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07/02/2021 às 6:05 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Lembranças emblemáticas do Carnaval animam foliões

O artista visual J. Cunha e a beleza da identidade | Foto: Rafael Martins | Ag. A TARDE
O artista visual J. Cunha e a beleza da identidade | Foto: Rafael Martins | Ag. A TARDE -

O Carnaval de 1975 ficou marcado pela voz de Moraes Moreira ecoando no trio elétrico de Dodô e Osmar. Era a primeira vez que alguém cantava para o povão durante a folia.

Até então o frevo eletrizado enlouquecia a multidão somente com os instrumentos musicais. O rapaz de Ituaçu, que ganhou o Brasil com os Novos Baianos, começava a sua trajetória momesca. Moraes passava a ser sinônimo do Carnaval em cada esquina de Salvador.

Mas uma outra voz se fez ouvir ao mesmo tempo. Criado em novembro de 1974, o Ilê Aiyê iniciou o seu desfile histórico no Curuzu, em fevereiro de 1975, rumo ao centro da cidade, sob a observação da polícia e a crítica dos meios de comunicação, insatisfeitos com a ideia de um bloco formado exclusivamente por negros. Começava a luta ainda em marcha pela democratização da folia, que teve em Moraes, morto em abril do ano passado, um dos seus defensores.

No Carnaval de 75, o Jubileu de Prata do trio elétrico, enquanto a maior parte da elite que brincava Carnaval se divertia em salões de clubes sociais restritos, na Praça Castro Alves repleta de gente do povão, artistas e intelectuais se divertiam ao som dos trios elétricos disponíveis, como o Caetanave, construído por Orlando Tapajós em homenagem a Caetano Veloso, que voltava do exílio, e o próprio trio de Dodô e Osmar.

O artista visual J. Cunha, então com 27 anos, testemunhou no chão da praça as mudanças em um Carnaval que ganhava vozes, como as do burburinho causado pela novidade do Ilê Aiyê. “Uns diziam que tinha um grupo de jovens negros enfrentando a polícia, outros comentavam que tinha que enfrentar mesmo”, lembra Cunha. O artista seria depois o responsável pela identidade visual do bloco, durante 25 anos.

Antes mesmo que a sua irmã mais velha o segurasse pela mão e o levasse para conhecer o recém-inventado trio elétrico, ainda quando era criança, na década de 1960, J. Cunha se deliciava observando as edições de Carnaval das revistas Manchete e Cruzeiro.

Os vestidos exuberantes que a sociedade carioca usava na folia de Momo seriam uma inspiração importante para a definição de sua carreira profissional.

Influenciado pelo glamour carioca e por festejos que conheceria posteriormente no exterior, ele também seria um dos organizadores, em 1971, da Lavagem das Escadarias do Palácio dos Esportes, na Praça Castro Alves. O evento, que recebeu duro tratamento da mídia nos primeiros anos, pela grande presença de travestis, acabou sendo incorporado ao calendário oficial do Carnaval na década seguinte. “Organizei durante três anos, depois passei o comando para outras pessoas”, diz ele.

Antes disso, o artista visual já tinha começado a fazer história na folia integrando o grupo de jovens com cabelo black power, que, apadrinhados por Gilberto Gil, conseguiram furar a estética do cabelo curtíssimo predominante nos Filhos de Gandhy.

Imagem ilustrativa da imagem Lembranças emblemáticas do Carnaval animam foliões
Integrantes dos blocos Moraes (amarelo) e Moreira (vermelho), do Movimento Etílico dos Barris, em 2018: homenageiam o cantor, um dia nos Barris, e Riachão, na Mudança do Garcia | Foto: Rafael Villanueva | Divulgação

Esse é o meu Carnaval

Causada pela pandemia, a primeira pausa na folia desde a invenção do trio curiosamente acontece no que seria a primeira folia sem Riachão e Moraes Moreira, mortos em março e abril de 2020, respectivamente. A seu modo, ambos fizeram crônicas maestrais de um povo folião por natureza.

Os bloquinhos carnavalescos Moraes e Moreira todos os anos celebram o repertório do cantor nos Barris, na quarta que antecede o Carnaval, e no Garcia, na segunda, dia da Mudança do Garcia. Nesse dia, o repertório ganha músicas do sambista.

Segundo o coordenador Arthur Daltro, no ano passado os blocos reuniram em torno de três mil pessoas, que compraram as camisetas. “Conseguimos homenagear os dois em vida, estivemos com eles no ano passado, no último Carnaval dos dois. No primeiro Carnaval sem eles, teremos que fazer uma festa daquelas”, planeja Daltro. Os blocos são o projeto carnavalesco de um grupo de amigos apaixonados por farra que criou o Movimento Etílico dos Barris (MEB).

A relação entre o Carnaval de Salvador e dois dos seus grandes expoentes, Moraes e Riachão, teve altos e muitos baixos. Por muitos anos, Moraes teve que tocar nos carnavais de outras cidades por não achar patrocínio em sua terra natal. Outras vezes, conseguiu quem bancasse sua saída, mas recebia trios elétricos com problemas técnicos.

Riachão, o ex-office boy pobre que se tornou ícone do Garcia na eterna fantasia do malandro baiano, divertia-se com pouco, ficava feliz em abordar pessoas nos pontos de ônibus com seu samba alto-astral. Evitava mostrar contrariedade, mas, ano passado, no último Carnaval de sua vida, com 98 anos, a família lutou até a véspera da folia para conseguir que fosse montado um camarote na varanda de sua casa para acompanhar a Mudança do Garcia.

No outro século

Acompanhar as mudanças no Carnaval é um desafio. Produtor de Humanenochum, disco premiado de Riachão, o cantor e compositor Paquito até já se deslocou em outros tempos para curtir um trio elétrico na Praça Castro Alves, antes da chamada profissionalização da folia. “Foi no outro século”, brinca o artista, que classifica os atuais dias de Carnaval como “um inferno”.

Paquito mudou-se para o Campo Grande justamente em 1975, ano da estreia de Moraes e do Ilê no Carnaval, numa época em que a folia durava três dias e a rotina da cidade não era tão alterada.

Ele reclama que a festa atrapalha a vida de quem mora no circuito antes, durante e depois. “Teve um dia que vi um velho com muleta tendo que se movimentar em meio àquela estrutura”, conta o músico, que defende o deslocamento do circuito para uma área não residencial, como aconteceu com o Carnaval do Rio após a construção do Sambódromo.

A indignação com a festa, e com as caixas de som ligadas nas manhãs de Carnaval, quando não há desfile, ajudou na composição de Barulhento, faixa do álbum Xará (2019) que tem a participação de Caetano Veloso.

Salvador diz quem é

Depois de passar 25 anos fotografando o Carnaval para jornais e de fazer um trabalho etnográfico sobre a contratação de cordeiros pelos blocos, o professor, jornalista e antropólogo Haroldo Abrantes recorre ao pensamento do professor Milton Moura para definir a folia. “Ele afirma que Salvador diz quem é no Carnaval. É um espelho para quem quer conhecer a cidade, para o bem e para o mal”, declara Abrantes, que se enturmou com pessoas do bairro de Mata Escura que trabalhavam como cordeiros. Jogou bola, bebeu cerveja e, no dia da seleção, participou do processo desde o início, sendo contratado como cordeiro do Nu Outro em 2006.

Abrantes destaca que a trajetória do trabalho como cordeiro aponta para os ciclos da folia. “No auge, a categoria chegou a ter 80 mil trabalhadores. Hoje, não é mais tão importante”, diz ele, ressaltando que a diminuição das cordas aponta para a migração das elites para os camarotes.

No artigo O Carnaval como engenho da representação consensual da sociedade baiana, o cientista social Milton Moura lança luz sobre como a representação máxima da festividade soteropolitana é também um espelho das tensões acumuladas ao longo do ano por pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, homofóbicos e comunidade LGBTQIA+.

Imagem ilustrativa da imagem Lembranças emblemáticas do Carnaval animam foliões
Edilene Batista e a alegria de quem adora o Carnaval | Foto: Rafael Martins | Ag. A TARDE

Virada dos 80

Moura explicita no artigo como o uso da corda começou nos anos 50 para delimitar a identidade de pequenos grupos fantasiados, muda para a proteção de blocos femininos de classe média-alta, e, “na virada dos anos 80, a corda assume claramente o papel de conquistar espaços diante de uma multidão tão ameaçadora aos grupos uniformizados quanto desejosa de participar do centro da festa”.

Em seus melhores tempos de folia, a cuidadora Edilene Batista chegava em casa à 1h da manhã com as sandálias nas mãos, depois de passar a tarde e noite no circuito. Quando tinha fôlego total para a folia, ficava nas proximidades da Casa de Itália esperando Bell Marques, Ivete Sangalo e Claudia Leite passarem para ir atrás.

Desde que se casou, costuma sair com o marido e, às vezes, a filha. Não tem mais o mesmo tempo e entusiasmo de antes, mas ainda é louca por Carnaval. “Pelo menos um dia, a gente sai. Nem que seja para ficar encostado no muro do Farol da Barra para ver o trio passar”, diz.

Em um Carnaval do passado, há quase duas décadas, o marido não quis ir para a folia e ela se jogou sozinha. Durante cinco horas, deu duas voltas do Campo Grande à Praça Castro Alves. Sozinha, feliz, com uma latinha de cerveja na mão em meio à multidão.

Em 2014, sua sobrinha Lilian se juntou ao grupo de foliões. Chicleteira, a moça de 26 anos chegou em casa chorando, emocionada por ter participado do último Carnaval de Bell Marques no Chiclete com Banana. “Foi como se o Chiclete tivesse dado um presente a ela. Ficou marcado”. No mês de junho, durante a Copa do Mundo do Brasil, Lilian morreu, vítima da síndrome de Guillan-Barré.

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