MUITO
Lembranças de Vinicius de Moraes em Itapuã
Foi para agradar sua amada Gessy Gesse que Vinícius se mudou para salvador
Por Renato Alban
Quando a cantora Maria Bethânia convidou a atriz baiana Gessy Gesse para um encontro de amigos numa pizzaria do Rio de Janeiro com o cantor carioca Vinicius de Moraes, ela ouviu da artista: “Esse negócio de intelectual é muito chato”. Gessy acabou topando e ali se tornou a nova musa do poeta, que completaria 110 anos na próxima quinta-feira, 19.
Vinicius se apaixonou por Gessy e, para agradá-la – e também por influência das histórias que ouvia do amigo e cantor Dorival Caymmi – se mudou para Salvador. Distante do centro, de frente para o mar e formado por pescadores, o bairro de Itapuã foi o escolhido por Vinicius e Gessy para a construção da casa em 1974. Os dois ficaram juntos até 1976.
Presente do amigo e médico Elsimar Coutinho, o terreno da casa ficava próxima ao Farol de Itapuã e de frente para o mar. Agora, um pouco mais distante da praia por conta de aterramentos feitos ao longo dos anos, a casa continua com o mesmo desenho pensado por Vinicius, mas com outra função. Abriga um hotel, um restaurante e um memorial do poeta.
Com dois telhados debruçados sobre o mar: era assim que o músico queria a casa, planejada pelos arquitetos baianos Jamison Pedra e Silvio Robatto. A inspiração veio de Casapueblo, em Punta Ballena, Uruguai, local que Vinicius tinha visitado havia pouco tempo. Hoje, chamada de Casa Di Vina ou Casa de Itapuã, a construção é frequentada por turistas do mundo todo.
Mas, antes de ser transformada em negócio, a casa quase foi demolida. É o que conta a atual proprietária e amiga de Gessy, Renata Proserpio. Paulista, a empresária veio morar em Salvador na década de 1980. No terreno ao lado da casa onde havia morado Vinicius e Gessy, construiu um hotel em 1992. “Queriam derrubar a casa para fazer um condomínio frente mar”, lembra.
A empresária comprou a casa e, com a ajuda de Gessy – que conheceu por meio da filha dela e da neta da atriz, colegas de escola – reformou a residência para ficar semelhante ao que era na década de 1970. O trabalho foi desde a reconstrução de um vitral quebrado do artista visual Calasans Neto até a garimpagem da cama de Vinicius e Gessy em um antiquário.
Renata diz que, assim que comprou a casa, a manteve fechada por um tempo. Depois, transferiu o restaurante do hotel para a residência. Em seguida, transformou as quatro suítes da casa em hospedagem. Frases do poeta decoram as janelas do hotel e do restaurante, que tem uma culinária variada, com ensopados, moquecas, risotos e pizzas.
A próxima novidade será o Bar do Pique, uma homenagem ao bar homônimo idealizado nos anos 70 pela atriz e pelo poeta, para receber amigos. O restaurante também tem promovido o Noite Di Vina, no último sábado de cada mês, com apresentações de jazz evocando o romantismo do casal fundador da residência.
Renata também montou um memorial com fotografias, réplicas de objetos e peças originais do poeta, como a máquina de escrever do compositor. O memorial é gratuito e aberto a visitantes que não sejam hóspedes.
Gessy conta que Vinicius costumava escrever na banheira da casa, com vista para o mar e um copo de uísque na mão. Foi desse período na Bahia que surgiram alguns dos maiores clássicos do compositor, como Tarde em Itapoã, Onde anda você e A tonga da mironga do kabuletê, todas parcerias com o violinista paulista Toquinho.
A propósito, ele musicou o poema Tarde em Itapoã contra a vontade de Vinicius. O poeta pretendia entregar o texto para Caymmi, mas Toquinho foi mais rápido. Pegou a letra ainda na máquina de escrever e, em três dias, voltou para Salvador com a música.
Saudade
Para Gessy, entrar na casa ainda a remete à saudade de Vinicius, morto em 1980. “Foi um lugar construído tijolo a tijolo, cimento a cimento, é um espaço de amor, para sempre louvá-lo”. Ela conta que pediu ao poeta uma casa simples, de pescador. “Mas ele queria me dar o melhor”.
Amiga de Renata, a baiana se diz feliz pelo destino da casa. “Está nas mãos de pessoas que eu amo de paixão. Acho que tem um dedo do poeta nisso, sabe, para que eu e Renata nos aproximássemos”. Com a ajuda de Renata, Gessy também escreveu o livro Minha vida com o Poeta, sobre o relacionamento com o carioca.
Com 40 anos, a amizade de Renata e Gessy tem na casa um símbolo do carinho que elas têm uma pela outra. “Sou filha de italiano, paulista de viaduto, nunca tinha ouvido falar no candomblé, a não ser pelas músicas de Vinicius. Gessy é baianíssima, filha de Tupynambá. Ajudei ela a fazer o livro e começamos uma grande amizade”, diz a proprietária da Casa Di Vina.
Sabedoria
Vinicius também se encantou pela diferença entre ele e a atriz. “Quando conheceu Gessy, ele vivia no meio de intelectuais, já era famoso e queria algo diferente, começou a dizer que estava cansado de papo de intelectual”, diz Renata. Por meio da então esposa, Vinicius conheceu a ialorixá Mãe Menininha do Gantois, com quem descobriu ser filho de Oxalá.
A vida simples, a natureza e a sabedoria religiosa passaram a interessar Vinicius, que casou com Gessy num ritual cigano e levou essa influência para as composições. Para exemplificar essa mudança, a dona da Casa Di Vina traduz um trecho do livro Vinicius de Moraes en el Río de la Plata, disponível em espanhol para os hóspedes do hotel em Itapuã.
“Eu tampouco leio, diria que já li muito, agora, me interessa a gente, os pescadores, os pobres da Bahia, dos que eu aprendi muito, e te digo mais, aprendi mais das pessoas pelos animais do que pelos intelectuais. Na minha casa na Bahia, tenho quase um zoológico, muitos cachorros, macacos, cabras”.
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