquele momento histórico a Reforma Protestante, declararam independência em 1581, mas só conseguiram se livrar do domínio espanhol em 1648, após uma demorada e sangrenta guerra.
Enquanto lutavam por autonomia em casa, os holandeses contra-atacavam em território americano, invadindo colônias portuguesas no Nordeste do Brasil. "O papa ofereceu o perdão de seus pecados a quem viesse lutar em Salvador", conta David Garcia, para quem o fator mais importante para que o Conselho de Guerra da Espanha decidisse pela operação era a reputação da monarquia. Apesar da vastidão do império espanhol, que se estendia às Filipinas e ao norte da África, não responder ao ataque em Salvador prejudicaria a imagem da coroa.
Praça portuguesa
O professor Juan Manuel Santos Pérez destaca a importância política do arranjo luso-espanhol na guerra. "Salvador era uma praça portuguesa. São exércitos espanhóis combinados às tropas portuguesas que vêm resgatar essa praça. O crédito da Espanha pela Restauração da Bahia não era apenas diante dos inimigos. Era diante de Portugal", destaca Manuel Pérez, sublinhando que três anos antes os portugueses tinham perdido para a Inglaterra o controle do Estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico.
"Quando chegou a notícia da perda de Salvador, foi um símbolo de que Portugal não podia perder mais. A Coroa Portuguesa precisava ser restabelecida", destaca Manuel Pérez.
Uma das atrações das comemorações pela expulsão holandesa é o quadro Salvador da Bahia e seu ‘sítio empresa’, de 1625, descoberto recentemente, uma obra anônima que retrata o sítio histórico de Salvador, a Baía de Todos-os-Santos e a Ilha de Itaparica, com elementos que remetem aos acontecimentos do período de um mês em que houve a batalha. De meados do século XVII, o quadro, de 3mx1,62m, está sendo restaurado e vai ser exibido ao público pela primeira vez durante o mês de abril, no Museu Naval de Madri.
O quadro foi descoberto em 1953 em uma coleção particular por um professor de história da arte, mas não despertou interesse no acadêmico. O quadro, que circulou pela nobreza espanhola, foi adquirido em 1979 pela família do atual proprietário, um marquês, quando foi encontrado pelos pesquisadores.
"É uma redescoberta, mas com os parâmetros e instrumentos científicos de nosso tempo, não os de 1953. Ou seja, vimos a importância que tem a representação cultural no quadro", pondera David Garcia.
O professor Carlos Javier Castro chama a atenção para uma informação que não figura no quadro: "O que teria acontecido se nesse ano de 1625 não houvesse a vitória luso-espanhola? A Bahia não seria a Bahia de hoje, porque ela teria se tornado protestante. Teria sido outra coisa, não posso dizer que melhor ou pior", aponta o professor.
Diretora interina do Instituto Cervantes Salvador, Rosa Sanchéz-Cascado enaltece a iniciativa da jornada. “Será uma excelente oportunidade de aprofundamento e atualização sobre os vínculos históricos entre a Espanha e Brasil, com o olhar especializado de estudiosos dos dois países”, avalia a diretora. Não é preciso fazer inscrição prévia para participar do evento, basta comparecer ao IGHB.
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